Parlamento - Pronunciamentos

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Conferência de Comunicação

CÂMARA DOS DEPUTADOS – Detaq
Congresso Nacional – Sessão
Número: 353.3.53.O
Data: 14/12/2009

Deputado Marcio Junqueira - Convido a ocupar a tribuna o Deputado Federal pelo Estado de São Paulo, do Partido dos Trabalhadores, José Genoino. V.Exa. dispõe de até 25 minutos na tribuna.

Deputado José Genoino - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, primeiramente quero me associar à manifestação da Liderança do PSB de pesar pela morte de nosso grande companheiro Jamil Haddad.

Convivi muito com Jamil Haddad no Congresso Nacional, nas campanhas eleitorais, nas articulações políticas, particularmente quando o PSB participou das primeiras grandes campanhas de Lula à Presidente da República. Por isso, associo-me a essa justa manifestação da Liderança do PSB.

Exatamente há uma semana, referia-me, desta tribuna, à importância da reforma política e defendia que o revigoramento da política é essencial para resgatá-la no seu papel de instrumento de transformação da sociedade e de instrumento que pensa o futuro, compreendendo a política como a legitimação do princípio de que todo o poder emana do povo.

Hoje, quero falar desse tema, mas de outro aspecto, que comentarei nesta tribuna. Esse aspecto é o que diz o texto do Prof. Octavio Ianni, escritor, pesquisador e militante de esquerda, quando analisa um fenômeno de nossos tempos. Ele diz o seguinte: Esse é o novo, imenso, complexo e difícil palco da política, como teoria e prática. Aí as instituições clássicas da política estão sendo desafiadas a remodelar-se, ou a ser substituídas, como anacronismo, já que outras e novas instituições e técnicas da Política estão sendo criadas, praticadas e teorizadas. Em lugar de O Príncipe, de Maquiavel, e de O Moderno Príncipe, de Gramsci, cria-se O Príncipe Eletrônico. Ele fala do papel do que vou centrar em minha intervenção, a discussão da 1ª Conferência de Comunicação no Brasil.

Para Octavio Ianni, em Maquiavel, o príncipe é uma figura, uma pessoa, o condottiero, que sintetizava a virtude e a fortuna.

Para Octávio Ianni, Gramsci pensou o partido como sujeito político, coletivo, portador de projetos, de plataformas e de programas. Já o príncipe eletrônico, no entanto, não é nem condottiero nem partido político, mas realiza e ultrapassa os descortínios e as atividades dessas duas figuras clássicas da política. O príncipe eletrônico é uma entidade nebulosa e ativa, presente e invisível, predominante e ubíqua, permeando continuamente todos os níveis da sociedade, em âmbito local, nacional, regional e mundial. É o intelectual coletivo e orgânico das estruturas e blocos de poder presentes, predominantes e atuantes em escala nacional, regional e mundial, sempre em conformidade com os diferentes contextos sócio-culturais e político-econômicos desenhados no novo mapa do mundo.

Aqui está o centro do debate que devemos fazer sobre os meios de comunicação. Essa Primeira Conferência de Comunicação se insere numa grande iniciativa do Governo Lula, que já realizou 57 conferências nacionais, oportunidades em que ouve a sociedade, discute a agenda, recebe propostas, ouve críticas e busca consultar segmentos organizados da sociedade sobre temas essenciais da agenda. Já tivemos conferência de Segurança Pública, de Mulheres, da Criança e do Adolescente, Conferência Nacional da Saúde, que foi a primeira grande conferência na história do Brasil nesse período de democratização, e várias outras experiências de conferências nacionais.

Pois bem, Sr. Presidente, estamos realizando a Primeira Conferência de Comunicação, tema que é um verdadeiro tabu quando se discute dentro da agenda nacional. Convivi com esse tabu na Constituinte.

V.Exa. sabe que a única subcomissão e o único relatório que não passou na Comissão foi o da comunicação, cuja Relatora era a Deputada Cristina Tavares. Derrotaram o relatório da Deputado e impedimos a sua votação cujo teor representava os interesses dos proprietários dos meios de comunicação. Essa matéria veio direto para o plenário da Constituinte.

Ao longo da nossa história, é necessário tratar esse tema com uma postura democrática sem interdição, porque as entidades patronais, representantes de interesses dos meios de comunicação são arrogantes, maniqueísta se prepotentes em não participar da conferência. Não aceitam o debate! Não querem discutir!

É como se fosse um tabu. E não pensamos dessa maneira, até porque, Sr. Presidente, para nós a informação é um bem público, condição essencial para o exercício da cidadania como a água, o ar, a luz, e não podemos confundir esse bem público com o veículo.

