Parlamento - Pronunciamentos

Versão para impressão  | Indicar para amigo

Pronunciamento ficha suja

Câmara dos Deputados – Detaq
Congresso Nacional - Sessão
Número: 301.3.53.O
Data: 4/11/2009

Deputado Inocêncio Oliveira - Concedo a palavra ao ilustre deputado José Genoino, do PT de São Paulo. S.Exa. dispõe de 25 minutos na tribuna.

Deputado José Genoino - Sr. presidente, sras. e srs. deputados, eu quero usar a tribuna desta Casa para abordar um assunto que fiz, de maneira telegráfica, quando alguns colegas subscreveram o Projeto de Lei de Iniciativa Popular nº 518, de 2009, como lei complementar, de iniciativa da CNBB. Naquela época, eu disse que este era um projeto inconstitucional, autoritário, com uma vertente que vem dos períodos de maior truculência da história da humanidade.

Quero agora, sr. presidente, trazer clareza às minhas posições nesse debate. Gostaria de iniciar com uma frase de Luciano Canfora, em Crítica da Retórica Democrática, que diz o seguinte:

“Encastelados no reino do bem, os formadores de opinião observam o resto do mundo enrolando-se na própria cauda, como o Minos dantesco, para indicar o círculo vicioso no qual deve cair esse ou aquele adversário.”

Esse projeto é inconstitucional porque prevê que os crimes contra administração pública, má-fé, meio ambiente, saúde pública, crimes dolosos contra a vida, abuso de autoridade, abuso de autoridade, crimes eleitorais, lavagem de dinheiro, ocultação de bens, valores, exploração sexual, etc., etc., quando é aceito a partir da denúncia do Ministério Público em primeira instância, ele propõe, em seus artigos aqui, que o cidadão seja impedido de se candidatar. Esse é o projeto, em vários artigos, para governador, para prefeito, para deputado, para senador, para detentores de cargo da administração pública.

Olhe bem, sr. presidente, a Constituição brasileira é clara quando diz que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

No art. 14, a Constituição Brasileira repete, em seu inciso 3 do art. 5º, a mesma questão. E, no art. 55, quando trata da perda de mandato, reafirma o mesmo princípio de ação condenatória transitada em julgado.

Com quem nós temos discutido que esse projeto é flagrantemente inconstitucional as pessoas argumentam que esse princípio trata da questão criminal. Eu me apoio aqui no voto do Ministro Celso de Mello, quando ele fala sobre a tutela de direito no que diz respeito a cassação de direitos políticos, respondendo a uma ação da Associação dos Magistrados brasileiros:

"Com a instauração, em nosso País, de uma ordem plenamente democrática, assim consagrada pela vigente Constituição de 1988, intensificou-se o círculo de proteção em torno dos direitos fundamentais, qualquer que seja o domínio de sua incidência e atuação, compreendidos, para efeito dessa tutela constitucional e em perspectiva mais abrangente, todos os blocos normativos concernentes a direitos individuais e coletivos, aos direitos sociais e direitos políticos em ordem a conferir real eficiência, seja impondo ao Estado deveres de abstenção, (liberdades clássicas ou negativas), seja dele exigidos deveres de prestação (liberdades positivas ou concretas) seja, ainda, assegurando, ao cidadão, a plenitude dos direitos. Entres esses direitos, o direito à informação.”

(Aparte do Dep. Mauro Benevides)

Pois bem, deputado Mauro Benevides, meu amigo conterrâneo do Ceará, Celso de Mello foi claro quando disse que a tutela é abrangente. E essa tutela abrangente não restringe apenas para a questão criminal. No caso de direitos humanos, tem-se uma tutela ampla e restrita. Existem dois conceitos embutidos nesse debate: primeiro, a presunção da inocência, segundo, a sentença transitada em julgado.

A presunção da inocência vem desde a súmula teológico de São Tomás de Aquino, passando pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, pela carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, pela Convenção Européia, pela Convenção Americana, pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e cita as várias declarações, muitas delas que o Brasil subscreveu.

Disse nesta tribuna, e estou mostrando agora, que esse projeto é, além de inconstitucional, autoritário.

E de onde nasceu essa idéia, deputado Inocêncio Oliveira? De considerar perdas de direitos políticos, independente de sentença transitada em julgado; da lei complementar oriunda da Constituição, Emenda nº 1 de 1969.

