Parlamento - Pronunciamentos

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HISTÓRIA

Genoino fala sobre o cenário político do ano de 1968

Câmara dos Deputados
Grande Expediente
Sessão: 123.2.53.O  
Data: 03/06/2008
Hora: 15h10

Sr. presidente, sras. e srs. deputados, venho, nesta tarde, da tribuna da Câmara dos Deputados, fazer algumas reflexões e prestar meu testemunho sobre uma época histórica que está sendo noticiada, comentada e analisada pela grande imprensa, por formadores de opinião e articulistas. Refiro-me ao ano e ao momento histórico de 1968.

Como as senhoras deputadas e os senhores deputados sabem, fui um dos participantes das mobilizações estudantis de 1968. Sobre a minha participação no Movimento Estudantil de 68, fiz questão de organizar, na forma de uma contribuição para a história do Brasil, dois depoimentos, que se transformaram em livros: o primeiro, “Entre o Sonho e o Poder”, da escritora Denise Paraná; o segundo, “José Genoino: Escolhas Políticas”, escrito pela professora Maria Francisca Pinheiro, uma conterrânea do Ceará.

Nesses depoimentos, sr. presidente, procuro colocar o significado político de 68. Eu era, então, presidente do Diretório Acadêmico da minha faculdade, a Faculdade de Filosofia; depois, do Diretório Central dos Estudantes; em seguida, fui diretor da União Nacional dos Estudantes.

Participei intensamente das mobilizações de 68 e quero aqui fazer duas homenagens, que simbolizam e representam a geração de 68 com quem convivi intensamente na União Nacional dos Estudantes: o companheiro Honestino Guimarães, desaparecido, que lutou revolucionariamente nas cidades, particularmente em São Paulo e Brasília, e a minha companheira Helenira Rezende de Souza Nazareth, que morreu no sul do Pará, na Guerrilha do Araguaia.

Ao fazer essas duas homenagens, quero estendê-las a todos que deram a vida por aquela causa. São verdadeiros heróis daquela geração. Grande parte daquela liderança, com generosidade, com heroísmo e abnegação colocou sua vida a serviço de sonhos, causas e ideais.

Quero deixar claro que, na avaliação e no noticiário de 68, contraponho-me a uma idéia corrente de que aquele ano representou apenas um movimento exótico, apenas cultural, apenas comportamental, ou, por assim dizer, apenas um movimento juvenil. O movimento de 68 foi um movimento político, ideológico, cultural, um movimento revolucionário, que teve na sua geração, particularmente no movimento estudantil, uma vanguarda social e política que, ao lado das reivindicações concretas das universidades, como a luta dos excedentes, a luta pela reforma universitária, a luta contra os acordos MEC/USAID, a luta pela verdadeira reforma e autonomia das universidades, incorporou no seu ideário a luta contra a ditadura militar e a luta revolucionária pelo socialismo, naquela época de revoluções que o mundo atravessava.

Aquela geração de 68 é uma ponta de ligação entre o que representou 1964, como ruptura institucional através do golpe militar e, ao mesmo tempo, um elo em relação a discutir as esperanças do futuro. Era uma geração que embalava o sonho e a utopia da Revolução Cubana, de Che Guevara, que morreu em outubro de 1967, da Revolução Vietnamita, da Revolução Chinesa e de vários movimentos revolucionários em que embarcaram àquela época.

Claro que foi uma época de intensa e virtuosa ebulição política, mas foi também uma época de contestação cultural e comportamental. Não é por acaso que aquela geração cultural, que brotou dos anos 60, influenciou decisivamente o comportamento dos estudantes que freqüentavam a universidade, cuja frase mais significativa era: é proibido proibir. Mas era proibido proibir no sentido amplo da palavra revolução. Revolução no sentido do conteúdo, da mudança profunda que acontecia no Brasil, em primeiro lugar pelo re-ordenamento econômico e político fruto do golpe de 64, com o Brasil dentro da ordem internacional e a Guerra Fria na disputa entre a União Soviética e Estados Unidos; em segundo lugar, pelo re-ordenamento da ascensão social de classes e camadas médias que buscavam na universidade uma alternativa de cidadania.

Não por acaso, os dois grandes movimentos de massa, a partir de 1965 e 1966, foram o movimento dos excedentes e os movimentos culturais, que depois se materializaram nos grandes festivais da música popular brasileira.

Deputado Mauro Benevides - V. Exa, deputado José Genoino, permite-me um aparte, enquanto faz este relato? Eu, que fui co-participe de todos aqueles acontecimentos, porque seu conterrâneo, no Ceará, e, naquele momento, presidente da Assembléia, naquele instante referenciado por V.Exa., e, logo em seguida, presidente regional do PMDB, cargo que exerci durante 27 anos, acompanhei todas aquelas lutas que, originárias da própria universidade, realizaram um trabalho de conscientização do povo brasileiro — a universidade teve um papel saliente. V.Exa., como um dos líderes universitários, atuou naquele instante, exercitando uma liderança que ainda o mantém com merecido destaque no cenário da vida pública nacional. Era este o testemunho que eu desejava transmitir a V.Exa., já que vivenciamos juntos aqueles momentos tormentosos, que terminaram sendo ultrapassados com o nosso reencontro, anos depois, no Estado Democrático de Direito, com a promulgação da Carta de 5 de outubro de 88.

Deputado José Genoino - Agradeço, deputado Mauro Benevides, o aparte de V.Exa. e aproveito a ocasião para relatar um episódio do qual fomos protagonistas.

Eu era presidente do Diretório Central dos Estudantes e comandava uma grande manifestação no centro de Fortaleza — a Assembléia Legislativa ficava no centro de Fortaleza, e dela V.Exa. era o presidente. Ao sermos cercados pela polícia, nós entramos na universidade e fomos à presidência da Assembléia, exatamente a V.Exa., solicitar proteção e apoio, a fim de que V.Exa., como presidente da Assembléia, se comunicasse com o então governador Virgílio Távora, para que não houvesse a prisão dos estudantes na Assembléia. E V.Exa. nos recebeu, àquela quantidade de milhares de estudantes, praticamente ocupando a Assembléia legislativa do Ceará e solicitando ao seu presidente proteção. Claro que V.Exa. não tinha força para nos proteger da ação da repressão, mas nos recebeu. E — olhem bem — naquela época, em 1968, era um ato de muita coragem política e de risco o que V.Exa. fez ali, bem pertinho da Praça do Ferreira.

Deputado Mauro Benevides - No antigo Palácio Senador Alencar.

Deputado José Genoino - Antigo Palácio Senador Alencar, perto da igreja do Rosário, naqueles lugares onde fazíamos as manifestações.

Quero, sr. presidente, ao agradecer o aparte do deputado Mauro Benevides e ao incorporá-lo ao meu pronunciamento, destacar que o movimento de 1968 tinha conteúdos políticos fortes, afirmativos. Conteúdos que aquela geração, praticamente o movimento estudantil, adotou como paradigma, como referência para o grande movimento qualificado como movimento revolucionário, no sentido amplo da palavra e no sentido da sua profundidade.
É claro que aquele movimento buscava uma ruptura, um enfrentamento com o regime militar de então. Por isso, inclusive, que as manifestações que realizamos em Fortaleza foram uma das maiores, a Manifestação de 30 Mil, quando a universidade não tinha trinta mil estudantes naquela época.

O movimento estudantil galvanizava, representava, aglutinava a oposição política ao regime militar, seja quando surgem as greves operárias a partir de junho e julho de 68, seja a oposição política no antigo MDB, que também gravitava em torno daquelas manifestações estudantis de 1968.

Nesse sentido, sr. presidente, as lições que devemos levar em conta daquela época é que foi uma luta generosa, solidária, transformadora, que buscava, na oposição ao regime militar, transformar a universidade. Era uma geração que não tinha medo de sonhar, como já fiz aqui referência, que tinha posição ideológica forte, que sonhava e realizava a façanha, o desafio e as conseqüências daqueles sonhos.

É importante deixar claro o que vem posteriormente a 1968, depois do Ato Institucional nº 5, quando aquela geração foi emparedada, impedida de ter uma alternativa política e democrática para continuar lutando pelos seus ideais. Boa parte dela se manifesta em oposição armada ao regime militar, com atos de heroísmo, bravura, coragem política e de muita generosidade.

É claro que um processo profundo, radical e rico, como aquele que nós vivemos, tem muito a ver com as fases posteriores da nossa história política. O endurecimento — golpe dentro do golpe, Ato Institucional nº 5, violência institucionalizada, exílio, tortura e desaparecimentos políticos — marcaram os chamados Anos de Chumbo, que deixaram, até hoje, marcas profundas na luta pela democracia brasileira.