Muitas vezes se faz essa mistura para escamotear os interesses que os veículos representam, porque eles são portadores de interesses, de valores, de posições políticas. Por isso a informação tem que ser radicalmente democrática, tem que ser livre de controle estatal, controle privado, enfim, tem que ser livre de qualquer tipo de controle.

Portanto, quanto mais se radicalizar na democratização do acesso À comunicação, à informação, da divulgação da informação é fundamental para o exercício da cidadania.

E não é por acaso que hoje a Internet se coloca como um grande meio para se democratizar o acesso à informação. E é esse grande meio que possibilita uma comunicação instantânea, virtual, rápida que viabiliza a informação ser conhecida e divulgada.

No Brasil, quando se debate a democratização dos meios de comunicação se parte de um maniqueísmo falso, pois os donos dos meios são normalmente grande famílias — pega-se 5 ou 6 meios de comunicação e constatamos são de grandes famílias, sabemos até os nomes, mas eu não vou citar aqui. As concessões que se realizam nos Estados, as capitanias hereditárias como elas se formam, vocês sabem disso, confundem qualquer discussão sobre esse tema como se fosse contrário ao princípio da liberdade de imprensa.

Ora, a liberdade de comunicação, a liberdade de informação, a liberdade de acesso são causas basilares e pétreas da democracia. Por isso quando discutimos a democratização do acesso à informação, como condição para o exercício da cidadania, invertemos esse papel.

Por outro lado não é com qualquer tipo de controle seja estatal, seja privada que vamos resolver o problema da pluralidade.

Tenho uma análise muito claro uma posição política de que os principais meios de comunicação no Brasil, os grandes grupos econômicos, exercem uma atividade empresarial que têm interesses e lado.

E no exercício dessa atividade empresarial, em que têm interesses e lado, eles não têm neutralidade nem imparcialidade.

Vou citar, Deputado Marcio Junqueira, um exemplo com o qual, nesta semana, nos defrontamos. Sábado, lendo o jornal O Estado de S.Paulo, vimos uma notícia pequena: Brasileiro ganha prêmio Personalidade do Ano na Espanha. Fui ler aquela matéria, e o brasileiro era o Presidente da República — não podiam botar "Lula" na chamada. O jornal espanhol El País, que V.Exa. conhece, um dos 50 maiores jornais do mundo, publicou ontem um suplemento especial, que eu vi, sobre a história e o governo do Lula.

Ou seja, estão exagerando na dose, e isso cai no ridículo. Isso foi o jornal que divulgou; e os que não divulgaram? Há torcida, há mistura da reportagem e da notícia com um espírito de campanha, há pregação como se fosse uma maneira de estimular a Oposição. Eu não falo nem dos articulistas, que assinam as matérias, porque eles estão no papel deles. Quem quiser ser assessor da Oposição — é um direito, tudo bem — escreve lá, assina e dá regras de como a Oposição deve-se comportar. Eu não estou me referindo a esses articulistas. Estou-me referindo à maneira como as notícias não são veiculadas e como as notícias não são devidamente informativas para o cidadão e para a população.

Esse debate que hoje se vai abrir com a I Conferência de Comunicação é importante, porque isso devia envolver grandes veículos, grandes cadeias de televisão, grandes redes, como também as iniciativas pequenas e médias, alternativas, que estão pipocando neste País, fruto desse avanço democrático em relação ao acesso à veiculação da comunicação.

Esse processo de discutir a comunicação como esfera de uma atividade humana econômica, portadora de interesses, é fundamental, até porque nós tivemos uma época em que o predomínio da hegemonia neoliberal, dos valores neoliberais, dos conceitos neoliberais acabou impregnando, em grande parte, a maneira como a mídia reproduziu essa era e essa época.

Imagine, Deputado Marcio Junqueira, se uma liderança do Brasil qualificasse qualquer veículo de informação como o Obama qualificou a Fox: Não dou entrevista porque vocês são um partido político. Isso viraria um escândalo: É contra a liberdade de imprensa!

A liberdade de imprensa é um valor. A liberdade de informação é uma cláusula pétrea. A informação é um bem da cidadania. Portanto, nós temos que desmistificar essa sacrossanta casamata que envolve os interesses privados nas grandes redes privadas de comunicação, seja jornais, seja rádios, seja televisão, como se fosse algo intocável. E qualquer mexida, são autoritários e antidemocráticos. Não é assim. Democracia é o acesso à informação. Democracia é informação como bem público. Democracia é a democratização da informação para construir cidadania, para ter informação. Agora, postura política, postura ideológica, postura defensora de interesse não pode se misturar com esse bem público essencial que é o bem público da informação.

Nesse texto, que eu considero uma referência para discutir o papel da mídia nos tempos atuais, é o próprio Otaviano que volta a discutir o que significa esse príncipe eletrônico, que não tem uma sigla, não tem um número, como os nossos partidos têm. Não tem uma sigla, não tem um número, não tem uma direção nacional, nem tem uma executiva, mas ele tem algo que é difuso e confuso da sociedade. Ele diz aqui: O que singulariza a grande corporação da mídia é que ela realiza limpidamente a metamorfose da mercadoria em ideologia, do mercado em democracia, do consumismo em cidadania. Realiza limpidamente as principais implicações da indústria cultural, combinando a produção e a reprodução cultural com a produção e a reprodução do capital, operando, decisivamente, na formação de mentes e corações, em escala global.

É claro que eu abordei aqui que os grandes veículos de comunicação são portadores de interesses econômicos, não apenas no sentido da publicidade que divulgam, mas também de quem controla, de quem tem ações, de quem administra, mas também no sentido dessa visão interplanetária em que se colocam os meios de comunicação, como hoje se dá com redes, com grandes conglomerados.

Imagine, Deputado Marcio Junqueira, o que significa a transmissão de um campeonato brasileiro, a transmissão de uma Copa do Mundo, as Olimpíadas, o volume que representa os recursos para essas grandes cadeias e esses grandes interesses.

Eu quero fazer esse debate exatamente partindo da ideia que a radicalização da democracia parte da ideia de que a informação é um bem público. A partir do bem público, a toda informação é fundamental que o cidadão tenha acesso.

Ninguém pode se apropriar dela, nem o Estado para proibir, nem o Judiciário para censurar, nem o interesse privado para dizer como ela deve ser divulgada. A informação é um bem público, assim como não se pode limitar a água, o ar e a luz, senão o ser humano não existe. Não se pode negar. Esse é o princípio. A partir dele vamos discutir, por exemplo, a relação da mídia com a política.

A informação é o debate plural, polêmico, não é direcionada como se fosse o partido da ordem, do bem. Como citei no discurso, são os portadores, os pastores de um novo bem que pregam o julgamento e se enrolam em torno do imaginário para que esse imaginário crie o círculo sacrossanto de algo inexpugnável.

Esse processo tem que ser discutido na política, que é uma obra humana, essencial para o exercício da cidadania, porque é portadora de utopias, de sonhos, de propostas e de alternativas. Quando alguém tenta substituir a política pela via da judicialização, da criminalização e do espetáculo, está-se quebrando o princípio fundante da democracia, isto é, todo poder emana do povo, só pode ser exercido diretamente ou pela representação.

Essa relação da mídia com a política é maniqueísta. Quem diz isso é o próprio ombudsman da Folha de S.Paulo, num seminário na Câmara Municipal de São Paulo, quando diz que os jornais, as revistas, os departamentos de jornalismo de rádio e televisão deveriam fazer uma cobertura dos trabalhos do Legislativo compatível com a importância do Poder. Ele diz: Infelizmente, o que interessa é o escândalo e a fofoca, e não é por culpa do Parlamento, porque se acessar o site vamos ter todas as informações. Ele vai fazendo o depoimento e diz: É como se fosse cobrir um jogo de futebol e só dar o resultado final, não diz os preparativos, ou então o show do Roberto Carlos e não se diz a expectativa de público nem o preço dos ingressos, só que o show ou foi muito bonito ou foi uma tragédia.

Ouço com prazer o nobre Deputado Mauro Benevides.

Deputado Mauro Benevides - Nobre Deputado José Genoíno, realmente V.Exa., quando aponta a informação como algo que consolida o sentimento de cidadania, permito-me lembrar V.Exa. que nesta Casa, neste mesmo plenário, a Mesa presidida por Ulysses Guimarães, V.Exa. e eu, Constituintes que éramos, assistimos exatamente à consolidação do sentimento de cidadania.

Daí, Ulysses ter informado àquele primeiro exemplar e anunciado que a carta era a Carta Cidadã. Quando V.Exa. aponta a informação como algo que cristaliza e fundamenta a cidadania, evidentemente insiro-me nesse contexto que V.Exa. se posiciona neste instante, exaltando a informação como fonte decisiva para a construção do sentimento de cidadania. É o que desejo levar a V.Exa., no momento em que seu pronunciamento proferido no Grande Expediente haverá de ter, como os anteriores, repercussão até com esse retorno histórico a um grande acontecimento, que, ao completar 21 anos, representou marco decisivo na reconstrução da democracia brasileira.

