Trajetória

Versão para impressão  | Indicar para amigo

Torturar o torturado - Artigo de Luiz Garcia publicado em 2003

Luiz Garcia

O homem já inventou tantos motivos para torturar seu irmão como formas de fazê-lo. Razões práticas, utilitárias: punir o crime, fortalecer o poder do rei ou simplesmente diverti-lo, sabendo-se que é sempre prudente alimentar o bom humor do trono. A Santa Madre já torturou para salvar a alma do pecador, o Estado moderno já usou a tortura como experiência científica (quando estudou os efeitos do LSD administrando-o sem aviso a pseudovoluntários, provocando, entre outros efeitos, um considerável número de suicídios).

A visão ética contemporânea da tortura procura justificá-la como sendo maneira eficaz, às vezes única, de obter informações que salvarão vidas, porque impedirão atentados em particular e avanços da subversão em geral.

E ainda há novidades no ramo.

Os documentos há pouco publicados pelo "Correio Braziliense" são importante contribuição para o conhecimento da tortura durante o regime militar; complementam pesquisa realizada há alguns anos pelo GLOBO sobre a guerrilha no Araguaia e o admirável trabalho de Elio Gaspari, no primeiro volume de sua trilogia. A aula de tortura narrada por Elio, realizada num instrutivo programa de auditório com demonstrações, por assim dizer, ao vivo, é especialmente eloqüente. O fato de que episódios como aquele não impediram a reintegração das Forças Armadas no Estado redemocratizado é, desculpem não dizê-lo de maneira mais erudita mas indo direto ao ponto, um elogio ao Brasil.

Um dos personagens que se destacam nas reportagens é o presidente do PT, José Genoino. Tanto a documentação independente como o seu próprio depoimento ao "Correio" registram estratégia e contra-estratégia: o que faziam os torturadores para obter informações e as formas pelas quais torturados tentavam — e pessoas como Genoino conseguiram — dar a informação mais inócua ou óbvia. O torturado pode não escapar do pau-de-arara, mas alguns, como ele, conseguem não produzir novas vítimas do pau-de-arara.

É uma pena que a história não termine aí. Ocorre em Brasília um mal disfarçado esforço para apresentar o episódio do atual presidente do PT em poder dos torturadores como a história de uma delação, não inteiramente voluntária, mas quase isso. Algo que force o antigo guerrilheiro a se defender, algo que enfraqueça o líder político de hoje. Apenas ele, ou o partido, o governo, pouco importa.

É uma canalhice inventar maneiras de torturar o antigo torturado, submetendo-o a um pau-de-arara de cochichos.

Busca no site:
Receba nossos informativos.
Preencha os dados abaixo:
Nome:
E-mail: