Parlamento - Projetos de Lei

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CASA PRÓPRIA

PL 2208/2007 - Sobre a quitação do saldo devedor

O SR. JOSÉ GENOÍNO (PT-SP. Sem revisão do orador.) Sr. Presidente, o meu pronunciamento é para registrar que estou entrando com projeto de lei que favorece a quitação do saldo devedor da casa própria. Trata-se de um projeto que busca alterar a Lei nº 9.514, de 1997, que modifica o art. 2º desta lei, que trata exatamente da quitação do saldo devedor dos mutuários do Sistema de Financiamento Imobiliário.

Essa alteração é necessária e urgente e é uma questão de justiça social, porque desde os anos 90, com o Plano Collor, passando pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, que produziu a Lei nº 9.514, os interesses dos mutuários têm sido prejudicados e há um grave problema social. Como há uma disposição do Governo Lula, através de manifestação do Ministro da Fazenda, Guido Mantega, de encontrar uma solução que beneficia os mutuários, apresento este projeto como uma contribuição para favorecer a quitação do saldo devedor da casa própria.



Segue o Projeto de Lei


Projeto de Lei nº 2208, de 2007

(Do Sr. Deputado JOSÉ GENOINO)



Altera dispositivos da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, que “Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências”.



O Congresso Nacional decreta:



Art. 1º Esta lei altera disposições da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, relativamente à disciplina das cessões de crédito imobiliário.

Art. 2º O art. 35 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Nas cessões de crédito a que aludem os arts. 3º, 18 e 28, é obrigatória a notificação do devedor, inclusive com garantia de preferência a este para que, no prazo máximo de sessenta dias corridos, contados do efetivo recebimento da notificação, quite o saldo devedor de seu financiamento junto à instituição financeira titular do crédito original, a qual oferecerá desconto, para a quitação pelo mutuário, equivalente ao valor do deságio ofertado às companhias e instituições de que trata o art. 3º desta Lei, nas hipóteses nele previstas de aquisição e securitização desse crédito.

Parágrafo único. Para os fins do disposto neste artigo, o mutuário terá amplo acesso às informações necessárias à comprovação do valor do deságio já ofertado ou o que seria ofertado a cessionário adquirente do respectivo crédito”.(NR)

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.



JUSTIFICAÇÃO



Até o advento da Lei nº 9.514, de 20.22.1997, desde então há algum tempo a situação dos mutuários dos sistemas de financiamento imobiliário era de grave crise. Para ser um pouco mais preciso, desde meados dos anos 1980 que a Justiça Federal, particularmente, foi sendo abarrotada, de forma crescente, de ações oriundas do estado de total descontrole do saldo devedor dos mutuários, que atingia e ainda atinge níveis insuportáveis, decorrente da elevação desmedida de seus débitos junto às instituições financeiras a quem originariamente os respectivos contratos estavam vinculados. Basicamente, duas eram – e ainda o são – as causas desse descontrole. Uma delas, a forma de cálculo do saldo devedor nas datas de reajuste. A outra, o mecanismo de juros sobre juros, utilizado na fórmula de cálculo (e recálculo) do referido saldo, denominado tecnicamente de “anatocismo”.

Além dessas duas causas, responsáveis pela disparada dos saldos devedores, os mutuários reivindicavam, judicialmente, o reconhecimento do histórico erro, perpetrado pelo então recém-empossado governo Collor de Melo, na incorporação de 84,32%, correspondentes ao IPCA de março de 1990, aos saldos devedores provenientes de contratos de financiamento imobiliário, ao tempo em que o mesmo índice não foi aplicado ao reajuste dos salários de servidores públicos e trabalhadores em geral. Essa discrepância absurda gerou um enorme descompasso entre o que passaram a receber (sem o aumento que compensasse a inflação de 84,32% relativa ao referido mês de março de 1990) e o que passaram a dever com o cálculo do novo saldo devedor, engordado com os mesmos 84,32%. Foi o mesmo que centenas de milhares de pessoas, da noite para o dia, tivessem ficado mais pobres em montante equivalente a 168,64% de seu patrimônio. Sim, porque, se as pessoas deixaram de receber o reajuste a que faziam jus, naquele mês e ano, de 84,32% e, ao mesmíssimo tempo, passaram a dever mais 84,32% a título de saldo devedor e valor da prestação da casa própria, isto significa que essas pessoas tiveram um prejuízo, da noite para o dia, do equivalente ao dobro daquele índice. Quer dizer: ficaram menos ricas, porque o financiamento de sua casa passou a custar 84,32% mais caro e ficaram mais pobres, passando a ganhar menos 84,32% de um mês para o outro (de fevereiro de 1990 para março de 1990).

