Parlamento - Pronunciamentos

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CONJUNTURA NACIONAL E INTERNACIONAL

Sobre direita x esquerda: eleições na Espanha e na França

Câmara dos Deputados
Sessão: 041.2.53.O
Data: 17/03/2008
Horário: 17h00

Sr. presidente, sras. e srs. deputados, nós estamos, nesta sessão de segunda-feira, aproveitando alguns momentos para realizar um debate político. Acho importante fazer um debate de mérito sobre algumas questões da conjuntura nacional e internacional.

Inicio com duas eleições que considero muito importantes e que acabaram de se realizar: a eleição na Espanha e a eleição na França. Na eleição na Espanha, ganhou o PSOE, com 43% dos votos, derrotando o PP, que representa a direita conservadora.

Quanto às eleições na França, os jornais hoje indicam que, no segundo turno, ganharão os candidatos vinculados à esquerda. São duas eleições importantes.

Em primeiro lugar, lembro que, quando Sarkozy foi eleito presidente da França, derrotando os socialistas, os formadores de opinião exaltaram sua eleição como a nova direita lúcida e esclarecida e até elogiaram o fato de ele assumir que é de direita. Todo mundo sabe do desgaste que ele sofreu, inclusive com as reformas neoliberais em setores-chave, a precarização de direitos sociais. O movimento social e os socialistas fizeram oposição às reformas liberais de Sarkozy, que acaba de perder a eleição municipal.

Na América do Sul, há um movimento de busca por uma alternativa de esquerda, democrática e nacionalista em defesa da autonomia em relação à hegemonia norte-americana — cada país constrói o seu caminho.

Estou situando esses fatos para entrar na questão de fundo. Sempre que há esse debate, há a seguinte discussão política por parte dos formadores de opinião: quando a direita ganha eleição, eles dizem que a direita tem que ser assumida e exaltam; quando a direita começa a ter dificuldades, e eles querem defender a direita, eles dizem que não existe mais esquerda e direita.

É o melhor mote, para o cara ser de direita, se assumir o desgaste de ser de direita, é dizer que não existe...

Eu sou de opinião que existe uma linha demarcatória entre esquerda e direita, e parto do livro do Bobbio, Esquerda e Direita, em que a questão da igualdade social, da universalização do direito, é o divisor de águas, na visão entre direita e esquerda.

Mas hoje, além dessa questão da igualdade da universalização do direito, existe uma agenda que demarca os campos entre direita e esquerda. É agenda, sr. presidente, do papel do Estado. O Estado é escravo do mercado, ou o Estado é o indutor e o articulador das políticas públicas e do crescimento econômico?

A atitude democrática ou autoritária ou discriminatória em relação ao tema dos imigrantes — esse foi um assunto que demarcou a eleição na Espanha e também esteve presente na eleição na França —, a questão dos temas comportamentais, ou seja, a relação com a igreja no tocante ao tema como aborto, direitos civis entre pessoas do mesmo sexo, enfim, esses temas marcaram a eleição na Espanha e marcaram também a relação da igreja com o Estado. Radicalizamos o conteúdo republicano ou continuamos com essa área cinzenta na relação entre igreja e Estado.

Qual o grande problema da nova direita do neoliberalismo hoje? É que, após a queda do muro e após a maior acumulação capitalista da história da humanidade, que foi a transferência do patrimônio público para o patrimônio privado, a direita neoliberal precisa de uma terceira onda de reforma, que é a precarização dos direitos sociais. É o chamado custo trabalho.

Garantir o processo de acumulação e mexer no custo trabalho gera uma dificuldade muito maior do que falar mal do Estado e justificar as privatizações. E esse debate é presente.

