Parlamento - Pronunciamentos

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

Genoino comenta o artigo do Prof. Octavio Ianni

O SR. PRESIDENTE (Dr. Ubiali) - Concedo a palavra ao Exmo. Sr. Deputado José Genoíno, do PT, de São Paulo, por 25 minutos.

O SR. JOSÉ GENOÍNO (PT-SP. sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, neste final de dia, quarta-feira, uso a tribuna, no Grande Expediente da Câmara dos Deputados, para continuar uma reflexão iniciada nos meus últimos meses de militância e de experiência política sobre a relação da política com a mídia. Essa reflexão consta em 2 depoimentos na forma de livros: Entre o Sonho e o Poder e Escolhas Políticas, de José Genoíno.

Sr. Presidente, minha reflexão prossegue agora tendo como base um texto, o qual chamo de profético, O Príncipe Eletrônico, do Profº Octavio Ianni. Ele foi escrito em 1988, publicado pelo Instituto de Filosofia da Universidade de Campinas, e prevê o dilema do final do século XX e início do século XXI: o papel da mídia e a política. Procura analisar essa relação partindo do clássico O Príncipe de Maquiavel, introdutor da idéia do condutor, do grande líder, que buscava resolver a contradição entre virtude e fortuna. Onde a virtude estava relacionada diretamente com as transformações econômicas, sociais e políticas e a fortuna com a correlação de forças.

Octavio Ianni evolui para a discussão que Gramsci estabelece com O Príncipe, de Maquiavel, agora tendo o partido político como o condutor, relacionando a disputa da hegemonia política com os conceitos de soberania e hegemonia. Isso marcou todo o século XX com os grandes partidos da esquerda, do centro, da social democracia, partidos que disputaram o poder no período entre as duas guerras e após a Segunda Guerra Mundial, o período da guerra fria.

Por fim, o professor Ianni leva em conta o período da experiência da esquerda revolucionária, seja pela via da guerrilha urbana, seja pela via da guerrilha rural. Chegando, enfim, ao dilema que considero fundamental neste início do XXI, e que, nesse brilhante texto, ele denomina de o Príncipe Eletrônico.

Ele fala de um complexo e difícil palco da política, como teoria e prática, e que a crise da política, no sentido das instituições e dos partidos políticos, é substituída por um novo sujeito político identificado com a idéia do príncipe eletrônico: esse predomínio dos meios de comunicação que desafiam os poderes legislativos, executivos e judiciários, assim como desafiam também os partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais e correntes de opinião. O príncipe eletrônico é um novo sujeito que articula a disputa de hegemonia e de valores. Isto é, na era da globalização, o sistema midiático faz um brutal confronto entre mercado e Estado, entre setor privado e serviços públicos, entre indivíduo e sociedade, em que a ideologia do mercado, da privatização, da coisificação dos indivíduos, passa a permear o sistema midiático que não tem um comitê central, não tem um politiburo, nem tem uma direção nacional, mas tem um pensamento único.

O príncipe eletrônico é uma entidade nebulosa e ativa, presente e invisível, predominante e ubíqua, permeando continuamente todos os níveis da sociedade, em âmbito local, nacional, regional e mundial. Registra e interpreta, seleciona e enfatiza, esquece e sataniza o que poderia ser realidade e o imaginário. Muitas vezes, transforma a realidade, seja em algo encantado seja em algo escatológico, em geral virtualizando a realidade, em tal escala que o real aparece como forma espúria do virtual.

Para Octavio Ianni, os meios mediáticos se transformam em sujeito no próprio processo de discussão dos fatos que engendram o que ele chama de espetáculo dentro do espetáculo.

Sr. Presidente, em outro artigo, publicado pelo Observatório da Imprensa, o Diretor do Le Monde Diplomatique, Sr. Ignacio Ramonet, diz que os meios de comunicação, ao lado da disputa por hegemonia, constituem-se em grandes conglomerados econômicos de interesses privados. E aí se casa a disputa de valores e de programa político com grandes interesses corporativos que tendem, na globalização, a concentração e o processo de monopolização.

Eu faço esse exame preliminar, sem juízo de mérito — eu já me pronunciei sobre minhas responsabilidades políticas; meus erros políticos são diferentes de crimes — , para dizer que esse momento que vivemos de criminalização do PT, de criminalização de algumas pessoas e do Governo que eu defendo, a mídia, isto é o Príncipe Eletrônico, busca exatamente intensificar a rede de disputa por hegemonia nesse processo. Foi assim em 2005, em 2006, no acidente da TAM e assim ocorre na crise das instituições que vivenciamos. Chega-se ao ponto de criminalizar e justicializar a política, tendo em vista que é o príncipe eletrônico é quem deve dizer às pessoas o que elas devem fazer. Viramos consumidores de um sistema mediático sofisticado e ultramoderno.

