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Câmara dos Deputados

Genoino fala sobre a política de defesa nacional

Sr. Presidente, agradeço a V.Exa., aos nobres colegas Deputados e Deputadas. Falarei hoje sobre um tema que normalmente não compõe a agenda do debate político do Congresso Nacional, mas é importante fazê-lo. Mesmo com o plenário vazio, mas com audiência dos gabinetes e principalmente da opinião pública, falaremos de uma questão que não consta das prioridades que o País tem de discutir.

Refiro-me à necessidade de definição e atualização de uma política de defesa para o Brasil e, dentro dela, o papel das Forças Armadas enquanto instituição permanente, cuja função é a defesa, a projeção do País e a integração nacional.

A propósito, a visita do Presidente Lula ao projeto dirigido pela Marinha do Brasil em Aramar, no interior de São Paulo, simboliza a atenção e a prioridade do Governo para um projeto estratégico na área da pesquisa, da tecnologia e da construção de uma autonomia tecnológica e científica, elemento fundamental para a capacidade de as Forças Armadas projetarem uma política de defesa.

O País está trabalhando, neste período da democratização, e resolvendo processualmente vários objetivos estratégicos da nossa agenda. Podemos citar a democratização, que tem como marco a Assembléia Nacional Constituinte; o período pós-Constituinte, cujo marco foi a luta contra a inflação em busca da estabilidade; o processo de consolidação da disputa político-democrática, principalmente pela via eleitoral; relativa participação da sociedade nos assuntos públicos de Estado; prioridade da agenda nacional para o crescimento econômico, combinando estabilidade, crescimento econômico e inclusão social e sustentabilidade ambiental, tripé fundamental neste projeto de crescimento; programas de renda e inclusão social; política externa, autônoma e soberana, que o Presidente Lula tem conduzido numa relação multilateral, democrática, com base no valor da paz e das relações de respeito à soberania e à autodeterminação dos povos; e vários programas setoriais, que avançam no sentido de modernizar e mudar o País.

Refiro-me ao programa de instrumento da educação, a alguns programas estratégicos da área da saúde, à recuperação e ao resgate do papel do Estado como indutor e articulador do desenvolvimento econômico — essa é uma marca importante das medidas do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

Provavelmente, vamos iniciar o debate sobre o Programa de Segurança e Cidadania, uma questão-chave, uma agenda nacional e uma questão de Estado, dada a gravidade do problema de segurança. Eu quero discutir em sintonia com a política de Governo do Presidente Lula a questão da Defesa nacional como elemento estratégico para um projeto de nação.

A política de defesa tem de ser atualizada e redefinida. Pois nos últimos 40 anos - principalmente de 84 para cá, com a redemocratização - os referenciais, os objetivos estratégicos e o papel do Brasil no mundo, na América do Sul alterou-se consideravelmente.

Daí a necessidade de construirmos novos referenciais, situando a posição do Brasil no mundo globalizado, em que o País precisa projetar sua forma, seu prestígio, negociar seus interesses e ter maior participação nas missões de paz. Por isso, considero vitoriosa e bem-sucedida a participação do Brasil na missão de paz do Haiti.

Entendo importante o papel do Brasil na estabilidade sul-americana, levando em conta nossa força regional, a extensão de nossa fronteira e o respeito em nossas relações com os demais países. Diferentemente de outros países, o Brasil não tem contencioso nem conflitos com outras nações, daí ser ele fonte de estabilização da América do Sul, papel de grande importância.

No que diz respeito à integração nacional e à defesa de nossas fronteiras terrestres, marítimas e aéreas, grande é nossa capacidade interna. Somos capazes de resolver um problema-chave dentro de uma concepção moderna de defesa, que é o papel dissuasório. Não se trata de fazer a guerra, de agredir ou de estender nossas fronteiras, mas de uma forma dissuasória por meio da qual o País executa uma política de defesa no sentido preventivo, e os outros, na relação de poder, sabem que nós podemos projetar esse poder nessa capacidade dissuasória.

É claro, Sr. Presidente, que há um importante elemento dentro dessa articulação da política de defesa, que é o papel das Forças Armadas na atividade subsidiária, principalmente na segurança pública. Não se trata de colocar as Forças Armadas, como às vezes o senso comum induz, na linha de frente da política de segurança pública, o que significaria desvirtuar seu papel e sucateá-las, sem, contudo, resolver o problema da segurança pública. Trata-se de atividade subsidiária e logística, principalmente na área da inteligência e da informação, que encara a segurança pública, principalmente nos grandes centros urbanos e em algumas áreas do interior do Brasil, como questão de segurança nacional.

Nesse sentido, Sr. Presidente, o preparo, a modernização tecnológica e a valorização profissional das Forças Armadas são elementos fundamentais e imprescindíveis. A capacidade de mobilização e de pronto emprego do Exército, de combinar mobilidade e pronto emprego, principalmente considerando o cenário da Amazônia com uma força terrestre historicamente tradicional, é importante e deve estar articulado com uma política moderna de pronto emprego, com tropas de alta mobilidade.