Essa situação, iniciada em março de 1990, foi sendo agravada, ano após ano, com o acúmulo portentoso de prejuízo sobre prejuízo. Isto nos permite perceber o ENORME PROBLEMA SOCIAL em que se transformou o sistema de financiamento imobiliário no Brasil.

E, ainda pior, a decisão judicial a respeito do assunto, dada pelo Superior Tribunal de Justiça, depois de caminhar favoravelmente à tese defendida pelos mutuários, mudou de tendência e acabou sendo contrária aos legítimos interesses dos mutuários, que mais uma vez foram seriamente prejudicados.

Foi nessa mixórdia que deu a execução da política de crédito imobiliário, inaugurada no primeiro governo militar e encerrada, melancolicamente, no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Por que ela foi encerrada melancolicamente no governo de FHC? Porque a solução encontrada por aquele governo não foi no sentido de solucionar o gigantesco problema social criado com as sucessivas políticas de financiamento da casa própria. Ao contrário, foi no sentido de agravar o problema, em definitivo.

Muito pior: agravou em definitivo o problema social, mas agradou em definitivo ao dar, unicamente, a solução desejada aos problemas das instituições financeiras.

Para essa solução unilateral, unicamente financeira, que ignorou completamente as circunstâncias em que ficaram os mutuários e suas famílias, circunstâncias de absoluto abandono pelo governo da época e, conseqüentemente, pelo próprio Estado e que causaram, inclusive, imensos problemas intra-familiares, até mesmo com casos relatados de suicídios. Para essa solução, repita-se, o governo FHC conseguiu a aprovação congressual ao projeto de lei oriundo do Poder Executivo de então, que resultou na Lei nº 9.514, de 09-10-1997. É, precisamente, a Lei ora objeto da alteração proposta no presente Projeto de Lei.

Não será neste Projeto que pretendo propor a alteração mais profunda da referida Lei, dado que se trata de um trabalho de maior envergadura, cujos estudos ainda não pude concluir. Todavia, uma das alterações mais fundamentais é exatamente a que estou propondo aqui.

Antes de prosseguir, convém salientar que a evidência de que, com a Lei nº 9.514, de 1997, o governo FHC não deu solução alguma ao problema do crédito imobiliário e – ao contrário – virou as costas ao mutuário, está no fato de o art. 39 da mencionada Lei dispor o seguinte, que ora transcrevo:

“art. 39. Às operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere esta Lei:

I – não se aplicam as disposições da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, e as demais disposições legais referentes ao Sistema Financeiro da Habitação – SFH;

II – aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966”.

Isto significa o seguinte: (1) que o SFH, criado no governo do presidente Castello Branco, continua em vigor, embora totalmente inativo, ao menos para novos financiamentos. Mas o objetivo maior de haver essa ressalva legal quanto ao SFH é para sublinhar que a Lei 9.514/97 não cria um novo sistema financeiro habitacional. Logo, a Lei 9.514/97 não é destinada a dar uma nova disciplina legal ao sistema habitacional; (2) que a aplicação das citadas disposições do Decreto-lei nº 70/66, expressamente citadas no acima transcrito art. 39, é para deixar patente que tais dispositivos do mencionado Decreto-lei constituem a base processual para a execução dos créditos imobiliários adquiridos pelas companhias mencionadas no art. 3º da Lei nº 9.514/97. Quer dizer: todo o esforço do governo ao propor e conseguir aprovar essa lei é para proteger, isto sim, o interesse exclusivo dos beneficiários das cessões de crédito financeiro, objeto primordial dessa Lei.