Pois não, Deputado Fernando Ferro.

O Sr. Fernando Ferro - Deputado José Genoíno, V.Exa. propõe uma discussão de extrema importância política para a sociedade. É conhecido, e temos mencionado nos debates que fazemos, o processo de financeirização do capitalismo. É também visível o processo de processo de financeirização da mídia. Estamos assistindo a um processo de transformação dos meios de comunicação, que são desafiadores, e que trazem em si, ao mesmo tempo, como toda crise, tremendos riscos e grandes oportunidades. Quero crer, Deputado José Genoíno, que estamos diante de uma discussão não apenas local, mas mundial. Grandes corporações financeiras gradativamente passam a tomar conta da mídia e a promover essa transformação que V.Exa. menciona em seu pronunciamento, interferindo política e ideologicamente com um discurso de neutralidade. Como se vê em grandes editoriais, alguns articulistas dizem que são neutros, que não são políticos. É impressionante. É o cinismo na política levado às últimas conseqüências. Portanto, acho que V.Exa. propõe uma discussão muito importante. E estamos diante de oportunidades. Com as novas mídias digitais, também temos condições de criar contrapontos e fazer um grande debate nessa área. Veja-se o papel que cumpriu a Internet nas eleições de 2006, que V.Exa. citou; um papel inovador no debate político. Ali vimos um confronto: crítica e defesa das nossas posições, do nosso projeto político. Foi, de certa maneira, um grande debate político feito à margem da chamada mídia tradicional.

Portanto, estão em gestação espaços de mídia não convencionais, que, como V.Exa. muito bem afirma, estão embutidos na crise da mídia, nos grandes riscos que se corre com o príncipe eletrônico e, ao mesmo tempo, nas oportunidades que podem surgir com essas novas tecnologias. Elas podem perfeitamente abrir espaço para alternativas de comunicação, em vez de soterrá-las com um hegemonismo de opinião. No Brasil, lê-se um jornal e praticamente não é preciso ler mais nenhum outro. Hoje temos uma imprensa única. Criou-se o estatuto da imprensa única, o partido único da imprensa que, lamentavelmente, não ajuda a democracia.

O SR. JOSÉ GENOÍNO - Deputado Fernando Ferro, incorporo o aparte de V.Exa. ao meu pronunciamento. E, veja bem, V.Exa. tem sido um militante na reflexão e no combate a essa questão.

Se tanto eu, quanto o meu partido tivesse refletido sobre o texto de Octavio Ianni, não teríamos ilusão quanto à relação com a mídia, antes da vitória do Lula, e teríamos atuado de maneira diferente no seu primeiro mandato.

Octavio Ianni foi profético:

A comunicação, informação e propaganda podem transformar, da noite para o dia, um ilustre desconhecido em uma figura pública notável, literalmente ilustre, com perfil, programa, compromisso, senso de responsabilidade pública, conhecimento dos problemas básicos da sociedade e até mesmo com linguagem própria, diferente de outras, original.

Ao mesmo tempo, vê-se a satanização e a demonização de projetos políticos, de movimentos organizados e de lideranças políticas. Foi a isso que assistimos em relação ao meu partido, o PT, e em relação à figura do próprio Presidente Lula.

A figura do Presidente Lula é satanizada porque simboliza a alternativa, com valores, com histórico e significado.

A satanização do PT ocorre porque, durante a sua história de 27 anos, o partido inovou, de baixo para cima, na maneira de fazer política. Busca-se transformar erros em crimes, busca-se misturar erros individuais com erros de projeto e busca-se fazer desse processo de deslegitimação da proposta de um partido político. Como diz Octavio Ianni, é o príncipe eletrônico substituindo o papel dos partidos e das instituições.

O que acontece quando, por debilidade das instituições, não se faz uma reforma política, e o Poder Judiciário faz a reforma política? O que acontece quando, por debilidade das instituições, certas figuras do Estado viram personalidades políticas no ato de criminalizar a política? O que acontece quando certas figuras do movimento social, produzidas nesse projeto relâmpago do príncipe eletrônico, viram demônios e salvadores da noite para o dia?

Isso acontece nas artes, na cultura, no futebol e na política.

Nessa reflexão, Octavio Ianni foi profético. Lamento que meu partido e eu não a tenhamos analisado, até porque vivi o drama de ser querido pela mídia e virar manchete quando não estava comprometido com o projeto. Mas a partir do momento em que minha figura estava associada a um projeto, fui demonizado e deslegitimado.

Ouço o nobre Deputado Nilson Mourão.