A capacidade de mobilização militar não se mede por seu tamanho físico, mas por sua inteligência, tecnologia, mobilidade e adaptação a determinados cenários. Por isso considero importante, em uma área também estratégica para a política de defesa, esse projeto da Marinha do Brasil a que me referi, do desenvolvimento da pesquisa nuclear. Tal iniciativa concede acesso a uma capacidade de autonomia tecnológica, fundamental para uma política de defesa.

Considerando a jurisdição territorial marítima de nossas fronteiras e a responsabilidade com nosso mar territorial, a capacidade da Marinha de defender nossas águas, combinada com a mobilização no mar e na terra, é fundamental para as experiências que se vêm desenvolvendo.

Esse debate que estamos realizando na Câmara dos Deputados, sobre controle, fiscalização e vigilância do espaço aéreo, está mal enfocado. Não se trata de desmilitarizar o controle e a vigilância do espaço aéreo. O espaço aéreo poderia ser comparado a um coração, em que a autoridade, o monitoramento, a vigilância e o acompanhamento deve ser realizado pela autoridade militar aeronáutica. Não se trata de fazer uma contraposição falsa entre a aviação civil e o controle militar do espaço aéreo, uma função constitucional intransferível da Aeronáutica. O que é necessário? Que a autoridade de gerenciamento da aviação civil esteja articulada com uma experiência bem sucedida no Brasil, que é o controle do espaço, realizado por um único sistema.

O sistema único é fundamental por sua agilidade e capacidade. Nesse sentido, a Força Aérea Brasileira de mais investimentos em equipamentos para exercer bem esse controle. Falou-se aqui sobre a lei do abate. Ela só será viável se houver controle e vigilância de alto nível do espaço aéreo, capacidade de suporte logístico e mobilização terrestre. Uma política de defesa exige necessariamente hoje a combinação entre as 3 Forças, que têm história, tradição e características de uma política de integração por meio do Ministério da Defesa.

Ainda não constituímos um Ministério da Defesa de verdade. A experiência do Ministério da Defesa não está resolvida, não está construída. A integração das 3 Forças, comandada por uma única autoridade é uma questão um pouco formal e burocrática. O Ministério da Defesa atuando, por exemplo, na Amazônia, poderia construir comandos combinados, potencializando a principal força de defesa da Amazônia, o Exército, com a Marinha e a Aeronáutica.

É necessário viabilizar o orçamento para o reequipamento das Forças Armadas e sua política de pessoal, para realizar essa articulação dos projetos estratégicos. Não se trata de um projeto da Marinha, do Exército e da Aeronáutica separadamente, mas de projetos de defesa que, num determinado momento, pode ser prioritário de uma determinada Força. Esse objetivo a que já me referi combina presença de poder, papel dissuasório, força e prestígio no cenário internacional.

Quando se fala em defesa, muitos imaginam que se trata de uma guerra ou de uso de armas. Mas isso não ocorre atualmente. Defesa é muito mais a capacidade de se projetar poder. Quando se fala em projetar poder, não é apenas uma demonstração de faz de conta, ele tem que existir no real. No real é acesso a instrumentos e meios que possam projetar essa política de defesa. Um exemplo disso, é o porta-aviões São Paulo associado a essa estratégia dissuasória.

Sr. Presidente, entendo, nas minhas contribuições sobre a Defesa do País, que essa integração é um elemento fundamental que deve ser discutido no Congresso Nacional. Temos um papel regional enquanto força estabilizadora que não pode ser transferido, nem omitido.

É necessário, no preparo, na eficácia e na economia de recursos, uma verdadeira integração das Forças, com um plano estratégico, tático e logístico e de inteligência. O sucesso da lógica da integração entre as 3 Forças, que considero ser o papel do Ministério da Defesa, exige a superação de uma cultura de autonomia, muitas vezes até corporativa, em prol de uma combinação de prestígio e de valorização de cada uma das 3 Forças, com sua história, peculiaridade e tradição. Trata-se de uma política que avance para a integração como concepção, como interesses que se unem na missão constitucional de defesa do País.

Essa integração é maior quanto maior for o avanço tecnológico. Esse é um problema, pois o avanço tecnológico depende de uma integração cada vez maior. A transferência de desenvolvimento da experiência de uma das 3 Forças exige pura eficácia e a consciência desse processo de integração entre elas para um determinado objetivo.

A eficiência, o preparo, a integração exigem um alto custo. O País não pode ficar se omitindo quanto ao custo da preparação tecnológica e intelectual. Porque se os integrantes das Forças Armadas — refiro-me particularmente aos oficiais e técnicos — não tiverem auto-estima, haverá um processo de sucateamento, uma vez que eles irão para a iniciativa privada ou para outros países.

