Parlamento - Pronunciamentos

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Reforma Política

CÂMARA DOS DEPUTADOS – Detaq
Congresso Nacional – Sessão
Número: 342.3.53.O
Data: 07/12/2009

 
Deputado Luiz Couto - Dando continuidade ao Grande Expediente, concedo a palavra ao nobre Deputado José Genoino.

Deputado José Genoino - Sr. presidente, sras. e srs. deputados, nesta tarde de segunda-feira, usando a tribuna no Grande Expediente, quero falar sobre um tema que é o da reforma política.

Mas eu não poderia deixar de iniciar o meu pronunciamento, registrando a nova pesquisa que dá um crescimento da aprovação do Presidente Lula, a pesquisa CNI/IBOPE, que cresceu para 72% dos brasileiros que avaliam o Governo como bom e ótimo, 83% aprovam a maneira como o Presidente Lula dirige o País.

Na pesquisa anterior era 69% em relação a avaliação do governo, foi para 72%. A nota subiu de 7,6 para 7,7, e a confiança no Presidente cresceu de 76 para 78%, e os que não confiam caiu de 22% para 19%.

Esse número indica que o Brasil está caminhando num processo correto de construção, do que eu chamo de um projeto que situa vitoriosamente o Brasil, no papel internacional, na reorientação e a rearticulação do papel do Estado, nas políticas de renda, direta e indiretamente e estamos processualmente.

Estamos, processualmente, saindo de um modelo econômico neoliberal, que marcou a transição delicada no primeiro mandato, para um modelo econômico centrado no desenvolvimento, no crescimento econômico e na distribuição de renda. Mas há uma questão desse nosso projeto de mudança no Brasil que exige uma saída, é o que chamo de reforma das instituições políticas.

Volto a esse tema, em primeiro lugar, para fazer uma comparação. Costumo dizer que a política está para o escândalo como a saúde está para a doença. Pode-se falar da doença de maneira espetacular, e é real, há problemas, erros, precisa de cirurgia, de mesa de operação, e a doença, seja no desastre, seja numa doença estrutural, é terrível. A política tem o lado do erro, da irregularidade, do escândalo, tem que ser apurado e punido. Mas temos a política do lado da saúde: a prevenção, o encaminhamento das instituições, a instituição de regras, a construção de um modelo político, que a política possa ser resgatada no campo da política, que a democracia possa solucionar a crise da política.

A crise da política não será solucionada pelo juiz, pelo procurador ou pelo delegado, tem que ser solucionada por uma reforma política ampla, democrática e profunda, que possa enfrentar as necessidades de novas instituições políticas. Fizemos a transição e a Constituinte respondendo ao período da ditadura militar. Após 24 anos de consolidação da democracia, está passando o momento para se redesenhar o sistema político institucional brasileiro, com base nas premissas da democratização na relação com o eleitor, na funcionalidade das instituições e na relação entre o dinheiro e a política.

É exatamente na relação entre o dinheiro e a política que têm surgido sucessivos escândalos. Temos que evitar o caminho do pessimismo, da banalização e entrar no caminho da saída política, por meio dos instrumentos da própria democracia.

Entendo que este é um grande problema que temos que enfrentar para esse projeto de um Brasil democrático, nacional, popular, com base no crescimento econômico.

Vivemos uma experiência democrática. As instituições democráticas se não passarem por uma reforma profunda estaremos enfraquecendo o princípio da democracia, que é todo poder emana do povo, só pode ser exercido diretamente, nos termos da Constituição, ou pela representação política. E quais são, no meu modo de entender, os temas fundamentais de uma reforma política? Temos que aperfeiçoar a participação da cidadania. Hoje só 1% do eleitorado pode apresentar proposta de lei.

Acho que temos que mudar a Constituição para que esse percentual facilite a participação do cidadão, não só com lei ordinária, mas com lei complementar.

Em segundo lugar, fortalecer o partido político com o princípio da fidelidade partidária renovável de 4 em 4 anos. Não pode ser uma fidelidade em que a pessoa não possa sair do partido, pode sair de 4 em 4 anos. A partir do momento em que se filia e vai concorrer à eleição, não pode sair até a próxima eleição. Instituir o sistema de lista, porque a campanha eleitoral além de ficar mais barata, a responsabilidade é do partido. Aí, vamos privilegiar o programa, o projeto do partido e não a votação uninominal, como acontece hoje, que dá margem para uma falta de transparência, principalmente está na raiz de muitos problemas relacionados com o caixa 2.

