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STF
I – SÍNTESE DOS FATOS E OBJETO DA DEFESA
O peticionário foi denunciado pelas supostas práticas dos delitos inscritos nos artigos 288, 312 (quatro vezes), e 333 (nove vezes) do Código Penal Brasileiro.
Conforme delineado no preâmbulo da peça inicial acusatória,
“A presente denúncia refere-se à descrição dos fatos e condutas relacionadas ao esquema que envolve especificamente os integrantes do Governo Federal que constam do pólo passivo; o grupo de Marcos Valério e do Banco Rural; parlamentares; e outros empresários.
Os denunciados operacionalizaram desvio de recursos públicos, concessões de benefícios indevidos a particulares em troca de dinheiro e compra de apoio político, condutas que caracterizam os crimes de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, corrupção e evasão de divisas.” (fls. 10 da denúncia)
Em que pese o fato de o denunciado JOSÉ GENOÍNO NETO, presidente do Partido dos Trabalhadores entre dezembro de 2002 e julho de 2005, não integrar o Governo Federal à época dos fatos, foi ele incluído na denúncia pela suposta prática dos crimes de quadrilha, peculato e corrupção ativa.
Assim, colhendo à oportunidade, tem a presente por escopo trazer ao conhecimento de Vossas Excelências os motivos que estão a exigir – por medida de escorreita Justiça – a rejeição da denúncia ofertada em desfavor deste peticionário.
Com efeito, a inicial acusatória contém em si mácula incontornável, que a torna absolutamente imprestável em sua função primordial de descrever com clareza, em todas as suas circunstâncias, os fatos tidos por criminosos.
Ao incluir o peticionário entre os autores dos supostos crimes, a exordial passou ao largo da mais remota individualização de sua hipotética conduta. Em passagem alguma de seu breve conteúdo, a denúncia expõe – como lhe incumbia – em que medida o peticionário teria concorrido para a execução das pretensas infrações penais de formação de quadrilha, peculato e corrupção ativa.
Incapaz de demonstrar a mais tênue ligação entre o peticionário e os crimes que lhe imputa, a denúncia se mostrou inepta para levar adiante a temerária pretensão punitiva.
Além disso, não se vislumbra, ab initio, a presença de justa causa a amparar eventual prosseguimento de Ação Penal.
De fato, da análise – ainda que superficial – da extensa investigação realizada pelo Departamento de Polícia Federal nos autos do presente Inquérito Policial, não se pode entrever qualquer substrato probatório mínimo apto a ensejar o início de uma persecução penal.
II – INÉPCIA DA DENÚNCIA
A denúncia, mais que simples proposta acusatória destinada à final condenação dos réus, é sobretudo a peça que delimita a imputação e, nessa medida, permite à defesa conhecer exatamente os fatos atribuídos aos denunciados.
O direito à ampla defesa e ao contraditório torna-se letra morta diante de uma exordial acusatória obscura, genérica, omissa em expor não só os elementos dos delitos que increpa ao denunciado, mas também as circunstâncias em que as infrações teriam sido praticadas. Denúncia deficiente reflete-se em acusação arbitrária, capaz de fomentar tormentoso processo criminal e pôr em xeque a liberdade do acusado sem que ele ao menos saiba do que deve se defender.
Precisamente para resguardar o sacrossanto direito do réu à defesa e impedir que processos kafkianos ganhem atualidade, o Código de Processo Penal incorporou à denúncia inafastáveis requisitos formais. Consoante dispõe o artigo 41 do Diploma Processual,“a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias" (grifamos).
Dentre as circunstâncias do fato criminoso a serem descritas em sua totalidade pela denúncia, é certo que se inclui a forma pela qual o denunciado teria contribuído para a consecução do delito. Não basta que a denúncia simplesmente narre o fato havido por criminoso; deve ainda – e principalmente – descrever como o indigitado autor supostamente concorreu para sua prática.
Em casos de co-autoria, ganha especial importância a completa individualização da participação dos supostos autores no crime imputado, em oposição à genérica descrição do fato em tese delituoso.
Isso porque, uma exordial que veicule imputação idêntica a todos os denunciados, sem particularizar a atuação de cada um deles no delito, ofende induvidosamente o princípio da culpabilidade. Receber peça acusatória com essa mácula significa considerar válida acusação que prescinde da demonstração do dolo ou culpa dos denunciados, restringindo-se a narrar fato abstrato e resultado lesivo sem descrever o liame entre conduta individual e consumação do delito.
A jurisprudência, apesar de admitir certa atenuação do rigor do artigo 41 nas denúncias nos crimes de autoria coletiva, também vem proclamando reiteradamente ser inescusável que a peça acusatória especifique ao menos o modo pelo qual cada denunciado concorreu para a consecução do delito.
Delineia-se assim, com clareza meridiana, a já sedimentada conclusão de que a participação individual de cada agente na prática do ilícito penal – afinal, circunstância do fato criminoso – deve estar descrita na denúncia, sob pena de caracterizá-la como inepta.
Em conseqüência, é pacífico que a denúncia deve, pelo menos, esclarecer o vínculo concreto entre cada denunciado e a infração penal irrogada, não bastando ao cumprimento desse mister a simples alusão ao cargo ocupado pelo denunciado.
No presente caso, a denúncia oferecida contra o peticionário fez tábula rasa da necessária individualização de sua imaginada conduta. Não foi ele denunciado pelo que fez (ou deixou de fazer): foi acusado pelo que era.
Com efeito, a peça inaugural inicia sua acusação nos seguintes termos:
“(...) o núcleo principal da quadrilha era composto pelo ex Ministro José Dirceu, o ex tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, o ex Secretário-Geral do Partido dos Trabalhadores, Sílvio Pereira, e o ex Presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoíno.