Deputado José Genoino - Obrigado, Deputado Mauro Benevides. V.Exa., Constituinte como eu, sabemos da importância que foi a aprovação do art. 5º, inciso XXXIII, dos arts. 216 e 37.

Por falar nesses artigos, estamos votando esta semana na Comissão Especial um substitutivo que trata da Lei Geral de Acesso à Informação, que é a garantia de acesso irrestrito à informação, com base e previsão nos arts. 5º, 37 e 216, que é um avanço em relação à possibilidade de o cidadão, de as pessoas interessadas, de as pessoas individualmente terem acesso a qualquer informação.

O conceito de que informação sobre direitos humanos não deve ter sigilo, caráter confidencial, nem secreto, e mesmo no caso dos prazos de ultra secreto tem-se uma renovação com justificativa. São esses avanços democráticos que me colocam na postura de ser um militante otimista desta construção democrática que estamos vivendo. Se há um tema que merece reflexão na construção democrática é o do acesso à informação, é o do acesso da população a esse bem público que não pode ficar prisioneiro de um maniqueísmo entre o privado e o estatal, o estatal e o privado. Nem somos contra as formas de controle estatal da comunicação e do acesso à comunicação, assim como somos contra a privatização do controle do acesso à informação e a divulgação — tipo de manchete, de artigos, de enfoque — se a partir de uma posição a priori, ou com viés ideológico, ou com viés antipartido, ou com viés antiLula, ou com viés de algumas personalidades do PT.

Eu mesmo fui vítima disso, Deputado Marcio Junqueira. Conheci os dois lados da poesia e do sangue. A poesia, às vezes, é encantadora. A manchete alimenta o seu ego e você acha que, com isso, irá fazer carreira política. Mas não há nenhuma consistência e, no dia seguinte, aquilo virá pó. O pó é dissolvido no sangue, no ferro quente da maldade, do pré-julgamento e da condenação.

Esse é um processo que estamos vivendo e sobre o qual temos de refletir. Todo escândalo é um drama, que tem de ter personagens, cores e punição. O drama não se completa. A dramatização do escândalo, que não separa o joio do trigo, não diz quem é quem, todo mundo é culpado, até que se prove o contrário, buscam-se formas às avessas de se revolver o problema do revigoramento da política.

Acho que é muito importante a discussão da comunicação. Temos de fazer essa discussão sem maniqueísmo, sem medo e sem preconceito. É por isso que elogio, mais uma vez, a realização da Primeira Conferência de Comunicação. Será realizado um debate com 5 mil pessoas, do Brasil inteiro, com conferências estaduais e municipais, qualquer tipo de idéia irá aparecer lá. É o Brasil mostrando-se, é o Brasil se apresentando. Isso é bom. Isso é democrático. Por isso, acho que a atitude dos sindicatos das entidades patronais de não participarem dessa conferência, e certamente não lhe darão grande divulgação, é uma demonstração de autoritarismo e de arrogância.

A mesma coisa acontece quando se discute imunidade tributária para certos setores, geralmente as coberturas são meio escandalosas. Mas as pessoas se esquecem que existe imunidade constitucional e tributária para alguns componentes do meio de comunicação, no caso do papel. Todo mundo sabe disso. Mas é uma espécie de sacrossanto interesse, que se mistura com a liberdade de imprensa, que é um princípio fundamental. O Deputado Mauro Benevides sabe o quanto negociamos para aprovar aquela emenda que acabou com qualquer tipo de censura prévia e de constrangimento.

Os proprietários dos meios de comunicação não podem ser os únicos arautos dos defensores desses bens maiores, que são a liberdade a informação e a liberdade de acesso, como se fossem maniqueístas.

Eles são os portadores desse bem. O resto é o resto. Não aceitamos isso. Temos biografia para discutir essa questão. Na época da ditadura militar, grande parte dos meios de comunicação eram seus aliados.

Por isso, eu acho importante que esse debate seja feito de maneira democrática. Esta Casa tem de fazer o debate daquilo que é alternativa, para discutir a democratização da informação, do acesso, da transmissão, da comunicação. Esse é o processo que faz com que a democracia avance e se fortaleça.

Por isso volto ao tema ao qual me referi no início. É urgente revigorar a atividade política. A crise na política tem de ser resolvida pela política e a crise da democracia, com o aprofundamento da democracia.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

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