Assinale-se, por outro lado, que o sistema introduzido pela Lei nº 9.514/97 veio apenas ao encontro do interesse dos agentes financeiros detentores dos créditos originais contraídos e contratados na forma e sob as regras do antigo SFH. Igualmente, veio ao encontro dos interesses dos mesmos citados agentes financeiros no que concerne aos créditos contratados pelo chamado “Sistema Hipotecário”, que foi um arremedo do SFH, adotado como uma espécie de opção ao SFH, mas sem base legal, ou, na prática, sob base legal adaptada da própria Lei nº 4.380, de 21-08-1964, que é a Lei do SFH. O tal “Sistema Hipotecário” foi uma enganação pública, uma saída escandalosamente onerosa e asfixiante às expectativas e às combalidas finanças dos mutuários. Foi uma saída alternativa, mas precária e experimental, num momento de desativação do SHF. As marcas do estrago produzido pelo “Sistema Hipotecário” estão por toda a parte. Muita gente conseguiu escapar de suas conseqüências perversas, mas uma grande maioria, sobretudo de classe média, foi estraçalhada pela voracidade dos reajustes impagáveis com base nesse “Sistema Hipotecário”.

Quem escapou, escapou. Quem perdeu, perdeu. Quem conseguiu fazer acordo, se livrou do estrago maior. Mas, ainda tem muita gente esmagada no desastre.

O que fizeram os agentes financeiros aos quais se vinculavam os créditos originais? Cederam esses créditos às tais companhias mencionadas no art. 3º da Lei ora em comento. E cederam em que condições? Ninguém sabe. Trata-se de um mistério insondável. Mas é certo, como dois e dois são quatro, que a cessão foi onerosa, isto é, foi mediante venda do crédito. E como se pode saber disso? Simplesmente porque, de acordo com o já mencionado art. 3º “as companhias securitizadoras de créditos imobiliários, instituições não financeiras sob a forma de sociedade por ações, terão por finalidade a aquisição e securitização desses créditos...”.

Na prática, segundo consta, inicialmente essas companhias eram formadas sob a modalidade de uma espécie de “pool de empresas”, integrado pelas próprias instituições financeiras, que compravam esses créditos (selecionados previamente segundo critérios de avaliação da capacidade de pagamento de cada mutuário; portando, segundo a qualidade do crédito original) mediante desconto sobre o valor atualizado do débito original, correspondente a um deságio cujo percentual é completamente desconhecido. Para que essa operação tivesse base legal, aprovou-se a Lei nº 9.514/97 e para que ela fosse econômica e financeiramente compensadora, esse deságio sobre o valor atualizado não se imagina inferior a 50% (cinqüenta por cento).

O cessionário recebia o crédito, adquirido nessas condições plenamente vantajosas, e se sub-rogava nos direitos de cobrança do montante integral, atualizado. Como a cobrança pelo agente financeiro original estava totalmente inviabilizada pelo acúmulo de ações, nisso também as cessionárias levavam vantagem, dado que podiam terceirizar a cobrança, judicial e extrajudicial e a defesa, tudo com base nos dispositivos do Decreto-lei nº 70/66, fugindo assim de dificuldades processuais decorrentes da substituição processual de agente público, como pólo da relação contratual-financeira de recursos originariamente públicos, por agente privado que comprou o crédito público para lucrar com sua amortização.

E, agora, a pergunta que não quer calar: e o devedor/mutuário, onde fica nesse jogo escandalosamente especulativo, com respaldo em lei, feito justamente para permitir o balcão de negócios com o crédito imobiliário. Quer dizer: transformou-se aquilo que era – e é – essencialmente social, em algo que passou a ser, essencialmente, financeiro.

Hoje, é comum, até em propaganda pela televisão, os bancos atraírem clientela e aplicadores para o “recebíveis”, que são, precisamente, os “Certificados de Recebíveis Imobiliários”, criados pela Lei nº 9.514/97, conforme o disposto no seu já tantas vezes referido art. 3º, nestes termos:

“Art. 3º As companhias securitizadoras de créditos imobiliários, instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por ações, terão por finalidade a aquisição e securitização desses créditos e a emissão e colocação, no mercado financeiro, de Certificados de Recebíveis Imobiliários, podendo emitir outros títulos de crédito, realizar negócios e prestar serviços compatíveis com sua atividades”.

Esse é um filé. O osso ficou com o pobre coitado do mutuário. Hoje, o crédito imobiliário está sendo tratado, escancaradamente, como uma espécie de “commodity”.

