Parlamento - Pronunciamentos

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DIREITO FEMININO

Genoino defende descriminalização do aborto

Comissão de Seguridade Social e Família
Data: 07/05/2008

Senhor presidente. Senhoras e senhores deputados. Eu quero em primeiro lugar acompanhar a lucidez, a maneira democrática, a maneira racional com que o deputado dr. Pinotti manifestou o seu ponto de vista. Subscrevo o ponto de vista do deputado Pinotti. No que diz respeito o enfoque de como esta questão deve ser tratada pela sociedade e pelas instituições do Estado.

Tenho aqui comigo, senhor presidente, um texto com o qual concordo, que enfrentar um tema dessa complexidade. Que envolve problemas de natureza médica, natureza científica, natureza ética e filosófica. Tem que ser tratado pela perspectiva laica. Na medida em que a liberdade de consciência, assegurada na Constituição, impõe ao Estado contemplar não apenas as diferentes visões oriundas de distintas religiões. Mas principalmente assegurar o direito à diversidade existente no seio de uma mesma religião. E essa matéria, ela é polêmica entre as religiões e dentro das religiões. Dentro das próprias religiões, existem movimentos que tratam essa matéria de maneira diversa, de maneira polêmica.

A sociedade brasileira se lembra, quando o saudoso senador do Rio de Janeiro, Nelson Carneiro, fez uma batalha que não foi resolvida num dia e nem em uma semana, sobre a questão do divórcio. O que é que a maioria dos religiosos dizia? Que o Brasil ia se divorciar. Porque o senador Nelson Carneiro foi colocado no alvo de uma campanha de natureza ideológica e religiosa. E hoje mostra a experiência que não é assim.

Portanto, o deputado Pinotti tem toda a razão. O que aumenta o aborto. O que aumenta o problema social para as mulheres. O que aumenta o problema de saúde pública, que representado pelo aborto, é exatamente mantê-lo como uma questão penal. É exatamente mantê-lo como uma questão em que se busca, através da ideologia, uma formulação legal que não respeita radicalmente o Estado laico. Mas ao mesmo tempo os problemas de saúde pública, de prevenção, de informação, de educação, de tudo que é de competência do Estado, não se faz. Porque o manto e a segurança da ideologia, seja por motivos religiosos ou não, acaba dando uma tranqüilidade de consciência, e aí a mulher é criminalizada.

E não é a primeira vez na história da humanidade que a mulher é criminalizada. Nós estamos tratando aqui dos direitos da cidadania. Eu tenho um projeto e por isso estou falando aqui neste prazo de quinze minutos. Que parte do princípio o seguinte: nós não estamos aqui discutindo quem é contra ou a favor do aborto. Eu sou contra. Agora, o que eu defendo no meu projeto? Que a mulher é a única juíza, que pelas suas condições, pela sua essência, pelas condições de cidadania da mulher, ela decida. E ao decidir, ela terá o acompanhamento médico, psicológico, social e preventivo. É isso que eu defendo.

Não é o juiz que vai decidir. Não é o delegado de polícia, não é o promotor, não é o deputado, nem é o padre e nem o arcebispo. É a mulher. Porque a questão da concepção está intrinsecamente vinculada à condição da mulher enquanto cidadã autônoma. E aí nós estamos trabalhando com os direitos de cidadania. E nós temos que respeitar essa autonomia, da mulher enquanto cidadã, para decidir uma questão que é intrínseca a ela. Não é intrínseco ao Estado. E o que cabe ao Estado? Ao decidir a questão e dar condições para que essa decisão seja madura. Oferecer informações e recursos adequados. Por isso que, pela experiência mundial, pela experiência médica e pela experiência científica, essa decisão autônoma da mulher?

Pela minha colocação aqui no projeto, pode acontecer até noventa dias da concepção. É isso. Portanto, senhoras e senhores deputados. Senhoras e senhores deputados, nós não podemos resolver o problema do embrião fertilizado, numa discussão sobre a vida. Que divide a filosofia, que divide a ciência, que divide a ética. E pauta a história das religiões. Não preciso aqui citar as súmulas teológicas e os debates que acontecem, em um problema penal, em um problema criminal. Não pode.

Eu não estou contra quem faz campanha contra o aborto. Respeito estas posições. Agora, quem faz a campanha contra o aborto, deve respeitar a posição de quem defende. É a tolerância civilizatória e democrática. Eu não estou aqui defendendo que se faça aborto. Olha a minha tese. Eu estou defendendo que a mulher decida sobre essa questão. E o Estado, o Poder Público, ofereça as condições para isso. Esse é um processo democrático, correto. E aí, veja bem. Além da condição de cidadã da mulher, nós temos que encarar a questão social. Como é que na sociedade capitalista se processa isso? E vamos ser claros. A grande maioria das mulheres, com a clandestinidade do aborto, e com a falta de condições financeiras para realizá-lo. Nas clínicas que cobram muito caro, porque não existe tabela. Ela é obrigada a praticar o aborto em péssimas condições. Por isso que a Organização Mundial da Saúde informa: 80 mil mulheres morrem todos os anos em razão de aborto. 45 milhões recorrem ao aborto, e metade destas realizam o aborto em condições precárias.

No Brasil, o abortamento inseguro constitui uma das maiores causas de morte de gestantes. Mas olha bem o que diz aqui Aníbal Marfaundes e José Bacelato. É só a ponta do iceberg. Porque só essas mulheres são punidas. Mas eu não estou tratando apenas da gaiola de papelão. Eu estou tratando também da gaiola de ouro. Porque a criminalização da mulher, quando ela se sente criminalizada, ela passa a ter uma relação como se tivesse uma punição eterna. Até quando dizia, antigamente era a Inquisição. Até as labaredas quentes de uma condenação eterna. Mas não podemos tratar essa questão assim.

A concepção para a mulher é uma essência intrínseca à condição da mulher. E eu falo aqui com as mulheres. Que eu sou contra o aborto, mas eu estou dizendo aqui que essa questão é intrínseca para a mulher decidir. É da essência dela, é da existência dela. É da condição dela de mulher que pode decidir. Não são nós juízes. Portadores de uma verdade teológica ou filosófica que vamos dizer: “Mulher! Você é criminosa! E aquilo que foi tão profundo e caro para você, tem que ser resolvido em uma delegacia de polícia ou num tribunal!”.

Não é esse o caminho. Não é esse o caminho porque as mulheres que foram à Inquisição, na famosa experiência da Inquisição, eram os seres mais frágeis. Mas não eram só porque eram os seres mais frágeis. Era porque representavam a tentação, para aqueles que tinham que prevenir a tentação do machismo, punindo a mulher com a criminalização e com a fogueira. Nós não podemos aceitar essa maneira de criminalizar o aborto. Porque a criminalização do aborto é compreender a mulher como um ser que tem que ser punido pelo vigor do Código Penal. Por isso que a descriminalização é correta. Mas é correta também o direito da mulher decidir sobre a interrupção da gravidez.

E é por isso que eu coloco essa questão no meu projeto. Respeito e já participei de vários debates sobre essa matéria. E que fique claro. Fique claro porque essa sessão está sendo transmitida. Porque a distorção, a ideologização, e há um processo político em torno desse problema. Certamente, para alguns, esse problema político, que sai de uma questão filosófica e ética, pode produzir algum tipo de resultado. Mas não façam isso com a questão tão nobre e tão importante. Não façam isso com um questão tão vital para o desenvolvimento da sociedade humana. Em particular, para a condição das mulheres.

A concepção não pode previamente punir a mulher para ser condenada. Porque esse machismo de uma sociedade que discrimina. É exatamente porque parte da condição de que a mulher é inferior. E por ser inferior, ela tem que ser, ela tem que receber a espada da moral machista e discriminatória, que pesa sobre ela numa discriminação. Nesse debate, senhor presidente. Eu já discuti muitas vezes esse tema. E discuto respeitando a Igreja, as religiões, e aos companheiros que têm posição contrária. Respeito, mas digo os meus argumentos. Eu dou os meus argumentos. Contato com mulheres que foram obrigadas a se colocarem nessa situação social de aborto indesejado. De interrupção sem garantia nenhuma. Da falta de informação. E essa questão social e de saúde pública, ela não pode ser ignorada.

Portanto, qual é a outra conclusão que eu queria colocar aqui? Qual é o caminho mais adequado e mais correto para diminuir o número de abortos no Brasil? É manter o que está hoje? Porque o que está hoje está aumentando. Ou é adotar uma legislação que descriminalize, e ao mesmo tempo dê condições e informações e recursos, para que o aborto não seja uma alternativa para as mulheres. A não ser que a gente considere que a relação sexual, ela intrinsecamente, sem os cânones de um comportamento moral, religioso ou legal. Ela é em princípio um ato condenatório.

Quando a relação da mulher com o seu corpo. E a relação da mulher com a sua potencialidade. Na relação entre homem e mulher, ou na relação entre os humanos. É um momento de felicidade humana. E não há nada mais importante do que a gente defender a felicidade humana, enquanto um projeto de dignificação do ser humano. Eu estou considerando ser humano autônomo. Não há nada acima do ser humano. Nem é o Estado, como pensava uma visão autoritária da esquerda. Nem é a Igreja, como pensava antigamente os que ditavam as normas. Nem é aquela visão do mercado.

O ser humano, ele tem uma necessidade própria inerente ao ser humano. E eu estou discutindo aqui a condição da mulher. Olhem para o Brasil. Vejam os casos que cada um aqui já entrou em contato. Eu olho na cara e no olho de cada um aqui e vejo a realidade que a gente vive nesse país. De abortos forçados, de abortos provocados, de situações constrangedoras. E nós vamos dizer que tudo isso têm que ser resolvido na esfera na espada da lei. Porque o Código Penal tem que criminalizar.

Portanto, nós temos que revogar o artigo 124. Revogar o artigo 124, que é a descriminalização de projeto de lei de dois colegas do meu partido. É uma necessidade. Eu tenho uma posição diferenciada, mas tem a mesma identidade para dizer, senhor presidente. Que quem está defendendo mudar a legislação, descriminalizar, e ter saúde pública. É quem está lutando contra os abortos. É quem está lutando para diminuir o número de abortos. É a tese do Dr. Pinotti. Mudar a legislação, dar condições de saúde pública, dar informação, é quem vai diminuir o aborto. Agora manter o que está aí.

Neste manto que nos tranqüiliza nas nossas consciências por qualquer motivo. Vai estimular o número de abortos, o número de mortes. E é o que está acontecendo, desde quando essa discussão vem sendo debatida na Câmara dos Deputados. Muito obrigado senhor presidente, pelo tempo que excedi de quinze minutos.

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