Trajetória

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Da clandestinidade à prisão - 4 de julho de 2003

Professora, 15 anos mais velha e sua vizinha, Leucimar dava aulas na Universidade Federal do Ceará. O primeiro beijo entre Genoino, que mal completara 18 anos, e ela aconteceu dentro do cinema durante a exibição de Zorba, o Grego . À primeira noite de amor no apartamento da professora, seguiram-se outras, inúmeras. A paixão foi avassaladora. Era uma relação clandestina, instigante e totalmente livre, inclusive de compromissos futuros.

Com Leucimar ele descobriu o movimento cultural do início dos anos 60. Acompanhava os festivais de música. Genoino se tornou cada vez mais falante. Debatia o futuro nos bares de Fortaleza citando Jean Paul Sartre, Albert Camus e Simone de Beauvoir, autores que passou a ler com Leucimar, que a essa altura deixou de ser visita bem-vinda à casa dos Garcia, a morada arranjada por padre Salmito para concluir os estudos. A pressão dos Garcia para que o romance - considerado escandaloso - acabasse cresceu até que um dia ele não teve dúvidas. Juntou as roupas e anunciou: "Estou indo embora".

Naquele ano, 1965, a IBM lançou o primeiro concurso em Fortaleza para fazer o cadastramento de terras do Ibra, Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, o antigo Incra. Genoino passou. Trabalhava no computador 14.01, de cartão, que ocupava uma sala inteira da sede da empresa e mais tarde passou a operar um Barra 360, de fita, que preenchia uma parede. Pela primeira vez podia ajudar a família. O resto do salário gastava com o aluguel de uma quitinete, e, claro, com intermináveis farras noturnas.

No ano seguinte, Leucimar foi para a França fazer um curso de pós-graduação. Genoino superou a tristeza redobrando as esbórnias noturnas. Levava namoradas para passar as noites de lua na até então deserta Praia do Futuro. Acordava com o corpo sujo de areia e várias vezes ia trabalhar de ressaca. Sua vida, porém, não passava imune à efervescência política do Brasil pós golpe de 1964. As universidades se tornaram centros de debates e de decisão política e Genoino não quis ficar de fora. Fez vestibular. Seu chefe, o superintendente da IBM no Ceará, sugeriu o curso de economia, o que lhe garantiria um futuro na empresa. Mas, já rebelde, fez filosofia. Passou.

Genoino tornou-se conhecido em Fortaleza. Gostava de dar opinião nas assembléias lotadas, tinha um discurso coerente de esquerda, por causa de padre Salmito. Por isso, foi natural que na primeira eleição para o Centro Acadêmico seu nome surgisse como preferido. "Resisti durante mais de um mês. Sabia que se entrasse nisso, seria de cabeça." De novo o pressentimento. De novo sua vida estava para mudar. Era o ano de 1967. Genoino passou a freqüentar congressos clandestinos de estudantes e a organizar passeatas que em geral terminavam em confronto com a polícia. Acabou tendo sua primeira prisão preventiva decretada. Escondido, faltou a uma semana de trabalho:

- Você sabe o que está fazendo? - perguntou William, o superintendente da IBM. - Sim - respondeu com segurança. - Você não prefere largar tudo isso e fazer um curso no Rio que lhe dará chances de crescer na empresa? - Dr. William, eu entrei nisso para valer. Me demita e pague o que mereço porque já fiz minha opção: quero lutar por uma sociedade mais justa.Deixou para trás o salário e filiou-se ao PC do B. Fechou o apartamento e foi morar em um alojamento de estudantes. Tornou-se o maior líder estudantil do Ceará. Em dezembro de 1968, um dia após o anúncio do Ato Institucional número 5, que aumentou os poderes do presidente e permitiu maior repressão aos opositores, Genoino fez seu último discurso na faculdade. Em seguida, lançou-se na clandestinidade.

Escondia-se em casas de simpatizantes do movimento, entre elas na do ex-estudante Tasso Jereissati, hoje senador pelo PSDB, e na de um colega da Física - este disse à família que Genoino estava fugindo de uma mulher que queria obrigá-lo a se casar. "Na hora do almoço, as irmãs dele me olhavam como se eu fosse um devorador de mulheres", lembra. O constrangimento durou pouco. No Natal, enquanto as famílias ceavam, Genoino saiu de Fortaleza, com documentos falsos em nome de José Geraldo, no porta malas de uma Vemaguete, a mesma que dias antes o levara até a casa de seus pais, no Encantado, para se despedir da família. "Não tem mais salário. Nem serei mais doutor. Vou para uma luta e não sei se volto", avisou para a mãe chorosa e inconformada na porta da velha casinha de tijolo.

Mudou-se para São Paulo, onde organizava clandestinamente o movimento estudantil e se preparava para a guerrilha. Foi à rua José Paulino, centro do comércio popular da cidade, e comprou três pares de botinas, três calças jeans e seis camisas de algodão grosso, próprias para o mato. Estava de malas prontas para a guerrilha, mas esperou o fim a Copa do Mundo de 1970. "Era reacionário torcer pelo time. Era como torcer pelos generais. Mas quando o negão Pelé pegava na bola, não tinha ideologia que resistisse", diverte-se. Assistiu e vibrou com todas as vitórias. Quando São Paulo parou para ver a chegada dos tricampões, Genoino estava na rodoviária, embarcando rumo ao Araguaia, para a luta.

No coração do Brasil a vida era rústica, quase igual à de sua infância. Plantava, fazia comida em fogão de lenha, participava dos festejos dos moradores locais, das rezas, e paralelamente fazia o treinamento de guerra. Andava quilômetros no meio da mata quase virgem e muitas vezes se perdia. Chegou a ficar cinco dias vagando no mato. Dormia em rede no alto das árvores coberto por um plástico estrategicamente armado em forma de barraca para evitar a chuva, e se alimentava de caça, que, envolvida em folhas, enterrava e cobria com carvão e terra para cozinhar durante quase uma hora. O arroz, que sempre trazia na mochila, preparava da mesma forma só que amarrado num pano. "Ficava uma delícia", garante.

Pegou 30 malárias, leishmaniose e foi obrigado a arrancar dois dentes com alicate, a seco, sem anestesia. "Fui à lua de dor", conta. Nada parecido, porém, com aquela manhã de 18 de abril de 1972. Um dia antes ele havia andado 30 quilômetros para avisar aos companheiros de outro acampamento que a polícia estava por perto. Encontrou o local abandonado. Dormiu. Pela manhã, quando voltava, cruzou com um grupo de pistoleiros e um policial da PM de Xambioá, o sargento Marra, que estranhou:

- Por que você andou perguntando pelos terroristas? - Eu não sabia, só vim para fazer negócio com eles - respondeu Genoino.

Desconfiado, o policial agarrou e amarrou o rapaz. Os pistoleiros alegavam conhecê-lo, Genoino jurava inocência. Não havia nada para incriminá-lo, a não ser por duas dicas que fizeram o policial ter certeza de que ele era um guerrilheiro.

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