Claro que sempre defendi que a esquerda tem uma proposta radicalmente democrática, mudar a ordem por dentro da ordem, mudar a ordem radicalizando a democracia, mudar a sociedade sem ruptura, mudar a sociedade aprofundando o Estado Democrático de Direito. Esse é o tema fundamental que estamos discutindo hoje. Portanto, a diferença entre Esquerda e Direita é atual, é fundamental para discutir valores, papel do Estado, política internacional.

Vamos discutir a política externa. Qual é a visão da direita? É unilateralismo, é a guerra, é chamar a crise de civilizações. Quando se diz que há uma crise civilizatória, é para justificar que a civilização ocidental cristã tem o poder de impor a outras civilizações a sua hegemonia. Defendo a pluralidade civilizatória, a tolerância civilizatória, a discussão do multilateralismo, da democracia, da paz, da tolerância, uma hegemonia demarcatória. Portanto, temos de fazer esse debate de natureza teórica e ideológica, porque existe, sim, diferença entre esquerda e direita. No Brasil, esse debate tem que ser trazido.

Sou um defensor radical do Governo Lula, todo o mundo sabe disso, desde o primeiro mandato. Um governo que tem uma identidade com a esquerda. Por quê? Porque na questão central ele está mudando o país, com a distribuição de renda, com o combate à pobreza e os programas sociais.

Vejam o artigo do jornal O Globo que diz que o Programa Bolsa Família é o maior programa de combate à pobreza do mundo e que, associado com os territórios da cidadania, é uma maneira de solucionar o problema da desigualdade. Quando se colocam milhões de pessoas no mercado, está-se mexendo com a renda; quando se aumenta o salário acima da inflação, está-se mexendo com a renda. Trata-se de um caminho processual.

Eu sou de uma esquerda que se formou pela via rupturista — nós fomos derrotados. Agora, nós temos que adotar o caminho processualista, o caminho de avançar radicalizando a democracia, e o governo do presidente Lula está mostrando que esse é o caminho mais acertado, o mais correto, mesmo perante um setor da esquerda que queria contrapor Chávez e Evo Morales a Lula, uma contraposição falsa e enganadora.

Na verdade, o caminho trilhado pelo Brasil e o caminho do Presidente Lula é o caminho que está mostrando ser o mais consistente, o mais estável, o mais correto, para construir este projeto. Pela primeira vez, sr. presidente, nós estamos articulando, a um só tempo, crescimento sustentável, sem vulnerabilidade externa, com sustentação social e recomposição do papel do Estado.

Eu já disse na tarde de hoje que uma das debilidades deste projeto é a reforma política das instituições — reforma no funcionamento das instituições, do sistema político eleitoral, reforma dos partidos. É necessário que a democracia brasileira se democratize, para que tenha representação e funcionalidade.

Temos uma dívida, nós do PT, nós que apoiamos o governo Lula, com essa questão central, que é a reforma da política. Para se mudar o país é fundamental mudar a política. Essa é uma lição que tiramos dos episódios de crises que o meu partido viveu. Nesse momento, sr. presidente, advogo desta tribuna que é atual a diferença entre esquerda e direita. Sou militante de esquerda. Tenho compromissos com o socialismo democrático e quero mudanças por dentro do Estado Democrático de Direito, aperfeiçoando a democracia.

Esse é um debate de campos, é um debate de programas, é um debate democrático. Temos que combinar a disputa com o consenso, disputa de hegemonia com disputa de posição, quando somos governo, ou quando somos oposição. Por isso, acho esse debate fundamental. A esquerda contemporânea, democrática, socialista, tem que ser herdeira e protagonista da tradição da esquerda mundial, que é a luta por igualdade social. Uma luta que vem de antes dos socialistas utópicos, vem dos fabianos, dos cartistas, da social democracia revolucionária, dos bolcheviques, dos comunistas, porque têm um traço comum, que é a luta para que a sociedade se baseie em direitos universais na igualdade social. Por isso, acho que é atual a diferença entre direita e esquerda no Brasil e no mundo.

Muito obrigado, sr. presidente.

 

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