Em terceiro lugar, há a diminuição do papel regulamentador da Justiça Eleitoral. Temos que ter uma lei eleitoral, uma lei orgânica do processo eleitoral que dê responsabilidade pelos partidos, feito pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em que o processo de legitimação dos portadores de mandato se fortaleça com o princípio de que o poder emana do povo. Não existe nenhuma instituição, cuja legitimidade é tão grande como aqueles que são eleitos, e o processo eleitoral, apesar das deformações, apesar dos erros ele vem se aperfeiçoando ao longo da história do Brasil.

Essa idéia que está presente e que a eleição é algo que macula a democracia, que prejudica a democracia, que a eleição é uma competição entre bandidos e corruptos, temos que enfrentar o debate. Essa visão transfere para outras instituições a legitimidade do poder. Se o poder não nasce do voto, vai nascer de onde?

Ele não vai nascer de uma sentença, de um parecer ou de uma ação policial. A democracia se legitima pela participação dos cidadãos. Sou de uma geração que acreditava que o poder nascia da ponta de um fuzil. Essa alternativa foi derrotada historicamente. O Brasil e o mundo, particularmente, a América Latina, estão viabilizando grandes mudanças através do processo eleitoral e da participação da sociedade, que são as 2 pernas do mesmo corpo.

Eleição, disputa política, assunção de responsabilidade e, ao mesmo tempo, a participação da sociedade. Temos de enfrentar esse debate na discussão do modelo de partidos e do financiamento da campanha. Defendo que o modelo seja público, com financiamento público, com conta pública, com controle público e transparência total. Aliás, estamos votando uma lei de acesso à informação que dará todas as condições à transparência no Poder Executivo, Legislativo, Judiciário, do Ministério Público e em todas as instâncias da Federação: União, Estados e Municípios.

Concedo um aparte ao Deputado Chico Lopes.

Deputado Chico Lopes - É oportuno o tema trazido por V.Exa., pois vivemos uma crise de grande monta, que não queremos discutir, mas que tem origem no tipo de eleição do nosso País. Quando defendemos que as pessoas votem não em pessoas, mas em partidos, temos de ter lista fechada e financiamento público. Parabenizo o Presidente Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal, que disse, na semana passada, que não podemos continuar com empresas privadas financiando campanha. Acho que V.Exa., há muito tempo, preocupa-se com o assunto, como outros Parlamentares, mas esbarra exatamente nos interesses maiores de alguns grupos que acham que a eleição como está é que é democrática. Vivemos eternamente uma crise em cima de outra, mas entendemos que temos de fazer brevemente uma reforma política que contemple o financiamento público e o fortalecimento dos partidos. Nesse sentido, concordo com V.Exa e corroboro sua preocupação. É pena que apenas a maioria da Casa tenha essa preocupação.

Deputado José Genoino - Agradeço a V.Exa. o aparte, que será incorporado ao meu pronunciamento. Deixo claro que em uma sociedade de mercado, capitalista, só há duas maneiras de a política se relacionar com o dinheiro: ou pela relação privada ou pela relação pública.

Ambas têm risco. Mas a relação pública oferece maior transparência, maior controle do que a relação privada, porque o capital não é bondoso. Ele quer ter vantagem. Ele quer ter lucro. Ele quer ter, vamos dizer assim, uma relação com o Estado. Por isso que nós temos que defender o financiamento público. A esses itens eu acrescentaria mais um, que é o funcionamento, além do funcionamento dos partidos, porque nós não podemos fortalecer os partidos sem democratizar o seu funcionamento. Por exemplo, a escolha de lista. Nós temos que adotar o sistema de escolha direta com os filiados, para que a alta burocracia do partido não tenha o controle na hora de ordenar a lista, porque também é verdade que existem várias denúncias, escândalos, como na Itália, como em Israel, na hora de se fazer a lista, porque se disputa o lugar na lista. Então nós temos que democratizar essa escolha, através dos filiados.