A Emenda nº 1 de 1969, do triunvirato militar, em seu art. 151 estabeleceu os critérios para cassação dos direitos políticos.

E olhem bem, Sras. e Srs. Deputados, o que disse o deputado Ulysses Guimarães na Comissão Mista do Congresso Nacional que apreciava essa matéria. “Nós só podemos aceitar a perda de direitos políticos com condenação transitada em julgado.” O senador Josafá Marinho repete o raciocínio e a argumentação de Ulysses Guimarães.

Mais 3 colegas nossos, que não estão aqui, Odacir Klein, Airton Soares e Waldir Walter, afirmaram na ocasião que:

“É inadmissível a declaração de inelegibilidade com base em condenação não transitada em julgado.”

E vamos em frente, sr. presidente, com essa mesma matéria. O que disse, na discussão no Supremo Tribunal Federal, o Ministro Eros Grau quando discutiu o voto do Ministro Celso de Mello?

“Viver a democracia, isso não é gratuito. Paga-se um preço por ela, o preço do devido processo legal.”

Depois ele diz:

“Retorno a observar o Ministro Ari: 'O avanço de uma civilização está correlacionada qual modo como nela foi disciplinado o devido processo legal”

Eros Grau continua:

“À exigência de comprovação de idoneidade moral do cidadão como requisito de elegibilidade sob a égide da presunção da culpabilidade, contemplada em lugar nenhum da Constituição, qualquer pessoa poderá ser considerada culpada, independente de trânsito em julgado e sentença penal condenatória. Instala-se a incerteza. Instala-se o arbítrio dos que o possam, por fundamentos de força, ainda que no desempenho de alguma competência formal bem justificado.”

E conclui brilhantemente Eros Grau: “Conforme o entendimento, não podemos substituir e sacrificar a legalidade e o procedimento legal por uma racionalidade constituída a partir de valores e à margem do Direito”. Eros Grau na discussão do voto do Ministro Celso de Mello.

Disse que todos os períodos autoritários da humanidade trazem no seu bojo a idéia de o Estado definir, previamente, aqueles que podem ser candidatos.

Trago para V.Exas. uma publicação comemorativa do bicentenário da Revolução Francesa. Na declaração de 1789, que derrubou o absolutismo e a monarquia, a Declaração dos Direitos dos Cidadãos estabelece a presunção da inocência e o direito a só sentir-se culpado com sentença transitada em julgado. Duzentos anos depois, a mesma Assembléia Nacional Francesa faz uma atualização da Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana. É dito no art. 15: “Ninguém pode ser considerado culpado antes da condenação definitiva” Declaração dos Direitos dos Cidadãos da Revolução Francesa.

Eu tenho aqui, em mãos, sr. presidente, a Declaração de 1948 da ONU que no seu art. 2º fala que toda pessoa tem direito a participar da vida política. E mais: Art. 11: Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente. Essa é a Declaração da ONU, de 1948.

Essa ideia que foi produzida por este projeto de iniciativa popular, quando eu digo aqui que é de uma vertente autoritária, eu estou mostrando aqui como esses pressupostos fundamentam essa ideia autoritária do Projeto nº 518.

Olhem bem, sr. presidente. O Ministro Celso de Melo, decano do Supremo, ao afirmar o princípio da presunção da inocência, diz: “Somente com cabeças autoritárias, em regime de autoritários, é que se estabelece a presunção da culpa.” É um pouco o que nós estamos vivendo hoje. Você é culpado até que prove a inocência, quando o princípio universal dos direitos humanos é exatamente a presunção da inocência, conforme eu mostrei aqui.

Os senhores sabem como se constituiu o autoritarismo nos regimes de terror, no mundo. Começa com a maniqueísta de que há os puros e os impuros. Começa com a ideia de que tem que hostilizar, de que tem que criminalizar. Essa ideia, sr. presidente, da hostilidade, da criminalização, possibilita que centenas de prefeitos, alguns governadores e até Presidente da República que, por ação de improbidade recebida por qualquer juiz em primeira instância, fiquem impedido de se candidatar.

O que isso representa? A tutela dos juízes sobre a política, a tutela daquilo que comento em artigo da revista Teoria e Debate, do meu partido.