Essas marcas temos que olhar sempre com a idéia de pensar o presente e o futuro e não apenas com os olhos no passado para buscar lições, por um lado, do quanto é importante a luta pela democracia, pela liberdade, pela disputa política democrática, pela organização e manifestação do povo, dos trabalhadores, dos estudantes e, por outro lado, pela livre organização partidária, pela disputa política de projetos que possam galvanizar corações e mentes, como tem ocorrido nesses 24 anos de democracia, aliás, o mais longo período democrático da nossa história.
Sr. presidente, falo daquela geração ousada, generosa, revolucionária no sentido da palavra não apenas como forma de luta. Claro que a forma de luta tinha muito a ver com a interpretação que fazíamos da revolução, mas igualmente - com o conteúdo das propostas de mudança e de transformação que buscavam fazer uma relação com o grande movimento de massa pelas reformas de base de 1964, quando veio o golpe que derrubou João Goulart, em um novo contexto nacional e internacional.

Aquela geração marcou a história do Brasil na busca do caminho transformador pela liberdade, pela construção de uma sociedade justa. Mesmo depois, com a derrota daquilo que 1968 representou como ano revolucionário, das experiências da resistência armada, nós demos continuidade a esse projeto de mudança do país. Como se diz na nossa história, nós nascemos de uma geração que queria derrubar a ordem para mudar a ordem, e tivemos que entrar na ordem injusta, arcaica, oligárquica para mudar a própria ordem.

Um desafio que eu costumo dizer que é como caminhar no fio da navalha.

Estamos realizando isso porque a retomada do processo democrático, a partir dos anos 80, veio com a vertente da luta social dos trabalhadores do campo e da cidade, com a própria reorganização da União Nacional dos Estudantes e com a luta da oposição política.

Nesse sentido, temos que sempre fazer referência ao principal partido de oposição, que se credenciou a partir de 1974, o então MDB.

Deputado Michel Temer - V.Exa. me concede um aparte?

Deputado José Genoino - Pois não, deputado Michel Temer.

Deputado Michel Temer - Muito a propósito da sua fala, nobre orador, quero dizer que o MDB realmente foi um dos grandes responsáveis pela redemocratização do país. Mas essa redemocratização veio a duras penas. Ouvindo o discurso do deputado José Genoíno, eu entrego essas duras penas, em boa parte, ao movimento que S.Exa. e outros tantos companheiros da luta política fizeram, porque sofreram mais os horrores do regime autoritário talvez do que muitos membros do nosso MDB, hoje PMDB. Quero cumprimentá-lo pelo discurso, porque no Brasil, sr. presidente, nós temos sempre, digamos assim, o mau vezo de nos esquecermos do passado, e muitas vezes o passado é o mobilizador do presente para o futuro. Quando o deputado José Genoino vai à tribuna rememorar os critérios democráticos e toda a luta que se fez ao longo do tempo — e agora nos homenageia, falando do MDB —, eu não poderia deixar de pedir-lhe este aparte para cumprimentá-lo mais uma vez e dizer-lhe que o Brasil passou por momentos autoritários e democráticos. Mas hoje, graças aos movimentos de que S.Exa. fez parte, entre os quais o PMDB, temos um país extremamente participativo e democrático, com uma Constituição formal e realmente participativa.

Basta dizer que nós tivemos, num dado momento, a retirada de um presidente da República; assumiu o Vice-Presidente, que, por incrível que pareça, na nossa história constitucional, cumpriu seu papel até o final; convocou eleições; eleições foram feitas; o presidente eleito foi reeleito; depois, foi eleito e reeleito o presidente Lula, com a história de vida que nós todos conhecemos. De modo que, meu aparte, coincidentemente, quando V.Exa. falava do PMDB, é para também, ao seu lado, rememorar essa luta pela democracia e pela participação.

Deputado José Genoino - Muito obrigado, deputado Michel Temer. Incorporo seu aparte ao meu pronunciamento. Faço questão de registrar que, em 1974, quando fui preso político, foram os candidatos e deputados do MDB de então que nos visitavam e falavam na campanha eleitoral de 1974.

É claro que, nesse processo, cada um de nós construiu seu caminho. Posteriormente, a experiência de democratização produziu uma escolha política que fiz desde a fundação do Partido dos Trabalhadores, porque deu uma contribuição decisiva na luta pela democratização do país, tanto no movimento social quanto no movimento político, tanto nas eleições, quanto nas campanhas políticas.

Deputado Carlos Bezerra - Deputado.

Deputado José Genoino - Pois não, deputado.

Deputado Carlos Bezerra - Eu quero parabenizá-lo pelo seu discurso. É importante relembrar esse recente episódio da história política brasileira. Mas a ditadura ainda está muito viva: nós sofremos ainda seu efeito, no tecido político do país principalmente. Ela acabou com a fábrica de líderes, com o movimento estudantil e sindical. Isso fez com que o Brasil andasse várias décadas para trás. Hoje, a representação política brasileira ainda é cheia de falhas, de carências.

Ninguém avalia, analisa isso, que é fruto dos 30 anos de ditadura militar. Nós vamos levar ainda algumas gerações para consertar isso; não vamos consertar da noite para o dia. V.Exa. sabe como esse processo é feito, de forma gradual, lenta. Mas, felizmente, o Brasil está caminhando para a frente não apenas no campo político, mas no campo social. Parabéns a V.Exa. pelo seu pronunciamento.

Deputado José Genoino - Muito obrigado, incorporo seu aparte ao meu pronunciamento.

V.Exa. tem razão quando diz que escolhemos um caminho processual, de etapas, de avanço ao longo desses anos de democratização para incorporar uma reforma da própria democracia. Por isso é importante a reforma político-partidária, casar a luta democrática com a luta econômico-social, com o crescimento, com a distribuição de renda, com a soberania, com a diminuição da pobreza.

Trata-se de um processo de construção de um projeto de país. Nós deputados integramos a base de apoio de um governo que está lutando para construir esse projeto de país, com muitas tarefas e desafios pela frente. Mas é importante ressaltar que a geração que sobreviveu àquela luta de 1968 não perdeu a esperança de construir uma sociedade mais justa, que possa dar o direito à felicidade material, espiritual, cultural ao povo brasileiro.

Particularmente, como militante de esquerda e socialista, quero dizer que, ao avaliar essas experiências históricas, a esquerda brasileira tem que se colocar ao lado daqueles que fazem uma análise não apenas laudatória, não apenas de elogio, mas rompendo com o preconceito daqueles que não querem avaliar o verdadeiro significado de 68, nem o 8 nem o 88, para buscarmos as lições de uma esquerda que nunca abriu mão do seu valor principal, que é a luta pela igualdade social, mesmo diante das experiências que temos que analisar de construção do socialismo, porque temos que avaliar com autocrítica: erros políticos, erros de modelo, erros na construção da democracia. Temos que resgatar essa identidade da esquerda na luta pela igualdade social, na luta que casa igualdade com liberdade, na luta que dá conteúdo à democracia, não apenas uma democracia formal e uma engenharia de legitimação do poder, mas uma democracia que construa cidadania, oportunidade e qualidade de vida para o povo brasileiro.

Ao concluir, quero, como militante do Partido dos Trabalhadores, defender a importância que representou para o Brasil e para a esquerda brasileira a oportunidade de se ter um partido político singular na história da esquerda pela sua pluralidade, pela sua representatividade social e pela existência de uma liderança que, a cada dia, demonstra sua capacidade, sua sensibilidade, sua percepção, e que hoje dirige o Brasil, que é o companheiro Luiz Inácio Lula da Silva. Estamos construindo esse sonho, o possível sonho impossível. Para muitos parecia um sonho impossível mudar o Brasil por meio de eleições e eleger o Lula presidente. Hoje esse sonho impossível está se transformando num sonho possível, com desafios, com falhas, com erros, mas, principalmente, sr. presidente, com a determinação de dar continuidade a uma luta que vem de 68, que vem de antes de 68, vem de rebeliões que foram, muitas, sufocadas a ferro e fogo, e, outras, cooptadas.

E queremos construir esse caminho da autonomia para ter um país em que o nosso povo tenha o direito à dignidade, à felicidade, à liberdade, à soberania, e de ser dono do seu próprio destino. Essa é a lição, esse é o legado. Por isso que eu sinto prazer e tenho a honra de ter participado da mobilização que 1968 representou na história do Brasil.

Muito obrigado, sr. presidente.

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