Como dirigentes máximos, tanto do ponto de vista formal quanto material, do Partido dos Trabalhadores, os denunciados, em conluio com outros integrantes do Partido, estabeleceram um engenhoso esquema de desvio de recursos de órgãos públicos e de empresas estatais e também de concessões de benefícios diretos ou indiretos a particulares em troca de ajuda financeira.
O objetivo desse núcleo principal era negociar apoio político, pagar dívidas pretéritas do Partido e também custear gastos de campanha e outras despesas do PT e dos seus aliados.
Com efeito, todos os graves delitos que serão imputados aos denunciados ao longo da presente peça têm início com a vitória eleitoral de 2002 do Partido dos Trabalhadores no plano nacional e tiveram por objetivo principal, no que concerne ao núcleo principal integrado por José Dirceu, Delúbio Soares, Silvio Pereira e José Genoíno, garantir a continuidade do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores, mediante a compra de suporte político de outros Partidos Políticos e do financiamento futuro e pretérito (pagamento de dívidas) das suas próprias campanhas eleitorais.” (fls. 11 da denúncia, grifos nossos)
Já de antemão, abre-se um parêntesis para registrar que “negociar apoio político, pagar dívidas pretéritas do Partido e também custear gastos de campanha e outras despesas do PT e dos seus aliados”, não constituem (nem nunca constituíram!) condutas consideradas criminosas. Aliás, ao contrário, constituem tarefas lícitas, rotineiras e necessárias a qualquer partido político.
Não bastasse, no transcorrer de toda a denúncia, o ilustre Procurador-Geral da República imputa, de maneira indiscriminada e aleatória, diversos comportamentos ilícitos pretensamente praticados em conjunto pelos denunciados JOSÉ DIRCEU, DELÚBIO SOARES, SÍLVIO PEREIRA e o peticionário.
Com efeito, por muitas vezes, referindo-se aos dirigentes do Partido dos Trabalhadores como “núcleo central da quadrilha”, generaliza condutas indistintamente, como se o partido político em questão fosse um indivisível e homogêneo átomo.
A título de ilustração, basta verificar que a peça inaugural cita o peticionário 58 vezes, sendo 46 nominalmente e o restante como membro do “núcleo central”, ao passo que nas MILHARES de páginas que instruíram a notificação (29 volumes de Inquérito Policial e 19 volumes de Apensos), JOSÉ GENOÍNO NETO é mencionado 35 vezes, nas quais 11 delas por pessoas que afirmam não conhecê-lo.
Na única – e frustrada – tentativa de separar as condutas praticadas pelo “núcleo central”, cingiu-se a exordial acusatória a afirmar, em relação a JOSÉ GENOÍNO NETO, que “como Presidente do Partido dos Trabalhadores, participou dos encontros e reuniões com os dirigentes dos demais Partidos envolvidos, onde ficou estabelecido o esquema de pagamento de dinheiro em troca de apoio político, operacionalizado por Delúbio Soares, Marcos Valério, Cristiano, Ramon, Rogério, Simone e Geiza”. E finalizou: “Com a base probatória colhida, pode-se afirmar que José Genoíno, até pelo cargo partidário ocupado, era o interlocutor político visível da organização criminosa” (fls. 25 da denúncia, grifos nossos).
É pacífico que uma denúncia criminal deve esclarecer o vínculo concreto entre os denunciados e a infração penal irrogada.
Para o cumprimento desse mister, não basta à denúncia simples alusão ao “cargo partidário ocupado” pelo denunciado no Partido dos Trabalhadores. Seria necessário que a peça exordial descrevesse a participação individual de cada agente na prática do suposto crime, como exige o artigo 41 do Código de Processo Penal, o que não foi feito.
Conforme recentemente decidiu o Plenário do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, “a doutrina e a jurisprudência da Casa repelem a denúncia genérica, exigindo-se que nela se contenha a descrição mínima da participação de cada acusado na conduta delitiva”
No presente caso, a narrativa dos fatos na denúncia responsabiliza, de maneira abusivamente ampla, o “núcleo central” do Partido dos Trabalhadores, impedindo que a defesa de cada denunciado saiba por quais atos concretos o mesmo é acusado.
Dessa maneira, revelando sua gritante e incontornável inépcia, a peça acusatória opta às escâncaras pela odiosa responsabilização objetiva.
É o que se verifica quando a exordial imputa as condutas tidas por delituosas aos “dirigentes máximos, tanto do ponto de vista formal quanto material, do Partido dos Trabalhadores”.
Nenhuma ação efetiva é atribuída ao denunciado. Falta nexo causal que o associe aos pretensos delitos. Não se esclarece de que forma e por que meios teria ele concorrido na execução dos supostos crimes.
Como deixa claro com elogiável honestidade a própria peça vestibular, a submissão do denunciado ao constrangimento de responder a processo penal deve-se exclusivamente à sua posição de presidente do Partido dos Trabalhadores.
Ora, se assim como nos casos de delitos societários, “ser sócio não é crime”, por analogia, ser presidente de partido político tampouco pode ser considerado, por óbvio, ilícito penal. Para que se possa validamente atribuir ao presidente do Partido dos Trabalhadores delito em princípio cometido no âmbito do próprio partido, é imprescindível que se decline na denúncia a suposta conduta de cada agente e o nexo entre a mesma e o alegado resultado criminoso.
Ao final da leitura da denúncia aqui combatida, fica sem resposta a pergunta imprescindível capaz de delimitar a responsabilidade do peticionário: afinal, o que fez ou deixou de fazer JOSÉ GENOÍNO NETO?
De se frisar – uma vez mais – que ser um dos dirigentes da cúpula do Partido dos Trabalhadores não acarreta, por si só, automaticamente, a responsabilidade pessoal – notadamente na esfera criminal – por todos os atos praticados pelo partido!
De fato, não encontra suporte mínimo na realidade do dia-a-dia – na razoabilidade, na plausibilidade, na verossimilhança – a simples suposição de que o presidente de um partido político de grande porte se dedique e participe de absolutamente todos os trâmites administrativos, políticos e sociais pertinentes à entidade.
Aliás, de se notar que um partido político estruturado como é o Partido dos Trabalhadores, ao contrário de uma empresa, não apresenta situação hierárquica entre seus dirigentes. Em outras palavras, não há relação de subordinação entre o presidente e qualquer outro secretário da agremiação. Há, sim, atribuições distintas e independentes previstas, no mais das vezes, no estatuto interno do partido.
Assinale-se particularidade contemplada pelo Partido dos Trabalhadores que reforça a autonomia de competências, prevendo e realizando eleições para os cargos do Diretório Executivo do partido (PED – Processo de Eleições Diretas) – que não eram, portanto, preenchidos através de indicações e nomeações.
E mais. Não bastasse o processo inovador e democrático de eleições internas, acrescente-se que JOSÉ GENOÍNO NETO assumiu a presidência do partido devido à saída do então presidente JOSÉ DIRCEU – chamado para compor o Governo Federal. Na ocasião, toda a Comissão Executiva do Partido dos Trabalhadores já havia sido eleita pelo Diretório Nacional, não havendo qualquer ingerência de sua parte para a escolha de seus integrantes e, também por isso mesmo, qualquer relação de hierarquia.
Em depoimento prestado à Polícia Federal, JOSÉ GENOÍNO NETO foi preciso ao delimitar suas funções:
“Que durante sua gestão como presidente do PT expressou publicamente em diversas oportunidades que não iria se ocupar de três tarefas: 1) da sede do partido, 2) das finanças partidárias, 3) das reivindicações de cargos públicos que o partido tinha junto ao governo; Que da mesma maneira, expressou que iria se ocupar da representação política do partido com as seguintes tarefas: 1) relação com a base do partido e os movimentos sociais, 2) relações do partido com suas bancadas no Congresso Nacional, 3) defesa do projeto do Governo LULA e 4) articulação das alianças políticas (...)” (fls. 4212, grifos nossos)
Em face da absoluta inexistência de qualquer elemento a indicar – sequer remotamente – que teria JOSÉ GENOÍNO NETO participado – ou ao menos tomado conhecimento – dos fatos tratados na vestibular, sua responsabilização criminal significaria deplorável arbítrio.
É inelutável que a simples condição de presidente de partido político não pode levar à presunção de que tenha o acusado aderido, conscientemente, à conduta supostamente delituosa, dela participando de qualquer modo.
E, de fato, por mais que a exigência de individualização das condutas possa ser mitigada nos chamados delitos coletivos, admitido o abrandamento dos requisitos inscritos no artigo 41 do Código de Processo Penal, é certo que o divórcio entre a denúncia e os elementos da realidade, com a definição da autoria calcada cegamente no cargo ocupado pelo denunciado, não pode ser admitida!
Portanto, de se rejeitar denúncia que imputa aleatoriamente pretensos delitos ao “núcleo central” do Partido dos Trabalhadores, sem a indispensável individualização das condutas de cada denunciado.
Caso contrário, admitir-se-ia o descumprimento do mandamento inscrito no artigo 41 do Código de Processo Penal e a ofensa aos princípios constitucionais insculpidos no artigo 5º, incisos XLV, LIV e LV (princípio da culpabilidade pessoal, do devido processo legal e da ampla defesa), bem como ao disposto no artigo 8º, item 2, b, do Pacto de San Jose da Costa Rica, segundo o qual “toda pessoa acusada de um delito tem direito à comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada”.
Diante deste quadro, o recebimento de denúncia inepta, que, sem lastro em um único indício de participação, houve por bem atribuir objetivamente a autoria ao presidente e integrante da cúpula do Partido dos Trabalhadores, constituiria flagrante constrangimento ilegal.
Aguarda-se, pois, o imediato repúdio à inicial, por ser medida de JUSTIÇA!
III - A FALTA DE JUSTA CAUSA
A acusação desfechada contra o denunciado – frise-se, de forma inepta – funda-se, única e exclusivamente, nas declarações do ex-deputado federal ROBERTO JEFFERSON, originalmente veiculadas pela imprensa e depois prestadas na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados e na CPMI dos Correios.
Segundo o introdutório da peça inaugural:
“(...) o ex Deputado Federal Roberto Jefferson, então Presidente do PTB, divulgou, inicialmente pela imprensa, detalhes do esquema de corrupção de parlamentares, do qual fazia parte, esclarecendo que parlamentares que compunham a chamada ‘base aliada’ recebiam, periodicamente, recursos do Partido dos Trabalhadores em razão do seu apoio ao Governo Federal, constituindo o que se denominou como ‘mensalão’. (...)
O ex Deputado esclareceu ainda que a atuação de integrantes do Governo Federal e do Partido dos Trabalhadores para garantir apoio de parlamentares ocorria de duas formas: o loteamento político dos cargos públicos, o que denominou ‘fábricas de dinheiro’, e a distribuição de uma ‘mesada’ aos parlamentares.(...)
No depoimento que prestou na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados e também na CPMI ‘dos Correios’, Roberto Jefferson afirmou que o esquema pelo mesmo noticiado era dirigido e operacionalizado, entre outros, pelo ex Ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu, pelo ex Tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, e por um empresário do ramo de publicidade de Minas Gerais, até então desconhecido do grande público, chamado Marcos Valério, ao qual incumbia a distribuição do dinheiro.(...)
Relevante destacar, conforme será demonstrado nesta peça, que todas as imputações feitas pelo ex Deputado Roberto Jefferson ficaram comprovadas.