Digo no artigo:

“Se esta visão prevalecer, com o passar do tempo, foi construída uma teoria que, a pretexto de efetivar os direitos constitucionais, substitui a política e o Parlamento pela supremacia judicial, gerando um déficit de legitimidade. Está aberto o caminho para um governo de juízes que coloca a sentença em oposição ao voto e a técnica no lugar da soberania popular.” A Judicialização da política, texto conjuntamente assinado com o Professor Luiz Moreira, na revista Teoria e Debate.

Aparte do Dep. Ernandes Amorim

Aparte do Dep. Carlos Zarattini.

Reafirmo, a Lei Complementar nº 5, de 1970, Governo Médici, triunvirato militar, foi quem introduziu no Direito Constitucional Brasileiro a perda de direitos políticos por improbidade administrativa. Foi aí que nasceu, na Constituição de 1969, da Junta Militar — não é nem a do Castelo Branco —, a ideia da improbidade administrativa.

As Constituições de 1991, de 1934 e de 1946 estabeleciam sentença com julgamento, com seus efeitos produzidos, portanto, com sentença transitada em julgado. Foi a emenda do triunvirato militar de 1969 que introduziu a Lei Complementar nº 5, art. 151. Li aqui os votos de Ulysses Guimarães, Josafá Marinho, Odacir Klein, Airton Soares, Waldir Walter, nos quais discutiram exatamente a lei complementar de natureza fascista.

O Deputado Ernandes Amorim tem razão, na eleição nós nos submetemos ao povo. Vamos para a rua nos expor, ser xingados e apoiados. Quem julga que a pessoa pode ou não ser candidato? Passa por uma eleição? Por um debate na rua? Não. Este Projeto de Lei de Iniciativa Popular quer colocar um funcionário do estado, um burocrata, para selecionar que deve e quem não deve ser candidato. Pois é este concursado, representando a verdade da sentença judicial ou da técnica, que sabe o que é bom ou não para o País.

Aparte do Dep. Mário Heringer.

Aparte do Dep. Geraldo Pudim

Sempre defendi e defendo uma reforma política ampla e democrática na Casa, uma reforma que resgate o sentido democrático e republicano da política, com base no princípio de que todo o poder emana do povo e só pode ser exercido diretamente ou pela representação. Esse poder que emana do povo está passando por uma crise de legitimação. E temos que fazer uma reforma política. Agora, substituir a política pelo arbítrio da proibição, da discriminação, da vedação é contrariar o princípio universal da democracia, que está consagrada nas revoluções democráticas do final do século XVIII, na Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU, após a tragédia nazifascista, está consagrada na Constituição de 1988.

Na próxima semana, para concluir, sr. presidente, vou usar esta tribuna para falar sobre o fim do Muro de Berlim, que completará 20 anos no dia 9, segunda-feira. Nós, que apostamos na democracia, em reformas econômicas, em reformas sociais compreendemos, Sr. Presidente...

(Manifestação das galerias.)

Deputado José Genoino - Eu continuarei com a palavra, sr. presidente, em primeiro lugar democraticamente, respeitando e elogiando a presença aqui dos representantes dos aposentados. Nós temos discutido democracia. Democracia que esta Casa foi a principal instituição que a conquistou. Ela foi fechada. Deputados foram cassados. Nós é que votamos uma Constituição que hoje é chamada de Cidadã e que inclusive consagrou os direitos dos aposentados. É essa Constituição que nos possibilita avançar, não é a sentença, não é a mídia, não é o técnico nem é o formador de opinião. Esta Casa é legítima porque ela nasce do voto popular, nasce da soberania popular. Esta Casa me ensinou na democracia. Esta Casa, em que disputo minhas posições, muitas vezes é atacada pelas virtudes, porque esta Casa é transparente.

Todos vêm a esta Casa, todos estão aqui para fazer a legítima pressão do conflito.

O que estou discutindo é um projeto de lei que foi apresentado a esta Casa, que tem um viés, repito, Sr. Presidente, inconstitucional, autoritário e conservador.

Muito obrigado, presidente Inocêncio Oliveira.

Busca no site:
Receba nossos informativos.
Preencha os dados abaixo:
Nome:
E-mail: