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20 anos da queda do Muro de Berlim

CÂMARA DOS DEPUTADOS - Detaq
Congresso Nacional - Sessão
Número: 307.3.53.O
Data: 9/11/2009

 
Deputado Mauro Benevides - Concedo a palavra ao nobre Deputado José Genoíno.

Deputado José Genoino - Sr. presidente, sras. e srs. deputados, apesar de o plenário vazio numa segunda-feira à tarde, vou falar de um assunto importante que está repercutindo no mundo inteiro — entrevistas, jornais, televisão, debates. A mídia internacional comenta, discute, o significado do que aconteceu há 20 anos: a queda do Muro de Berlim.

Faço esta discussão levando em conta aquela experiência histórica construída no pós-guerra há 20 anos. Aquela experiência histórica faliu. Foi derrotada em 9 de novembro de 1989 com a queda do muro, que foi construído a partir das consequências do desdobramento da 2ªGuerra Mundial, numa partilha entre a ordem capitalista, liderada pelos Estados Unidos, e a ordem do modelo soviético, liderada pela União Soviética, o campo das ex-Repúblicas Soviéticas e a influência nos países do Leste Europeu.

Aquele muro de mais de 150 quilômetros, com 300 torres de observação, vigiado 24 horas — a barreira interrompia estradas, trens e atravessava 24 quilômetros de rios e 30 bosques — , aquela marca foi demolida há 20 anos.

Não resta a menor dúvida, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, senhoras e senhores telespectadores da TV Câmara, de que foi um fato político importante. Foi exatamente aquilo que Hobsbawm chama de símbolo do século XX, o breve século XX. A queda do muro representou o fim de uma era.

A queda do muro não foi um processo revolucionário de transformações estruturais, mas consequência, resultado das contradições e da falência de um modelo do chamado socialismo soviético, em que o domínio do partido único, do Estado autoritário, do fim do mercado e da iniciativa privada construiu um modelo estatal e econômico com suas contradições e problemas, foi chegando ao esgotamento, tanto pela crise na União Soviética, com a perestroika e a glasnost de Mikhail Gorbachev, como também a crise no Leste Europeu, e gerou um processo de falência no interior das próprias contradições daquele modelo.

Deputado Mauro Benevides - V.Exa. me permite um aparte, deputado? É só para dizer a V.Exa. que tive o desprazer de assistir ainda à existência do Muro de Berlim, quando participamos de um congresso interparlamentar que objetivava impulsionar a normalização da Alemanha, dividida naquela época em Alemanha Oriental e Ocidental. Hoje, a televisão faz uma divulgação histórica memorável, significando exatamente o regozijo por aquele acontecimento que se registrou em função de algo que era extraordinariamente anormal no relacionamento de um mesmo povo. V.Exa. tem razões sobradas em fazer o enaltecimento da ruptura do Muro de Berlim, que separava as duas Alemanhas, hoje unificadas em defesa da causa da democracia. Cumprimento V.Exa.

Deputado José Genoino - Agradeço-lhe, Deputado Mauro Benevides. V.Exa. sabe que a queda do Muro não representou uma revolução no sentido da ampliação das liberdades políticas profundas no sentido do avanço da democracia e de transformações econômico-sociais; foi a hegemonia do modelo capitalista liderado pelos Estados Unidos na forma e no conteúdo do que conceituamos como neoliberalismo. Da Escola de Chicago, de Friedman, até o Consenso de Washington, construíram uma pax mundial, uma ordem econômica. Essa ordem econômica que se fortaleceu com a queda do muro construiu vários muros: o muro do desemprego, o muro da exclusão, o muro contra os imigrantes, o muro físico do México, o muro que separa palestinos e judeus, os muros da África, os muros criados com o modelo neoliberal de privatização, o muro do predomínio da oligarquia financeira no sistema econômico mundial, o muro da intolerância, da discriminação, da xenofobia, o muro que foi se constituindo neste planeta.

Apesar do grande fato político de 20 anos atrás, hoje vivemos num mundo em que a pobreza, a miséria e os vários apartheids estão construídos, seja com as guerras regionais, seja com o terrorismo, seja com a intolerância. Vivemos, portanto, uma ordem mundial marcada pelo domínio do neoliberalismo e por sua própria crise.