Tanto é que o pivô de toda essa estrutura de corrupção e lavagem de dinheiro, o publicitário Marcos Valério, beneficiário de importantes contas de publicidade no Governo Federal, em sua manifestação de pseudo-interesse em colaborar com as investigações, apresentou uma relação de valores que teriam sido repassados diretamente a parlamentares e outras pessoas físicas e jurídicas indicadas por Delúbio Soares (...).” (fls. 07/09)
O simples prelúdio da peça inicial já antecipa o que as mais de cem páginas seguintes da denúncia apresentam como prova apta a ensejar o recebimento da denúncia em desfavor do denunciado JOSÉ GENOÍNO NETO: nada!
À parte a vaga imputação de condutas delituosas a “integrantes do Governo Federal e do Partido dos Trabalhadores”, não há menção a qualquer comportamento supostamente ilícito praticado pelo denunciado.
É bem verdade que, da leitura de nota de rodapé apostada às fls. 07 da denúncia, consta o depoimento do ex-deputado ROBERTO JEFFERSON, arrolado como testemunha de acusação de JOSÉ DIRCEU no processo que tramitou perante o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, em que, num discurso marcado pelo deboche, deixou consignado o seguinte:
“(...) não vou acusar o PT, mas a cúpula do PT, gente dele [de JOSÉ DIRCEU] – Genoíno, Sílvio Pereira, Delúbio –, gente dele, que ele faz questão de defender até o último momento, quando conversou comigo. ‘Eu quero proteger o Silvinho e o Delúbio, que estão sendo envolvidos nisso’. (...) Esquece de se referir a saques milionários do Marcos Valério feitos um dia antes de ir ao seu gabinete na Casa Civil. O jornal O Globo hoje faz a ligação das datas. Mas o Deputado José Dirceu não sabia de nada disso que acontecia no Brasil. (...), eu ratifico, eu reitero, eu reafirmo, Sr. Relator. José Genoíno era o vice-presidente do PT. O Presidente de fato era o José Dirceu (...)”
As ilações do ex-deputado federal ROBERTO JEFFERSON não se apóiam em qualquer elemento probatório vertido aos autos.
Lamentavelmente, apesar da existência de mais de nove mil páginas de investigação, distribuídos em 44 volumes (além dos 105 volumes de apensos), a peça inicial acusatória opta por pautar-se nas afirmações de um deputado cassado que, diante dos meios de comunicação, devaneia a respeito dos acontecimentos, exagera nas histórias, cria situações inverídicas.
Não obstante, a própria denúncia, utilizando-se das mesmas palavras do denunciado ROBERTO JEFFERSON, exclui qualquer indício de autoria de JOSÉ GENOÍNO NETO ao relatar que:
“Roberto Jefferson afirmou que todas as tratativas sobre a composição política, indicação de cargos, mudança de partidos por parlamentares para compor a base aliada em troca de dinheiro e compra de apoio político foram tratadas diretamente com o ex Ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu. Tratavam, inclusive, sobre o ‘mensalão’, matéria que foi objeto de conversa entre ambos em cinco ou seis oportunidades.” (fls. 23 da denúncia)
De novo, à parte os excessos fantasiosos de ROBERTO JEFFERSON, importante registrar que o nome do denunciado não constou de suas declarações.
Apesar disso, desafortunadamente, entendeu por bem o douto Procurador-Geral da República denunciar JOSÉ GENOÍNO NETO como incurso nas condutas inscritas no artigos 288, 312 e 333, todos do Código Penal.
Vejamos: A denúncia inicia sua sanha acusatória imputando ao denunciado a prática do delito de quadrilha.
Já nesta oportunidade, a exordial acusatória, após abarcar indiscriminadamente as pessoas de JOSÉ DIRCEU, DELÚBIO SOARES, SÍLVIO PEREIRA e o peticionário como integrantes do “núcleo principal da quadrilha”, busca associá-los ao intitulado “núcleo publicitário”, composto por MARCOS VALÉRIO, RAMON HOLLERBACH, CRISTIANO PAZ, ROGÉRIO TOLENTINO, SIMONE VASCONCELOS, GEIZA DIAS, bem como ao chamado “núcleo Banco Rural”, constituído por JOSÉ AUGUSTO DUMONT (falecido), JOSÉ ROBERTO SALGADO, AYANNA TENÓRIO, VINÍCIUS SAMARANE e KÁTIA RABELLO.
De se sublinhar, prima facie, que o denunciado não conhece, nunca se reuniu e jamais manteve qualquer contato com as pessoas envolvidas no “núcleo publicitário” ou no “núcleo Banco Rural”. Avistou MARCOS VALÉRIO sim, mas não da maneira equivocada com que a denúncia expõe, qual seja:
“Na presente investigação apurou-se que, no segundo semestre de 2002, exatamente quando a vitória do PT no pleito eleitoral estava delineada, Marcos Valério, com a intermediação do Deputado Federal do PT/MG Virgílio Guimarães, foi apresentado a Delúbio Soares, Sílvio Pereira, José Genoíno e João Paulo Cunha, todos membros do comando do Partido dos Trabalhadores” (fls. 16 da denúncia)
Conforme restou demonstrado, o deputado VIRGÍLIO GUIMARÃES apresentou MARCOS VALÉRIO apenas a DELÚBIO SOARES e SÍLVIO PEREIRA. A denúncia e sua constante imputação alargada e genérica de condutas, sejam elas lícitas ou não (porquanto não é crime conhecer uma pessoa), não encontram qualquer amparo nas provas dos autos.
Neste diapasão, de se trazer à baila trecho das declarações prestadas por JOSÉ GENOÍNO NETO nos autos do Inquérito Policial, em que ficou claro quando conheceu MARCOS VALÉRIO:
“Que em julho de 2003 foi apresentado ao senhor MARCOS VALÉRIO FERNANDES DE SOUZA por DELÚBIO SOARES, durante uma solenidade pública no município mineiro de Ipatinga; Que desde então os encontros com MARCOS VALÉRIO eram sempre acompanhados de DELÚBIO SOARES e eram ocasionais; Que nunca tratou de nenhum assunto específico com MARCOS VALÉRIO, já que não tinha nenhuma ‘agenda’ com o mesmo; Que se recorda de alguns encontros ocasionais com MARCOS VALÉRIO, sempre acompanhado de DELÚBIO SOARES, na sede do Partido dos Trabalhadores; Que melhor dizendo, apenas encontrava este indivíduo nas dependências do PT, mas não tratava de nenhum tema com o mesmo; Que todo o relacionamento entre o Partido dos Trabalhadores e MARCOS VALÉRIO era intermediado por DELÚBIO SOARES; Que não tinha conhecimento de que MARCOS VALÉRIO estava emprestando dinheiro ao Partido dos Trabalhadores; Que igualmente desconhecia por completo o fato dos recurso financeiros emprestados por MARCOS VALÉRIO estarem saindo das empresas SMP&B e DNA; Que sequer conhecia a existência de tais empresas; Que nega que tenha efetuado qualquer ligação telefônica para MARCOS VALÉRIO ou mesmo para as empresas ligadas a este (...)” (fls. 4212)
Ora, encontros esporádicos, sejam eles na sede do Partido dos Trabalhadores, sejam eles em solenidades públicas não podem ser capitulados, por óbvio, em norma penal alguma. As conclusões ministeriais sobre o que se conversava nesses encontros necessitam de amparo em um mínimo de prova apta a ensejar uma persecução penal.
Mas isso não ocorre.
Ao contrário, a alegação do denunciado encontra inteiro respaldo nos demais elementos de prova colhidos no caso em tela. Com efeito, o denunciado DELÚBIO SOARES, nas oportunidades em que foi instado a se manifestar, apresentou versões uníssonas que se coadunam com a proposição do peticionário e com os fatos carreados aos autos (fls. 246, 366 e 3637).
Também o denunciado MARCOS VALÉRIO mantém a versão de que VIRGÍLIO GUIMARÃES tê-lo-ia apresentado a DELÚBIO SOARES e SÍLVIO PEREIRA (fls. 56, 355 e 727).
A corroborar tal assertiva, importante lembrar que o denunciado, em meados do segundo semestre do ano de 2002, concorria como candidato à eleição de Governador do Estado de São Paulo – inclusive no segundo turno – tendo, por esse motivo, se mantido afastado da campanha presidencial daquele mesmo ano.
Aliás, nesse período eleitoral, tampouco presidia o Partido dos Trabalhadores, cabendo tal atribuição ao denunciado JOSÉ DIRCEU.
Vencidas as eleições presidenciais, JOSÉ DIRCEU é chamado ao Ministério da Casa Civil, sendo a presidência do Partido dos Trabalhadores outorgada ao denunciado. Como já exposto, a Comissão Executiva já havia sido eleita anteriormente pelo Diretório Nacional do partido. Além disso, diante da divisão de atribuições dentro do partido, cabia ao Secretário de Finanças e Planejamento DELÚBIO SOARES captar recursos financeiros para fazer frente aos débitos do PT.
A defesa pede vênia, neste momento, para tratar de apenas dois empréstimos (os únicos em que consta o nome do denunciado) – devidamente registrados na prestação de contas do Partido dos Trabalhadores – tomados pelo denunciado DELÚBIO SOARES junto aos Bancos Rural e BMG.
Isso porque, embora seja tarefa exclusiva do Secretário de Finanças a obtenção de recursos financeiros, competia também ao presidente do partido, por condição estatutária, a assinatura de tais empréstimos.
Assim, a legalidade, a viabilidade, o cabimento das transações financeiras permaneciam a cargo do Secretário de Finanças, sendo a firma do presidente do partido requisito meramente formal para a execução do empréstimo.
Não por outro motivo, o denunciado DELÚBIO SOARES, ao explicar a obtenção dos empréstimos, foi categórico ao excluir qualquer responsabilidade de JOSÉ GENOÍNO NETO:
“Que JOSÉ GENOÍNO concordou que fosse obtido o empréstimo, mas não teve qualquer participação na escolha do avalista ou da instituição financeira que iria conceder o crédito” (fls. 248)
A fim de espancar qualquer dúvida, segue breve trecho das declarações prestadas por DELÚBIO SOARES perante o Procurador-Geral da República denunciante no presente feito:
“O declarante reconhece que foi de sua exclusiva responsabilidade a escolha da via do empréstimo bancário para a obtenção dos recursos necessários para custear as aludidas despesas, visto que lhe foi delegado pelo PT o caminho mais adequado para solução dos problemas financeiros.” (fls. 367/368 do apenso 85, grifamos)
Das transcrições acima mencionadas, resta claro que não cabia ao denunciado JOSÉ GENOÍNO NETO a celebração de contratos de empréstimo, tampouco a análise dos procedimentos adotados para sua obtenção.
Bem por isso, MARCOS VALÉRIO, avalista daqueles contratos, jamais menciona qualquer participação do peticionário.
De se ressaltar, nesta linha, a ausência cabal de qualquer registro de participação do peticionário em qualquer outra transação financeira porventura existente, conforme facilmente se comprova ante o absoluto vazio de indícios neste sentido.
Mas não é só.
Ao final do tópico que descreve a conduta criminosa prevista no artigo 288 do Código Penal, o ilustre Procurador-Geral da República conclui – infundadamente, diga-se – que o grupo de MARCOS VALÉRIO efetuava pagamentos em espécie, “utilizando-se das facilidades proporcionadas pelos dirigentes do Rural”, às “pessoas indicadas pelos dirigentes do PT denunciados” (fls. 37 da denúncia)
Quais seriam os dirigentes denunciados do Partido dos Trabalhadores a quem a exordial acusatória se refere? Todos? Quem seriam os favorecidos indicados por JOSÉ GENOÍNO? Todos? Como, quando e onde se deram essas indicações?
Silêncio sepulcral...
A denúncia, além de vaga e abstrata, não encontra guarida nos elementos probatórios encartados aos autos para fundamentar qualquer das imputações atribuídas ao denunciado.
Nesta ordem de idéias, de se rebater a injustificada inculpação proferida em desfavor do peticionário pela suposta prática do delito de peculato.
Sob o intróito “DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS”, a peça inaugural, mais uma vez generalizando condutas, deduz que:
“(...) Marcos Valério, já contando com o apoio operacional dos dirigentes do Banco Rural, ofereceu a sua estrutura a José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira e Delúbio Soares, além de outros integrantes do Governo ou do Partido dos Trabalhadores, com a finalidade de desviar recursos públicos e transferir valores não contabilizados para compra de apoio político e pagamento (pretérito e futuro) de campanhas eleitorais.
Em seus depoimentos na Polícia Federal e na Procuradoria Geral da República, Marcos Valério deixou bem claro que as empresas de publicidade vinculadas aos grupos políticos vencedores das eleições são beneficiadas nos contratos com a administração pública.
Nesse contexto, apurou-se que Marcos Valério, cujas empresas de publicidade mantinham contratos com o Banco do Brasil, Ministério do Trabalho e Eletronorte, logrou êxito, a partir do seu relacionamento com o Partido dos Trabalhadores, em renovar as avenças, o que seria pouco provável caso fosse um publicitário desconhecido de integrantes da cúpula do Governo ou do Partido, como por ele próprio declarado.
Também manteve a contratação com o Ministério dos Esportes firmada em 2001 e agregou uma das contas de publiciade dos Correios (licitação ocorrida em 2003).
Em dezembro de 2003, o seu relacionamento com José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e Sílvio Pereira, entre outros, rendeu-lhe resultados mais positivos ainda, pois obteve a importante conta de publicidade da Câmara dos Deputados, que se encontrava sob a Presidência do Deputado Federal João Paulo Cunha, cuja campanha à Presidência desse órgão foi realizada por uma das empresas dos denunciados Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino.” (fls. 42 da denúncia)
Não há, porém, uma única prova nos autos que autorize presumir que MARCOS VALÉRIO ofereceu sua estrutura a JOSÉ GENOÍNO NETO “com a finalidade de desviar recursos públicos e transferir valores não contabilizados para compra de apoio político e pagamento (pretérito e futuro) de campanhas eleitorais”!
Aqui há mera criação mental do Procurador-Geral da República. Nada mais.
Da mesma forma, não logrou a denúncia justificar de que forma o peticionário teria auxiliado MARCOS VALÉRIO na celebração e renovação de contratos de publicidade com empresas do setor público, Ministérios do Governo Federal e Câmara dos Deputados.
O denunciado JOSÉ GENOÍNO NETO, como presidente do Partido dos Trabalhadores, tinha função institucional e política. Nada existe nos autos que autorize concluir o contrário.
Mas a aventura acusatória não pára por aí. Quando se envereda na descrição da conduta capitulada no artigo 312 do Código Penal, a denúncia subdivide os supostos desvios de recursos públicos em quatro itens:
“CÂMARA DOS DEPUTADOS”, referindo-se ao elo formado entre MARCOS VALÉRIO e JOÃO PAULO CUNHA;
“CONTRATOS Nº 99/1131 E 01/2003 – DNA PROPAGANDA LTDA E BANCO DO BRASIL (PROCESSO TC 019.032/2005-0)”, que trata de contratos de publicidade;
“TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS DO BANCO DO BRASIL PARA A EMPRESA DNA PROPAGANDA LTDA POR MEIO DA COMPANHIA BRASILEIRA DE MEIOS DE PAGAMENTO – VISANET”, em que quantias do Fundo de Investimentos VISANET, constituído com recursos do Banco do Brasil S/A, foram transferidas ao grupo de MARCOS VALÉRIO;
“CONTRATO Nº 31/2001 – SMP&B/MINISTÉRIO DOS ESPORTES; CONTRATO Nº 12.371/2003 – SMP&B/EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT; CONTRATO Nº 4500002303 – DNA PROPAGANDA/CENTRAIS ELÉTRICAS DO NORTE DO BRASIL S.A./ELETRONORTE”, que dizem respeito a contratos mantidos pela administração pública federal com empresas do grupo de MARCOS VALÉRIO.
Diante da falta de um mínimo de prova de autoria e materialidade delitiva em face do denunciado, com acerto entendeu por bem a douta Procuradoria-Geral da República excluir o peticionário dos dois primerios e do último sub-itens.
Inexplicavelmente, optou por denunciar o peticionário pela transferência de recursos do Banco do Brasil para a empresa DNA Propaganda Ltda por meio do Fundo de Investimento VISANET, ao – sempre – abstrato argumento de que JOSÉ GENOÍNO NETO participava do “núcleo central da organização delitiva”.
JOSÉ GENOÍNO NETO, no exercício da presidência do partido político, não tinha qualquer influência nos contratos de publicidade celebrados pelo Banco do Brasil.
Tampouco era de sua função político-partidária manter contatos com o Diretor de Marketing do Banco do Brasil ou com o Ministro da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica do Governo Federal.
Finalmente, e conforme dantes demonstrado à exaustão, não cabia ao peticionário tratar de assuntos financeiros inerentes ao Partido dos Trabalhadores.
Partindo dessas premissas, seria insensato – para dizer o mínimo – deduzir que MARCOS VALÉRIO, “por ordem” de JOSÉ GENOÍNO NETO, ter-se-ia utilizado das antecipações concedidas pelo Banco do Brasil para “pagar propina e dívidas de campanhas eleitorais”.