O Sr. Nilson Mourão - Ilustre Deputado José Genoíno, muito obrigado por me conceder o aparte. Serei breve. Quero dizer que V.Exa. está fazendo um discurso profundo e oportuno. Tive a honra de ser aluno do grande mestre de Sociologia Octavio Ianni. De fato, Deputado, a mídia do Brasil deixou de ser informação, educação à cidadania. Transformou-se há muito num partido político, com ideário claro e definido. É um partido que luta satanizando alguns e glorificando outros. V.Exa. foi vítima desse processo. V.Exa. é um militante que causa orgulho ao povo brasileiro e ao Partido dos Trabalhadores. V.Exa. foi vítima desse processo, mas a história vai dar provar em grande parte tudo aquilo que V.Exa. tem defendido.

O SR. JOSÉ GENOÍNO - Agradeço a V.Exa. e acrescento uma reflexão.

A teoria política da democracia moderna foi elaborada segunda a concepção de Montesquieu de separação dos Poderes. Ele defendia a necessidade de um contrapoder, seja na relação da sociedade com os partidos, seja na relação dos movimentos sociais com o Estado ou entre os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. O artigo do Le Monde Diplomatique chama a atenção para o fato de que a mídia é, atualmente, o único poder sem um contrapoder.

O Judiciário tem um contrapoder, o Executivo tem um contrapoder, o Legislativo tem um contrapoder; a democracia participativa é o contrapoder em relação aos agentes do Estado; nós somos o contrapoder na relação com o Executivo, e vice-versa; e a eleição é uma maneira concreta de exercer o contrapoder. A mídia é, atualmente, o único poder sem contrapoder.

Meus colegas, quero acrescentar uma reflexão interessante sobre esse tema tão relevante.

Como os grandes meios de comunicação concentram interesses econômicos, quando se discute um determinado meio de comunicação, tais interesses são confundidos como um ataque à liberdade de imprensa. Portanto, mistura-se liberdade, princípio sagrado da democracia e da esquerda, com liberdade nos negócios, interesses econômicos, que fazem desses conglomerados um privilegiadíssimo sistema, sem contrapoder, na disputa de corações e mentes das massas.

Essa situação ocorre em todo o mundo. Vejam a experiência americana. A guerra no Iraque foi legitimada por uma cobertura midiática que justificava a intervenção, e as tropas lá. Depois, essa mesma mídia passa a atacar a guerra no Iraque. Sem levar em conta que foi ela mesma quem levantou a bola para a necessidade dessa guerra e da guerra do Afeganistão.

É sobre este sistema, sofisticado e complexo, que temos que nos debruçar e refletir, porque envolve problemas políticos e filosóficos gravíssimos,

Ouço o aparte do Deputado Chico Lopes.

O Sr. Chico Lopes - Deputado José Genoíno, a discussão desse assunto apresentado por V.Exa. é tabu no Parlamento. Quero parabenizá-lo pela coragem. Sou daqueles que acreditam que há uma subalternidade da sociedade e da classe política em relação à imprensa. Ela tem todo o poderio citado, mas conta com a anuência do poder político, dos partidos políticos, dos movimentos populares. Se analisarmos a situação com profundidade, muito dessa imprensa vive da tutela do Estado, desde propaganda até empréstimos. Esta Casa teve a oportunidade — eu não era Deputado Federal, nem V.Exa. — de regulamentar o Conselho de Jornalismo e sem mais nem menos houve um recuo da classe política. E eles vão avançando. Em política, quando um recua, o outro avança. O discurso de V.Exa. faz uma análise profunda, mas quis fazer essa observação, porque damos um valor espiritual muito forte diante do pecador. Ou peço perdão para me redimir... Acho que essa discussão tem que ser aberta e no Parlamento, e não fora dele. A Ordem dos Advogados pode participar, além de outras instituições. Mas temos de iniciar essa discussão sem a pretensão de resolver o problema de imediato.

O SR. JOSÉ GENOÍNO - Sr. Presidente, solicito sejam registrados nos Anais da Câmara esses dois textos sobre os quais considero importante fazermos uma reflexão e que fundamentam este pronunciamento

Diz um deles:

Os grandes meios de comunicação privilegiam seus interesses particulares em detrimento do interesse geral e confundem a sua própria liberdade com a liberdade de empresa, considerada a principal de todas as liberdades.

Portanto, mistura-se liberdade de empresa, de negócio, com a liberdade no sentido do ideal da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade. Liberdade no sentido da autonomia individual e coletiva para o projeto de transformação.

Essa é a reflexão teórico-filosófica de um grande professor, de um grande intelectual. Fiz questão de trazer esse artigo - O príncipe eletrônico - para debate na Câmara dos Deputados, porque ele muito me mobilizou. Aprendo muito com as reflexões do professor Octavio Ianni.

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)

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