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CÂMARA DOS DEPUTADOS
Câmara dos Deputados
Sessão: 167.2.53.O
Data: 10/07/2008
Hora: 14:21
Sr. presidente, eu quero me pronunciar sobre um tema que foi objeto de intenso debate nesta semana, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. É o debate sobre a criminalização do aborto.
Eu defendi a descriminalização como caminho mais adequado para combater e diminuir o número de abortos, para defender a saúde da mulher. E essa é a experiência internacional, porque uma questão que envolve aspectos filosóficos, científicos, religiosos e éticos não pode ser tratada com a penalização ou a criminalização. No entanto, o debate foi açodado, às vésperas de eleição, no fim de um semestre, sem o devido aprofundamento. Pretendo apresentar um recurso para que o plenário decida o debate dessa questão.
O meu profundo respeito pelas posições contrárias. Quero explicar que não estamos defendendo realizar o aborto, mas que seja tratado como problema de saúde pública, como direito da mulher, com assistência do Estado e com orientação por parte do poder público. Sobre isso, o meu respeito a todas as religiões e a todas as igrejas.
Vou repisar uma frase que tirei, no meu voto em separado, do grande Simão Bolívar, que afirma o seguinte: "Religião é a lei da consciência. Toda lei sobre ela se anula porque, impondo a necessidade do dever, retira o mérito da fé, que é a base da religião". Defendo que em sociedade democrática o Estado não se afilia a determinada posição religiosa ou filosófica.
Respondendo coerentemente com a defesa do pluralismo, da liberdade de religião e do respeito às religiões, entendo que este assunto tem que ser tratado no âmbito das políticas públicas, das questões democráticas. Não é simples, acompanha a história da humanidade. Inclusive, no Brasil, a penalização começou a partir de 1830, porque antes não havia. No âmbito da ciência, o início da vida é objeto de intenso debate. Os arts. 124 e 125 do Código Penal e o artigo que permite o aborto em caso de estupro e risco da vida da mulher são a prova de que a matéria não é inconstitucional, mas tratada no Código Penal.
Portanto, discordo da decisão da Comissão de Constituição e Justiça que a considera inconstitucional. Ela é equivocada. Pretendo submetê-la ao debate no plenário da Câmara dos Deputados.
Uma matéria desse porte não pode ser debatida açodadamente, de maneira maniqueísta, preconceituosa, porque a questão é complexa, repito, e o debate deve ser aprofundado, democrático, respeitoso, sem qualquer tipo de aproveitamento de natureza religiosa ou eleitoreira, até porque a tendência do mundo é o da descriminalização como o caminho mais adequado para enfrentar o crescimento do número de abortos e de mulheres vitimadas com seqüelas de abortos praticados em péssimas condições. Basta observar as recentes experiências de Portugal e do México, em que o assunto é tratado de outra maneira.
Lembro um dado. No Brasil, quando se discutiu o divórcio, dizia-se que todas as pessoas deste país iriam se divorciar. Quando foi aprovada a Lei do Divórcio, comprovou-se que diminuiu o número de divórcios. Esses assuntos referentes a comportamento, à crença, ao tabu, à clandestinidade estimulam os números da tragédia referentes à saúde da mulher e outros aspectos.
Por isso quero manifestar-me favorável ao projeto dos deputados Eduardo Jorge e da Sandra Starling, um projeto de minha autoria, que é o de n° 176/95, que foi desarquivado por mim nesta Legislatura para que o Plenário faça um debate qualificado, de conteúdo, um debate com audiência pública e com Comissão Geral sobre esse tema tão importante.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Pronunciamento encaminhado pelo gabinete.
A votação na CCJ foi apressada e eleitoreira. Como tenho relembrado, discuto o tema do aborto desde a Assembléia Nacional Constituinte. Sempre defendi a tese de que a criminalização é o pior caminho para diminuir o número de abortos e a penalização das mulheres que interrompem a gravidez - e isso elas fazem sempre em situações extremas - é uma visão preconceituosa e machista. Sempre disse, também, que o debate e a apreciação desta questão devem estar livres de constrangimentos eleitorais e das convicções religiosas, até porque o estado brasileiro é um estado laico.
As igrejas tem o direito de fazerem campanhas públicas contra o aborto, mas não podem vinculá-lo a uma questão de estado. Digo no voto em separado que apresentei na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados que "o texto constitucional assegura a ‘inviolabilidade de consciência e de crença’, trazendo como conseqüência que nenhuma convicção religiosa pode ser imposta à população através de lei. Ademais, é do próprio interesse das associações religiosas que a doutrina não seja imposta por lei. Nesse sentido, já se manifestava o libertador Simón Bolívar ao afirmar que a ‘religião é a lei da consciência. Toda lei sobre ela se anula porque impondo a necessidade do dever, retira o mérito da fé, que é a base da religião’. Em sociedades democráticas, não é papel do Estado fomentar doutrinas religiosas..."
A CCJ fez um debate açodado no final de um semestre para que alguns parlamentares tirassem proveito eleitoral de um assunto tão polêmico. É lamentável que um tema que divide religiões, filosofias, a ética, a medicina, a biologia, etc. seja tratado de forma tão maniqueísta. Uma questão tão complexa e que acompanha toda a história da humanidade, que é a origem da vida, não pode ser usada para dissimular visões monolíticas e preconceituosas.
Vou continuar com este debate. Estou apresentando um recurso para que a matéria seja debatida no plenário da Câmara dos Deputados. Quero esclarecer que a discussão não é quem é contra ou a favor do aborto. O debate é se a mulher que o praticou deve ser criminalizada ou não.
Está comprovado que o aborto é uma questão de saúde pública, que a clandestinidade só agrava. Nos países onde foi descriminalizado, o número de abortos diminuiu e a descriminalização é uma tendência mundial. É só atentar para o fato de que Portugal e México, dois países de fortes tradições religiosas, legalizaram a prática do aborto.
Brasília, 10 de julho de 2008.