Afinal, em quais provas documentais ou testemunhais teria se pautado a denúncia para se arriscar em imputar conduta de tamanha gravidade?!
Em quais páginas do processo se pode encontrar ligação (por menor que seja) entre o denunciado e a VISANET, que permitiu à douta Procuradoria-Geral da República denunciá-lo pela suposta prática do delito de peculato?!
Também esses questionamentos ficam sem resposta. A defesa em parte se frustra – ante o exagero de uma denúncia açodada –, em parte se conforta – diante de uma acusação sem um mínimo de elemento de prova apto a ensejar o recebimento da denúncia em desfavor do denunciado.
A exordial finaliza sua fantasia acusatória criada em face do peticionário, denunciando-o pelo pretenso delito de corrupução ativa.
Igualmente neste aspecto – como não poderia deixar de ser – imputa abstratamente o tipo penal inscrito no artigo 333 do Código Penal Brasileiro:
“Toda a estrutura montada por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira tinha entre seus objetivos angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políticos para formar a base de sustentação do Governo Federal.
Nesse sentido, eles ofereceram e, posteriormente, pagaram vultuosas quantias a diversos parlamentares federais, principalmente os dirigentes partidários, para receber apoio político do Partido Progressista – PP, Partido Liberal – PL, Partido Trabalhista Brasileiro – PTB e parte do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB.
Para a execução dos pagamentos de propina, José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira valeram-se dos serviços criminosos prestados por Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias.” (fls. 95 da denúncia)
No que tange ao Partido Progressista e a seus denunciados interligados (JOSÉ JANENE, PEDRO CORRÊA, PEDRO HENRY, JOÃO CLÁUDIO GENÚ, ENIVALDO QUADRADO, BRENO FISCHBERG e CARLOS ALBERTO QUAGLIA), relata a denúncia que “após formalizado o acordo criminoso com o PT (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira), os pagamentos começaram a ser efetuados pelo núcleo publicitário-financeiro” (fls. 97 da denúncia).
De se sublinhar, de antemão, que os denunciados JOÃO CLÁUDIO GENÚ, ENIVALDO QUADRADO, BRENO FISCHBERG e CARLOS ALBERTO QUAGLIA, ao serem ouvidos nos autos do presente Inquérito Policial, sequer citam o nome do peticionário.
Da mesma forma, o denunciado JOSÉ JANENE, líder do Partido Progressista na Câmara dos Deputados, ao ser inquirido perante a Coordenadoria de Assuntos Internos da Corregedoria-Geral da Policia Federal em Brasília, disse não saber “qual o representante do Partido dos Trabalhadores que comunicou a disponibilização dos recursos”. Aliás, também desconhecia “qual representante do Partido Progressista recebeu tal informação” (fls. 170).
PEDRO CORRÊA, por seu turno, mostra-se enfático quando nega ter participado “de reunião entre o Partido Progressista e o Partido dos Trabalhadores, com a presença de JOSÉ GENOÍNO e PEDRO HENRY, objetivando estabelecer uma cooperação financeira em troca de apoio político”. E foi mais além, relatando que “foi o Deputado JOSÉ JANENE quem informou ao declarante sobre o aporte de recursos financeiros oriundos do PT, tratado com DELÚBIO SOARES” (fls. 1993).
Na mesma linha se encontra o depoimento de JOÃO CLÁUDIO DE CARVALHO GENÚ que não faz qualquer referência a JOSÉ GENOÍNO NETO, tendo apenas acompanhado “JOSÉ JANENE em encontros que este teve com DELÚBIO SOARES” (fls. 580).
A denúncia relata que o Partido Progressista se utilizava das empresas Bônus Banval e Natimar para “obtenção dos recursos criminosos”. Também aqui, de se registrar que não há nos autos substrato fático algum que vincule o denunciado a tais empresas.
Diante do acima exposto, e da ausência de qualquer elemento mínimo de prova que demonstre “acordo criminoso” celebrado entre o denunciado e pessoas ligadas ao Partido Progressista, inexiste justa causa para o início de Ação Penal em desfavor de JOSÉ GENOÍNO NETO.
Também com relação ao Partido Liberal faltam provas e sobram fantasias acusatórias.
Neste caso, a denúncia entende que “os denunciados Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Antônio Lamas, juntamente com Lúcio Funaro e José Carlos Batista, montaram uma estrutura criminosa voltada para a prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro” (fls. 104 da denúncia).
Para tanto, ainda segundo a exordial acusatória – que, lamentavelmente, até o final mantém a mesma linha genérica e abstrata – restou consignado que:
“O acordo criminoso com os denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira foi acertado na época da campanha eleitoral para Presidência da República em 2002, quando o PL participou da chapa vencedora.” (fls. 105 da denúncia, grifamos)
Primeiramente, repita-se que o denunciado JOSÉ GENOÍNO NETO, quando da campanha eleitoral de 2002 era candidato, no primeiro e segundo turnos, ao Governo do Estado de São Paulo. Por essa razão, não participou da campanha eleitoral para Presidência da República; via de conseqüência, não pode ter acertado qualquer acordo com qualquer pessoa ligada ao Partido Liberal.
Além disso, em que pese o fato de a denúncia mencionar, por mais de uma vez, que os repasses de numerário realizados pelo grupo de MARCOS VALÉRIO foram ordenados pela cúpula do Partido dos Trabalhadores, não se encontra nos autos qualquer prova apta a imputar tal comportamento ao denunciado JOSÉ GENOÍNO NETO.
Com efeito, da análise minuciosa de todos os depoimentos destes denunciados envolvidos com o Partido Liberal, o nome de JOSÉ GENOÍNO NETO não aparece uma só vez.