Chegou-se ao máximo de cautela para resguardar, não o crédito público, inerente à natureza desses financiamentos, porque se assim fosse não seria permitido o deságio na venda do crédito a terceiro particular, mas, notoriamente, chegou-se àquele máximo para proteger a garantia real do respectivo crédito e, principalmente, para a garantia de recebimento do correspondente valor, chegou-se ao máximo, repito, com a criação do mecanismo da “alienação fiduciária de coisa imóvel”. Mas, esse tema não é objeto da presente proposição.

O fato é que essa Lei nº 9.514/97 é a base legal da aventura financeira com o crédito público relativo a financiamento imobiliário. Que aconteceu, recentemente nos EUA e que deu na crise cujos efeitos foram apenas remediados. Essa crise teve origem num tipo de aventura como essa que criamos sob a égide da Lei nº 9.514/97.

Agora, 10 anos depois, chegou a hora de tolhermos essa aventura de brincalhões, ou essa brincadeira de aventureiros, como for melhor entendida.

Agora, o escândalo maior é este. Mais do que escândalo, é a corda no pescoço do infeliz do mutuário/devedor. Refiro-me ao art. 35 da Lei nº 9.514/97, que é objeto da alteração que proponho e que dispõe:

“Art. 35. Nas cessões de crédito a que aludem os arts. 3º, 18 e 28 é dispensada a notificação do devedor”.

Portanto, o devedor, que é uma das partes da relação contratual original, que é o principal interessado na possibilidade de quitação antecipada do seu saldo devedor e que é, inclusive e principalmente, a razão de ser da existência dos recursos públicos destinados a financiar a casa que se dispôs a adquirir, pagando durante anos uma prestação quase sempre bem acima dos máximos 30% que seriam, teoricamente o limite de endividamento pessoal com prestação da casa própria, com baixo risco de comprometer itens de sobrevivência, ele está legalmente afastado até do direito de saber que seu débito foi negociado, provavelmente a preço de banana, com outro credor, sendo que, se lhe fosse oferecida, em iguais condições, a vantagem do deságio com que o agente financeiro original vendeu o respectivo crédito, quem sabe ele até pudesse quitar antecipadamente a sua dívida.

Esta é a razão que me levou a apresentar o presente projeto de lei, cuja nova redação proposta ao referido art. 35 dispõe precisamente em sentido contrário ao que o faz o dispositivo em sua redação atual. Em primeiro lugar, para reparar uma injustiça. Em segundo lugar, para introduzir naquela Lei 9.514/97 um mínimo de caráter social, do qual ela ainda é totalmente desprovida. E, em terceiro lugar, para reintroduzir na pauta de decisões desta Casa do Congresso Nacional a matéria relacionada à referida Lei, sobre a qual – insisto - ainda pretendo apresentar novas proposições.

Quando digo que o presente Projeto introduz um elemento social na sistemática que aquela Lei criou, devo advertir para o fato de que essa alteração não modifica em nada a natureza eminentemente financeira da referida Lei alterada, assim como não mexe na estrutura dos mecanismos criados com a citada Lei, nem frustra, sob qualquer ponto de vista, a operacionalidade ou a eficácia dos instrumentos de proteção e garantia relativos ao adimplemento do crédito imobiliário, instrumentos esses voltados, tanto pela via espontânea quanto pela judicial, ao recebimento integral do montante devido pelo obrigado/mutuário/devedor. A única coisa que a alteração por mim proposta vai criar, como uma possibilidade alternativa e complementar para o adimplemento do crédito, é uma oportunidade ao próprio devedor para quitar sua dívida em condições iguais àquelas com as quais o mesmo crédito poderá ser cedido, mediante venda, a companhias cessionárias.

Por outro lado, espero estar contribuindo para agregar mais um instrumento de fortalecimento da política habitacional do governo do Presidente Lula, cujos objetivos sociais estão sendo resguardados e, a todo custo, privilegiados.

Dessa forma, espero contar com o apoio inestimável de meus pares para a aprovação do presente Projeto de Lei.


Sala das Sessões, em 16 de outubro de 2007.





Deputado JOSÉ GENOINO (PT – SP)

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