Não é por acaso que 20 anos depois caiu outro muro, o de Wall Street, o muro chamado subprime, o muro da ordem econômica, da especulação financeira, o muro em que o dinheiro virou uma grande ficção produzindo um sistema de dominação, um sistema de espoliação de populações, de regiões e de países, que caiu na crise de 2008 e 2009.

Portanto, esses 20 anos são ricos para examinarmos a necessidade de discussão desse grande fato. Primeiramente para nós, da Esquerda, para os socialistas que partem de uma concepção democrática de como pensar a sociedade humana, temos de resgatar os valores da igualdade social, fundamentada, imbricada com o valor da liberdade política.

Como diz o filósofo, a liberdade é criada, a igualdade é conquistada. E este processo político, com a queda do Muro, se organizou e se institucionalizou no mundo ocidental a hegemonia do pensamento único, e chegaram à previsão do fim da história, o fim da luta de classe, o fim do conceito de Esquerda e de Direita.

É exatamente esse muro que foi edificado, após a queda do Muro de Berlim, que está caindo agora. E é esse muro que coloca diante de nós grandes possibilidades para, nesses momentos de dificuldades, nesses momentos de crise, nesses momentos de impasses, pensarmos e produzirmos. Como já se disse, os piores tempos oferecem as melhores oportunidades para aqueles que compreendem a necessidade de reformas econômicas fundamentais, reformas sociais e reformas políticas.

Não se trata, como diz Hobsbawm, de discutir qual o modelo. Trata-se de discutir um novo paradigma das necessidades humanas, da construção de sujeitos políticos, da construção de direitos.

Sr. presidente, se o mundo partia da premissa do socialismo autoritário, com o fim daquele modelo de socialismo autoritário, temos de constatar, fazendo uma crítica ao modelo do socialismo autoritário, que as condições de vida e de emprego, as políticas sociais e as políticas públicas pioraram com a hegemonia e com o predomínio do modelo neoliberal.

Por outro lado, criou-se o fundamentalismo do PIB, o fundamentalismo de que a ordem econômica é um fim em si, esquecendo de fixar que a ordem econômica é um meio para que as pessoas possam ter mais direitos, mais conquistas e mais cidadania. Esse é o grande impasse que vivemos hoje.

Hobsbawm deixa muito claro, sr. presidente, na discussão sobre as raízes da crise da Esquerda, que ele valia e que retrocede a antes da queda do Muro, que ainda não chegou ao fim, mas o colapso do capitalismo financeiro global de 2008 e 2009, uma espécie de queda do Muro de Berlim para a ideologia neoliberal, oferece uma chance de reabrir as perspectivas para a Esquerda.

E essas perspectivas, sr. presidente, são colocadas diante do paradigma de construir reformas econômicas, reformas sociais e reformas políticas importantes para pensar um mundo multilateral, um mundo democrático, um mundo mais pacífico, um mundo que respeite a soberania dos países e das regiões, um mundo em que possamos recusar o apartheid que se verifica em várias partes do mundo.

É necessário recusar o novo autoritarismo oriundo, fundamentado, na ordem neoliberal, essa ordem neoliberal que apresenta para a humanidade uma perspectiva de inclusão apenas para poucos, de uma economia para poucos, de uma economia para alguns, em que parcelas importantes do planeta são colocadas diante das epidemias, das guerras fundamentalistas, da discriminação, da fome, do tráfico de drogas, da violência, principalmente nos grandes centros urbanos.

Por isso o desafio da Esquerda é avaliar criticamente as experiências do socialismo autoritário, mas resgatar aquilo que Bobbio fala que é fundamental na diferença entre Esquerda e Direita. O critério definidor e o divisor de águas é a postura, a atitude em relação a um tema tão fundamental hoje, que é o tema da igualdade social, da cidadania, da construção de melhores possibilidades para a população do planeta.

