Parlamento - Pronunciamentos

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RESISTÊNCIA À DITADURA MILITAR

Genoino fala sobre os 30 anos da Lei da Anistia

Câmara dos Deputados - Detaq 
Congresso Nacional - Sessão
Número: 226.3.53.O
Data: 31/08/2009

Deputado Luiz Couto -
Concedo a palavra ao nobre deputado José Genoíno.

Deputado José Genoino - Sr. Presidente, senhoras e senhores aqui presentes, companheiras e companheiros, estamos numa sessão solene da Câmara.

Estou em dúvida ao me referir ao meu companheiro e colega, Ministro Paulo Vannuchi, com quem curtimos alguns anos de Carandiru e Barro Branco.

Faço questão de registrar que também está comigo o Hamilton Pereira, com quem curtimos também pique de Brasília, Carandiru e Barro Branco.

Estão aqui lembrados esses companheiros nesta data. E acho importante lembrar nesses 30 anos algumas pessoas, para registro da história.

Em primeiro lugar, o Movimento Feminino pela Anistia, que foi o embrião da campanha pela anistia, na pessoa da Therezinha Zerbini. Em seguida, o Comitê Brasileiro pela Anistia — CBA, onde realizávamos reuniões, que teve participação de muitas pessoas, mas há uma pessoa simbólica que Paulo Vanuchi e eu conhecemos muito bem, Madre Cristina.

Lembro os advogados dos presos políticos. Quando conhecemos fatos — nome de torturadores, relato de torturas — , as pessoas não sabem que esses relatos saíam da cadeia por meio dos advogados e dos familiares. É importante lembrar, porque esses advogados corriam risco. São eles Airton Soares, Luis Eduardo, Eni Moreira, Regina, Carlos Simas, José Carlos Dias, Edibal Piveta, o Benizário, e vários outros, que entravam na cadeia, e por eles fazíamos passar documentos relatando torturas e torturadores.

Lembro também algumas pessoas importantes nesse processo. O MDB usou a palavra. É importante lembrar que alguns políticos do PMDB foram fundamentais, quando estávamos presos. Eles corriam risco — não era fama nem celebridade — , ao visitar as cadeias. Acho que quem simboliza isso é o senador Teotônio Vilela. Quando ele entrava nos presídios e lhe pediam a credencial, dizia que estava lá em nome da República.

Lembro a figura de D. Paulo Evaristo Arns, fundamental, Goffredo, Presidente da OAB, depois Faoro, Márcio Thomaz Bastos, Caio — Paulo Vanuchi e Hamilton Pereira sabem disso, relembrando essa história da OAB — , foi o primeiro Presidente a quem nos dirigimos relatando os métodos de tortura e os nomes dos torturadores. Foi ao Presidente da OAB, dr. Caio, àquela época, antes da Lei da Anistia.

Trago essas lembranças, em primeiro lugar, para resgatar e, em segundo, para situar esses 30 anos da Lei da Anistia como um elo entre a resistência à ditadura militar e o processo de luta pela democracia. A Lei da Anistia foi esse elo, cuja continuidade foi o movimento pela Constituinte, depois do movimento pela substituição da ditadura via colégio eleitoral e no movimento que foi o marco importante para a primeira eleição presidencial, em 1989.

Ao trazer essas lembranças, é importante destacar aqui que hoje é muito fácil a grande mídia se referir àquele período da Lei da Anistia e até a fazer as cobranças devidas. Mas é bom registrar que, no final dos anos 70 e início dos 80, quando nós ex-presos políticos corríamos às redações para relatar métodos, não nos davam espaço, diziam que aquilo atropelava a distensão lenta, gradual e segura.

Eu mesmo tive um episódio com um repórter, que agora ganhou um prêmio com o filme Corumbiara, Vincent Carelli, e um outro, Palmério Dória, que foram à Transamazônica e se defrontaram com aquilo tudo que estava ocorrendo no Araguaia. Eles me levaram, como testemunha, ao editor de uma grande revista, para publicar a matéria. Disseram: Não dá. É muito pesado.

É claro que hoje isso dá nome, celebridade. Mas, naquela época, não. O jornal mais liberal era O Estado de S. Paulo, que recebia as famílias nossas, quando fazíamos greve de fome. Diziam: Os filhos de vocês têm que estar presos. Tortura, não. Mas têm que estar presos. Os outros órgãos de imprensa eram coniventes com aquele manto de repressão. É importante dizer isso aqui, principalmente para as novas gerações, porque percorríamos, andávamos, circulávamos todos esses ambientes para divulgar.

Não posso deixar de relatar um episódio que vivi aqui na Câmara dos Deputados, logo após a eleição de Tancredo e Sarney, no Colégio Eleitoral, quando pedi, deste microfone, a transcrição da lista dos torturadores do jornal Em Tempo, clandestino. Por causa daquela lista, meu mandato quase foi extinto. Foi um processo de negociação muito tensa, porque pedi no pinga-fogo. Vejam bem, no dia seguinte toda a imprensa dizia que eu estava perturbando o processo democrático, que o Presidente tinha acabado de tomar posse e que eu estava já com uma lista denunciando métodos de torturas e torturadores.

É bom dizer isso aqui, porque existem protagonistas dessa história que lutaram, correram riscos, quando existiam, botaram a cara, quando eram ameaçados de prisão, fizeram greve de fome, quando greve de fome era para valer, como fizemos no Carandiru, na penitenciária.

É importante resgatar essa história, com o seguinte sentido: primeiro, lembrar a Lei da Anistia, porque a história tem que ser resgatada; segundo, trazer a Lei da Anistia para resgatar o direito à memória e à verdade e esse trabalho fabuloso que nós estamos fazendo aqui.

A luta que travamos nesta Casa durante a Constituinte para que a tortura fosse considerada crime imprescritível nós perdemos. Não podemos deixar de lembrar a luta que realizamos neste plenário para aprovar acordos internacionais que consideram tortura crime — o Deputado Francisco Dornelles, que também era Deputado Federal, aqui está para lembrar — , a luta que travamos aqui dentro para aprovar a Lei Fernando Henrique Cardoso, que reconhecia os desaparecidos para efeito de indenização, e a luta que travamos hoje para que o direito à memória e à verdade seja princípio sagrado da democracia.

É a partir do direito à memória e à verdade que o País tem de olhar para o passado com os olhos do futuro. Precisa fazê-lo sem temer o passado, mas conhecendo a verdade. Esse processo precisa ser discutido, amplamente debatido pela sociedade, com base nos parâmetros democráticos.

Sr. presidente, existe a possibilidade de a Presidência condescender no tempo, para que eu conceda aparte?

Deputado Luiz Couto - Deputado José Genoino, o tempo está ultrapassado, e há outros oradores para falar. O Ministro Paulo Vanuchi é um deles. Nós concederemos, mais tarde, a palavra aos srs. parlamentares.

Deputado José Genoino - Sr. presidente, concluindo, esta luta é um processo ao qual temos de dar continuidade, mas não com visão pessimista ou achando que vamos resolver tudo de uma vez. Estamos caminhando nesse processo. Durante minha militância política contribuí para ele por meio de uma militância comprometida com todos os episódios que vivemos, diante das derrotas e das vitórias, mas, principalmente, com a palavra de ordem de que a democracia é a solução para os grandes problemas.

A crise da democracia será solucionada pela democracia. A crise da política será solucionada pela política, não pela Justiça, não pela polícia, não pelo Ministério Público, nem pelas carreiras de Estado. A política soluciona a crise da política, e a democracia soluciona a crise da democracia.

Muito obrigado.

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