Trajetória

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Da oposição ao governo - 18 de agosto de 2003

O silêncio da turma que começava a desvendar o passado do professor de história tinha motivo. No final dos anos 70, a propaganda anticomunista ainda era intensa e a imagem de terroristas e guerrilheiros não era das melhores. Naquela segunda-feira, Genoino mediu cada palavra para falar sobre sua história de vida. "Eu não podia idolatrar o movimento para não incentivar a meninada e ao mesmo tempo queria combater o preconceito que havia em torno do assunto", conta. Os alunos tiveram as mais diversas reações. Alguns choraram lamentando as tristezas vividas pelo professor, outros ficaram nervosos. "Tive uma aluna que chegou com as mãos geladas e me disse: ´Te achava tão normal!´."

Aos poucos, Genoino foi falando mais. Conversava longamente com os alunos mais curiosos e acabou por tornar-se amigo deles. Paralelamente, voltava à militância política. Ajudou na reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE), participou dos movimentos pela anistia e nos de apoio às primeiras greves dos metalúrgicos, quando Luiz Inácio Lula da Silva começou a despontar como uma liderança sindical. "Percebemos que havia algo de novo, era um começo de esperança", lembra ele.

Entre os operários e parte da intelectualidade brasileira ganhava corpo a discussão sobre a criação de um novo partido. Todos davam opinião e Genoino também foi ao Sindicato dos Metalúrgicos dizer o que pensava. Sentou-se diante de Lula e perguntou:- Esse partido que vocês estão formando é tático ou estratégico? - Sei lá, nós só estamos querendo criar um partido de trabalhadores - respondeu o líder sindical, assustado com a indagação. Até hoje Lula não perde a oportunidade de brincar com ele. Vez por outra, entre gargalhadas, seja qual for o assunto, lança a pergunta: "Isso é tático ou estratégico?".

Em 1981, Genoino teve seu nome indicado para concorrer a deputado federal. Não tinha chance. Sem carro ou telefone, montou o comitê eleitoral numa das salas do cursinho. Pertencia à esquerda ultra-radical, xiita até mesmo para os integrantes do novo partido. Era a primeira vez que votaria em sua vida, porque só recuperou os direitos políticos com a anistia, em 1979. Votou em seu próprio nome e foi eleito de raspão, como o último deputado por São Paulo, com a ajuda dos alunos que conheceu em cinco anos de aulas no cursinho. "Minha maior votação foi nas universidades", lembra ele.O País rumava para a democracia, tudo parecia bem, mas poucos sabiam o que Genoino vivia em conseqüência das torturas. Com freqüência acordava espantado, suado e gritando devido aos pesadelos que lhe remetiam ao sofrimento físico do passado. Ainda hoje não entra em elevadores ou em lugares fechados sozinho, situações que o fazem recordar as celas solitárias, escuras e frias.

Os sobressaltos eram divididos com a mulher Rioko, que também teve problemas. Quando a primeira filha do casal nasceu em 1980, ela teve uma depressão pós-parto que se misturou às lembranças do cárcere. "Ela acabou por rejeitar a filha", diz ele. A pequena Miruna, hoje com 23 anos, tinha um mês quando o pai assumiu o papel da mãe. Trocava fraldas, dava comida, banho, fez tudo até Rioko se recuperar. "Acho que por causa disso tenho uma relação parapsicológica com minha filha. Tudo o que me acontece ela me liga, sonha comigo", revela. No início do ano, um dia após o assalto e seqüestro de seus assessores em São Paulo, quando Genoino escapou porque foi buscar uma escova de cabelo, ela ligou cedo da Espanha, onde faz pós-graduação: "Sonhei com você, o que aconteceu?". Três anos depois do nascimento dela, ele tirou de letra a chegada de Ronam.

Mas houve um momento em que sua relação com os filhos ficou comprometida. Há três anos ele reuniu a família para finalmente contar que tinha uma filha fora do casamento. "Foi o momento mais difícil de minha vida", revela. Levou 15 anos para dizer essa verdade. "Eu não tinha coragem", confessou. "Esperei que meus filhos ficassem grandes para contar. Tinha medo da reação deles, e temia perder a Rioko."

Mariana, hoje com 18 anos, mora em Brasília com a mãe. É fruto de uma relação "circunstancial" com uma pessoa, que Genoino preserva. "Não houve namoro ou coisa duradoura", conta. Mesmo assim, assumiu a paternidade. Como era esperado, Miruna ficou revoltada com o pai. Ronam, mais quieto, falou muito pouco, e Rioko, num primeiro momento reagiu bem. "Depois entramos numa crise feia, mas soubemos administrar. Hoje esse é um assunto resolvidíssimo lá em casa", diz. Os irmãos se encontram nas férias escolares.

O parlamento mudou a vida do ex-guerrilheiro. Ele era um radical de esquerda até a Assembléia Nacional Constituinte, quando opinava sobre todos os assuntos e negociava com os mais diversos setores da sociedade os termos da Carta Magna, inclusive com seus antigos algozes, os militares. Chegou a integrar uma turma de amigos oriundos de todos os partidos que ficou conhecida como "o novo parlamento". "No início da década de 90 dei uma entrevista dizendo que tínhamos que rever alguns dogmas do marxismo e do socialismo", recorda-se. Por isso, passou a ser vaiado pelos seus colegas esquerdistas. No PT, conquistou espaços. Após cinco mandatos de deputado federal, no ano passado saiu candidato a governador de São Paulo, mas não se elegeu. Tornou-se presidente do partido com a missão de administrar as divergências internas.

Hoje, ao rever sua vida, Genoino se considera um humanista e com base em sua experiência acredita que nunca haverá sociedade perfeita. "Nós temos que melhorá-la sempre", afirma. E para aqueles que querem lutar por um mundo melhor, como ele quis, repete sempre a mesma frase: "Quem quer mudar o mundo tem que aceitar antes ser mudado".

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