Por isso são necessários a profissionalização e o preparo tecnológico. A valorização profissional exige investimento. E é importante que a Casa discuta seriamente esse assunto. A defesa de um país é como um seguro: é importante ter e não precisar usar.

Por este motivo, o debate sobre a política de defesa tem de alcançar, seja na discussão do orçamento, seja nos projetos prioritários ou na relação com as instituições militares, uma dimensão estratégica.

Quero retomar minha indicação inicial. Um projeto de nação, nas condições da nossa história e de nossa formação, exige situar as Forças Armadas como elemento importante e estratégico em todas as áreas.

Sr. Presidente, não vivemos mais sob o referencial da Guerra Fria, da bipolaridade entre a União Soviética e os Estados Unidos, que ocorreu durante as décadas de 60 e 70. Não vivemos sob o conceito de inimigo interno nem sob a possibilidade de guerra interna. Temos de trabalhar com outros referenciais para uma política de defesa estratégica. Ela deve se relacionar com todos os aspectos de um projeto de desenvolvimento da Nação, tanto no plano econômico, como no social, no tecnológico e no de segurança pública. A defesa tem de desenvolver uma dimensão de especialização, por meio de um debate no Congresso Nacional.

Na academia ou no Congresso Nacional, ainda é pequena a cultura de se discutir temas relacionados à Defesa. Esses temas não dão voto, não elegem ninguém, não dão carreira para a, b ou c. Mas são temas de Estado, por isso, são necessários.

Quero frisar que — seja no papel dissuasório, seja na segurança e soberania nacional, seja na tarefa das finalidades específicas e constitucionais, seja na questão da estabilidade política e regional, seja em relação à nossa presença no Atlântico Sul ou na segurança interna — , a segurança pública exige uma discussão nova e moderna sobre a política de defesa. Desse modo, a relação com as Forças Armadas tem de passar pela ótica do futuro e não do passado.

Temos que olhar o pára-brisa e não ficar olhando o retrovisor para discutir, na história do papel dos militares na política brasileira, essa nova dimensão de projeto e e país e de projeto e nação.

Quando se trata de defesa, de preparo e emprego das Forças Armadas, eis aí o diferencial do mundo de hoje. Não é mais pela relação número de militares e número de habitantes, não é mais pelo número de integrantes, fisicamente, de cada uma das nossas Forças, mas é pela capacidade de autonomia na área do conhecimento e da tecnologia. Hoje, é o conhecimento que faz, na competição e na disputa entre as nações, o poder de influência, o poder de evitar o conflito, o poder de enfrentar o conflito, caso este se realize, que se dê com um custo humano mínimo possível.

E nessa discussão, num país de dimensão continental como o nosso, com tantos desafios regionais, temos que combinar essa política de defesa, nos termos a que estou me referindo aqui, com crescimento, com programas sociais, com integração regional, com programas da área da educação, com programas para juventude e para a segurança pública.

Mas é necessário uma especificidade nos temas relacionados à defesa, principalmente com o emprego, com o preparo e com a projeção das Forças Armadas como instituições fundamentais nesse projeto nacional de desenvolvimento do País. É uma área específica.

A defesa é hoje um elemento constitutivo da capacidade de o país negociar — e nós temos tradição de negociação — , de o país se relacionar pacificamente — o que também é nossa tradição — , de o país estabelecer relações de prestígio com as nações desenvolvidas e com os países com quem temos maior parceria e, ao mesmo tempo, dar a nossa contribuição, seja pela diplomacia brasileira, seja pela política de defesa, a projetar estrategicamente um poder do ponto de vista especificamente militar.

Nesse sentido, a valorização profissional, a capacitação tecnológica, o acesso ao conhecimento são da maior importância para uma política de defesa que mereça esse nome.

Por isso, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, como Deputado, quero não só participar desse debate com o Governo como também no Congresso Nacional e atualizar, desenvolver, detalhar as premissas, ou as preliminares, ou a carta de intenções que foram as definições genéricas do primeiro mandato do Governo Fernando Henrique Cardoso sobre política e defesa. Aliás, há um livrinho sobre isso. Temos que avançar, desenvolver.

E essa discussão tem que ser do País, do Congresso Nacional, da sociedade. Não podemos tratar, na Agenda Forças Armadas, apenas pela ótica do passado ou pela ótica de notícias e manchetes.

Agradeço aos meus colegas a atenção. Insisto na idéia de que para viabilizar essa política precisamos ter um Ministério da Defesa com autoridade, capacidade de integração e de estratégica, no sentido do planejamento e do preparo, e com a integração das 3 Forças, respeitando a autonomia de cada uma. É preciso, também, discutir os projetos estratégicos de reequipamento da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

Muito obrigado, Sr. Presidente. Muito obrigado, nobres colegas.

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