Vivemos, com a queda do muro, uma hegemonia neoliberal que dominou o pensamento político e colocou a Esquerda numa certa defensiva. O símbolo dessa hegemonia foi o processo de privatização no mundo que ultrapassou todas as previsões do que representava a transferência de renda, do que representava a acumulação privada. Não aquela acumulação privada pensada, analisada por Karl Marx em seu livro O Capital, a acumulação primitiva, mas a transferência de renda, a transferência de ativos do setor público para o setor privado. Isso aconteceu nas telecomunicações, nos setores de energia, de petróleo, de gás, formando-se, com isso, grandes corporações, megacorporações que começaram a estabelecer um outro modelo de partilha no mundo.

Esta ordem econômica, neoliberal, em crise, produziu também um modelo político em crise, que foi o modelo a partir da ideia do pensamento único: criar um modelo que congelasse a sociedade humana, os conflitos, as contradições, os choques de classe por uma visão constitucionalista, a partir da ideia de que aquilo era a possibilidade ou a verdade dogmaticamente petrificada e eterna para entender os problemas da humanidade.

Essa organização que se deu na Alemanha, nos Estados Unidos e em muitos países da Europa também se espalhou em nosso Continente, particularmente no Brasil, na América do Sul, na América Latina. É só verificarmos a onda de governos neoliberais, como aconteceu no período de Fernando Henrique Cardoso; Carlos Menem, na Argentina; Andrés Pérez, na Venezuela; várias experiências de domínio neoliberal que se consagraram ao longo de 10 anos. Isso sem falar no período da ditadura militar que foi, do ponto de vista econômico, racionalizada pela Escola de Chicago, que foi a base, por exemplo, do modelo econômico do Chile.

E, recolhendo essas experiências, como se a solução dos problemas econômicos e sociais do mundo fossem resolvidos de maneira definitiva por essa concepção neoconservadora do modelo econômico neoliberal. É esse modelo, Sr. Presidente, que está em crise. E, no Brasil, nós vivemos duramente essa experiência.

Em 1989, nós fizemos uma campanha eleitoral, com Lula candidato à Presidência da República, em que a disputa ideológica, maniqueísta, preconceituosa, radicalizada tinha a influência da queda do Muro de Berlim.

Vinte anos depois da experiência do período neoliberal, nós estamos organizando um Governo que, do ponto de vista das possibilidades econômicas, sociais e políticas, apresenta um futuro para garantir direitos, oportunidades, inclusão social, inserção soberana no mundo e inserção das nossas identidades e das nossas necessidades num patamar diferente daquela visão petrificada de que o mercado resolveria tudo. O deus do mercado, o deus da globalização, o deus daqueles que pregavam até um único Estado mundial, que pudesse suprir e subjugar a dimensão das identidades nacionais e da soberania nacional. Isso tudo foi-se quebrando. E foi-se quebrando, sr. presidente, através de um processo gradual de disputa eleitoral, de pressão da sociedade, de debate político.

E nós, no Brasil, quebramos vários muros e estamos quebrando outros tantos muros na concepção desse modelo que inclui milhões de brasileiros que saem da miséria absoluta. E esse modelo inclui milhões de brasileiros que saem das camadas mais pobres para inclusão no mercado, que inclui jovens na universidade, que amplia direitos, como o Luz para Todos, que amplia o apoio à economia solidária e à agricultura familiar, que constrói uma política de emprego.

E o Brasil hoje apresenta números, comparados com o de países desenvolvidos, indicando que esse caminho está dando certo.

O posicionamento em relação aos valores, aos propósitos de um novo desenho do mundo, pós Segunda Guerra Mundial e pós Guerra Fria, está colocado como uma necessidade de uma agenda alternativa para enfrentar a crise que vive a ONU, OMC, FMI, Banco Mundial e, com consequência, para vários países e várias regiões do planeta.

O Brasil está dando um protagonismo excepcional com a liderança do Lula na definição dessa agenda, desses propósitos e da necessidade de fazer mudanças profundas.

É este momento que estamos vivendo. Quero, inclusive, ler aqui uma conclusão, mais uma vez, de Eric Hobsbawm, num debate em Alexandria. Diz ele:

O objetivo de uma economia não é o ganho, mas sim o bem-estar de toda a população. O crescimento econômico não é um fim, mas um meio para dar vida a sociedades boas, humanas e justas. Não importa como chamamos os regimes que buscam essa finalidade. Importa unicamente como e com quais prioridades saberemos combinar as potencialidades do setor público e do setor privado nas nossas economias mistas. Essa é a prioridade política mais importante do século XXI.