Há uma outra questão muito delicada, que diz respeito ao processo legislativo. Na Constituinte, nós não equacionamos corretamente o papel da Câmara e do Senado. A Câmara é a Casa da abertura do processo legislativo. Por isso que o Niemeyer faz esse formato arquitetônico. As leis entram pela Câmara, e o Senado faz a revisão. O que acontece hoje, Sr. Presidente? A Câmara ora é revisora, e o Senado ora é (Casa) revisora. Não existe uma Casa revisora, porque as leis podem entrar pela Câmara, a maioria delas, mas elas entram pelo Senado. A Câmara é Casa propositiva. E o Senado devia ser Casa revisora. Mas hoje tem uma mistura. E o que acontece? Fica um pingue-pongue interminável. A Câmara deveria representar o povo, no sentido da pluralidade, no sentido do poder majoritário, no sentido dos debates das questões nacionais, e o Senado representa a Federação, por isso que são 3 Senadores por Estado, representa a relação com os tribunais superiores, representa a relação com os embaixadores, com a diplomacia brasileira e é Casa revisora. Revisora, no sentido de revisar o que a Câmara vota, porque dá uma segurança a determinadas matérias que a Câmara vota. E o Senado, como Casa revisora, eu acrescentaria mais um dispositivo. Esse enfraquecimento da democracia parlamentar e representativa está possibilitando uma espécie de judicialização da política. Aliás, o grande jurista Canotilho, português, chama a atenção sobre isso numa entrevista de 1 mês atrás, no Valor Econômico. Sábado saiu um artigo do Boaventura Santos, chamando a atenção para o ativismo judicial em relação a temas sociais, a temas no tratamento dos movimentos sociais.

O grande problema é que o Poder Judiciário trabalha com o fato concreto, com a situação dada; a política é que trabalha com o futuro, com o imprevisível. Por isso o Judiciário tende a ser conservador. Por isso o Judiciário trabalha com o retrovisor; e a política, com o pára-brisa. É necessário que se tenha uma relação harmoniosa.

Quando se trata de controle da constitucionalidade e controle da mutação constitucional, hoje exercida pelo Supremo, essas decisões, relacionadas a matérias votadas pelo Parlamento e a matérias de mudança constitucional, com o quorum de 3/5, deveriam ser avaliadas pelo Senado.

O Congresso Nacional não avalia o veto do Presidente da Republica? Nós avaliamos os vetos e temos que discutir a questão de como apreciá-los. A exemplo do Supremo que toma uma decisão em matéria de controle de constitucionalidade, o papel do Senado, como Casa Revisora, poderia ser, com quorum de 3/5, o de avaliar o parecer da Procuradoria Geral da República, o de ouvir os argumentos do Supremo Tribunal Federal ou o de reavaliar aquela decisão, seja no caso da fidelidade partidária, como já aconteceu, seja no caso da verticalização, seja mesmo no caso da PEC dos Vereadores. Votei nessa PEC mas acho que a decisão do Supremo foi correta em relação à retroatividade.

No entanto, isso tem que ser reapreciado pelo Parlamento por uma única razão. Na verdade, hoje existe um debate no mundo sobre o princípio da soberania popular que é a razão de ser da política. Quem é eleito? Quem recebe a legitimidade do voto periodicamente? São os Deputados, os Senadores e o Poder Executivo. Portanto, temos que equacionar essa relação. Mas para isso temos que fazer uma reforma política que trate desses temas. E qual é o caminho? Não temos maioria para fazer uma reforma política que entre em vigor em 2010. Uma reforma política, com novas regras, só poderá entrar em vigor em 2012. Não temos maioria para fazer uma mudança constitucional com 3/5.

Qual é a proposta concreta que defendo num acordo suprapartidário, independente de quem vai ganhar ou perder a eleição? Existe uma emenda constitucional pronta para ser votada: a 157-B,de 2003, do Luiz Carlos Santos e outros. Essa emenda constitucional trata da revisão constitucional.

Como faríamos a revisão constitucional? Pelo processo de Assembleia Constituinte exclusiva? Eu acho que é inviável. Pelo processo de emendamento constitucional com maioria absoluta? Isso poderá cair no Supremo. Qual seria o caminho correto? Com base nesta emenda de Luiz Carlos Santos, pronta para ser votada no plenário, e com todas as emendas a ela apresentadas, nós faríamos uma emenda aglutinativa propondo o seguinte: o Congresso Nacional, portanto Câmara dos Deputados e Senado Federal, reunir-se-ia como Congresso Nacional, unicameralmente — portanto, haveria Câmara e Senado aqui neste plenário — , com maioria de três quintos, para não esbarrar numa ação do Supremo. Nós votaríamos, fazendo um debate conjunto entre Deputados e Senadores, fazendo Comissões Conjuntas entre Deputados e Senadores, os artigos da Constituição. Até tenho aqui uma proposta, tirada dessa emenda constitucional, que são os artigos que tratam dos partidos, da fidelidade, do financiamento público, papel da Câmara e do Senado. Nós votaríam
os essa emenda constitucional. Ela não prejudicaria o período de 1 ano, porque eu não estaria mexendo com as normas eleitorais, e, em 2011, paralelamente ao processo normal de Câmara e Senado, nós teríamos reunião do Congresso Nacional e, com maioria de três quintos, votaríamos os artigos da reforma política em 2011, para entrar em vigor em 2012. Para buscar uma legitimidade, nós poderíamos aprovar uma espécie de referendo na eleição de 2012, na eleição de Câmara de Vereadores e Prefeituras. O processo político seria concluído através de um referendo, para entrar em vigor em 2012, já na eleição municipal, ou em 2014.

Nós temos de chamar o povo a discutir a reforma política. Isso seria feito durante a campanha eleitoral de 2010. Cada partido defenderia suas propostas — sistema eleitoral, fidelidade, financiamento público, papel da Câmara e do Senado. Nós definiríamos perante o eleitorado essas propostas, cada partido. Nós não vincularíamos essas propostas com o candidato A, B, C ou D; é proposta de partidos. A partir da posse dos eleitos, em fevereiro de 2011, no Congresso Nacional, repito, com maioria de três quintos, porque eu estou respeitando o quorum de três quintos para emendar a Constituição, nós votaríamos esses temos da reforma política.

Quero dizer que essa proposta, Sr. Presidente, está pronta para ser votada no plenário. Agora, uma proposta como essa só é viável se for produto de um acordo suprapartidário entre Situação e Oposição.

Ela tem que ser uma espécie de pacto. Ganhe quem ganhar — isso é em 2011 — , seja o candidato a, b ou c. Como será formado o Parlamento? E os Governadores? Vamos para a eleição já sabendo que, em 2011, iremos nos dedicar, durante o ano inteiro, à discussão e votação dos artigos que tratam da participação popular, da fidelidade partidária, do financiamento público, do papel da Câmara e do Senado, da questão da lista ou do sistema distrital misto. Faríamos um debate e votaríamos com quorum de 3/5.

A diferença é que, nesse debate, haveria a participação de Deputados e Senadores. Porque não adianta votarmos uma emenda aqui. Ela vai para o Senado. Não há discussão entre Deputados e Senadores. Nós voltaríamos àquela situação de emenda constitucional de antes do processo constituinte, que, confesso, era mais democrática, porque Deputados e Senadores discutiam na mesma Comissão, no mesmo plenário, com votação separada, respeitando o quorum de 3/5 — na época era de 2/3 — , as matérias constitucionais.

Acho que essa proposta tem viabilidade. Ela dá perspectiva para a população de enfrentarmos, através do debate, do caminho democrático, uma reforma política institucional e democrática. Agora, a condição: é um acordo suprapartidário. Estou propondo isso para depois da eleição.

Portanto, iríamos para a disputa eleitoral sabendo que, em 2011, enfrentaremos esses temas espinhosos da reforma política.

O que não podemos, Sr. Presidente, é, diante de cada escândalo, ficar apavorados. Segundo, alguém querer praticar disputa política com a moral e a ética. Eu já disse isto aqui: quando o PT, em parte, fez esse discurso na oposição, foi um erro. Não adianta um partido querer escorraçar o outro por causa desse ou daquele escândalo. Temos que fazer um debate macro sobre as instituições políticas, o sistema de eleição e o sistema partidário e definir uma agenda.

Eu não vou fazer acordo quanto ao mérito. Eu vou fazer acordo quanto aos itens e aos artigos da agenda, para que possamos votar uma reforma política que dê ao País condições de governabilidade, de aprofundamento da democracia, de transparência e de confiança do eleitor nas instituições políticas, para que o poder realmente emane do povo.

Muito obrigado.

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