E é isto que estamos fazendo: recompondo o papel do setor público para promover cidadania, crescimento econômico, inclusão social e para orientar e articular a nossa base estrutural de crescimento econômico, construindo um modelo de desenvolvimento econômico em que a sustentabilidade social, a sustentabilidade fiscal e a sustentabilidade ecológica se combinem como um tripé fundamental, para que a sociedade humana saia do pessimismo, da barbárie, da tragédia, da violência, do fundamentalismo para uma sociedade mais humana e mais justa.

É isso que queremos discutir quando lembramos a queda do muro há 20 anos. Achamos importante esse debate na discussão de novos paradigmas para uma porção de uma Esquerda reformista, democrática, transformadora e socialista, ao pensar a humanidade e o nosso País com essa visão humanista, libertária e socialista.

Conviver com o conflito, com a pluralidade, com a tensão, estimular o processo de participação popular com a representação política, resgatar a política como a esfera que pensa o futuro, como a edificação daquilo que nós chamamos de soberania popular, de que todo poder emana do povo; colocar a política — por isso é fundamental discutir uma reforma da política — , a crise da democracia tem que ser solucionada pela política e pela democracia para construir esse mundo mais justo.

Não é o mero parecer técnico, não é a mera sentença judicial que vai resolver os grandes impasses e conflitos que a humanidade vive e que o nosso País está vivendo, enfrentando e solucionando.

É exatamente esse caminho de uma Esquerda militante, transformadora, que busca construir as melhores possibilidades que possibilitará criticarmos a visão monolítica e totalizante de um socialismo que tinha a verdade pronta e acabada para combater o modelo do fundamentalismo neoliberal, o fundamentalismo do lucro, do mercado, do individualismo, do salve-se quem puder, para construir uma sociedade humana de direitos, uma sociedade humana baseada nas potencialidades, e construir essa potencialidades e possibilidades com as nossas identidades em cada região e cada país.

É promissor, sr. presidente, quando olhamos o mundo de hoje e vemos o que está acontecendo com as experiências da América do Sul. Aqui no Brasil com o Governo Lula, Equador, Bolívia, Venezuela, a eleição que está acontecendo agora no Uruguai, a eleição que acontecerá na Argentina, a eleição que aconteceu em El Salvador, na Nicarágua, eleições que vão acontecer na África, a própria vitória de Obama nos Estados Unidos, são sinais de um processo político histórico que busca a renovação e novas saídas.

Essa renovação e novas saídas não virão — repito — com qualquer visão fundamentalista e autoritária. Nós no Brasil estamos exercitando no Governo Lula uma visão radicalmente democrática, uma visão soberana ao pensar a ordem mundial, uma visão justa no combate à discriminação social, econômica, racial e sexual.

Ao mesmo tempo, sair de um modelo neoliberal para um modelo em que o desenvolvimento econômico seja a base de uma política permanente de oferecer oportunidades, direitos e cidadania para a população.

Portanto, olhando para 20 anos atrás, com a queda do muro, sou um otimista em relação às perspectivas que se abrem após esse fato, que tem que ser lembrado, discutido, comentado. Nós temos que fazer o debate de um fato tão importante que marcou o século XX, na sua origem e nas suas consequências, mas ao analisar um fato histórico, temos que olhar com o parabrisa do futuro, de como construir caminhos e possibilidades para ter uma humanidade, repito, livre da xenofobia, da discriminação, do preconceito, da violência, do individualismo, para construir uma sociedade humana, justa, democrática, uma sociedade de direitos, que conviva com a pluralidade na relação entre os povos, entre as regiões e entre os Estados nacionais, e as organizações multilaterais possam ser redefinidas com base nesses princípios, nesses pressupostos.

Por isso, vale a pena lembrar os 20 anos da Queda do Muro de Berlim, não é olhando para a história como um nicho que está na parede, com saudosismo nem como se fosse apenas o exercício de imagem, mas olhando aquele fato como algo necessário que possa nos orientar neste mundo de hoje, que, repito, vejo com otimismo e reafirmo as grandes responsabilidades e as grandes perspectivas para uma militância de esquerda democrática e socialista.

Muito obrigado, sr. presidente.

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