De se abordar, ainda, a imputação de corrupção ativa atribuída ao denunciado em conluio com o Partido Trabalhista Brasileiro e seus parlamentares JOSÉ CARLOS MARTINEZ (falecido), ROBERTO JEFFERSON, ROMEU QUEIROZ e EMERSON PALMIERI.
Inevitavelmente repetitiva, a defesa, também nesta oportunidade, vem reiterar a ausência de material comprobatório que autorize concluir pela existência de qualquer liame entre o denunciado e as finanças do Partido Trabalhista Brasileiro.
Conforme já mencionado no preâmbulo desta defesa preliminar, a denúncia oferecida em face do peticionário guiou-se estritamente pelas discursos espetaculosos do ex-deputado federal ROBERTO JEFFERSON.
Quanto às reuniões entre partidos, nenhuma dúvida a respeito de sua existência, vez que confirmado por ambas as partes que eram comuns os encontros entre os presidentes dos partidos para tratar de assuntos políticos. Nesses encontros eram discutidas alianças, inclusive pelo denunciado, que tinha essa atribuição enquanto ocupava o cargo de presidente nacional do Partido dos Trabalhadores.
No entanto, o “apoio financeiro do PT” não era, nem nunca foi, tarefa a ser desempenhada pelo denunciado, vez que, como já dito e provado nos autos deste Inquérito Policial, pela divisão de competências dentro do próprio Partido dos Trabalhadores, cabia ao Secretario de Finanças DELÚBIO SOARES o controle e administração dos recursos financeiros do partido.
Aliás, não por outro motivo, são robustas as provas neste sentido, ao passo que permanecem no campo da imaginação as declarações prestadas pelo denunciado ROBERTO JEFFERSON, não encontrando lastro em nenhum documento vertido aos autos.
Pergunta-se: afora a oratória envolvente do deputado cassado ROBERTO JEFFERSON, o que há nos autos que comprove que JOSÉ GENOÍNO NETO, nas reuniões que realizou juntamente com outros membros de seu partido e na presença do ex-deputado federal, teria oferecido ajuda financeira ao Partido Trabalhista Brasileiro?!
Nem uma palavra sequer!
Por outro lado, sólidas e contudentes são as provas que afastam a responsabilidade penal do denunciado das práticas delituosas que lhe são imputadas.
Aliás, integrantes do próprio Partido Trabalhista Brasileiro são claros ao explicar de que forma ocorriam os repasses financeiros, nada mencionando a respeito de JOSÉ GENOÍNO NETO.
Finalmente, a denúncia entende por bem denunciar JOSÉ GENOÍNO NETO por corrupção ativa em face de suposto acordo firmado entre os dirigentes do Partido dos Trabalhadores e o deputado federal JOSÉ RODRIGUES BORBA do Partido do Movimento Democrático Brasileiro.
Também aqui mais uma vez não há nada nos autos que comprove a acusação ministerial. Há, sim, depoimento prestado pelo próprio denunciado JOSÉ RODRIGUES BORBA, que não cita, em nenhum momento, o peticionário.
De todo o exposto, verificam-se contundentes as provas carreadas aos autos para o fim de afastar qualquer responsabilidade penal do denunciado JOSÉ GENOÍNO NETO.
Ora, a persecução penal, em obediência ao princípio constitucional previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, deve estar amparada na existência de justa causa.
Para tanto, como condição necessária ao exercício do direito de ação, exige-se a presença de indícios probatórios suficientes da prática de fato típico e antijurídico supostamente praticado pelo agente culpável.
No presente feito, o que se verifica da denúncia oferecida em face de JOSÉ GENOÍNO NETO, lamentavelmente é fruto de imaginação, levando em conta a ausência cabal de um mínimo de conjunto probatório apto a ensejar o início de uma Ação Penal destinada ao malogro.
A falta de amparo da denúncia nas vastas investigações empreendidas no curso do Inquérito Policial, demonstra, por conseguinte, que inexiste justa causa para eventual persecução penal.
A acusação – que não se alicerça em nada de concreto no que toca ao defendente – é gravíssima. Por isso mesmo, a instauração de Ação Penal em seu desfavor, se por absurdo concretizada, constituirá insuportável injustiça.
JOSÉ GENOÍNO NETO, ao longo de mais de trinta anos dedicados à luta política por um Brasil mais justo, igualitário e fraterno, sempre se destacou, entre outras qualidades, por sua retidão ética e moral, por sua postura séria, equilibrada e honesta no trato da coisa pública.
É homem extremamente íntegro, probo, idôneo servidor da causa pública, portador de conduta, personalidade, vida, passado e trajetória política de todo incompatíveis com a prática de crimes.
Nasceu em Quixeramobim, no Ceará, Estado onde começou a militar como líder estudantil. Integrou a direção da União Nacional dos Estudantes (UNE), filiou-se ao PCdoB em 1968. Deixou os estudos, caindo na clandestinidade nos primeiros anos da ditadura militar, e acabou preso em abril de 1972 na guerrilha do Araguaia, à qual aderiu, como camponês, em 1970. Depois de cinco anos de cadeia e tortura, retomou a vida em São Paulo. Foi viver com uma companheira de cárcere, Rioco Kaiano, teve filhos e logo será avô. Trabalhou como professor de história no colégio Equipe e começou sua trajetória parlamentar, com cinco mandatos consecutivos como Deputado Federal.
Anistiado em 1979, JOSÉ GENOÍNO NETO ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores, que era gestado nos sindicatos do ABC. Em 1982, elegeu-se deputado federal pela primeira vez. Reeleito em 1986, integrou a Assembléia Nacional Constituinte. Neste período, teve a atuação marcada pelo conhecimento do Regimento Interno da Câmara. Foi duas vezes líder da bancada petista, em 1991 e 1999.
Reeleito para o quarto mandato, com 200 mil votos, JOSÉ GENOÍNO NETO disputou a Presidência da Câmara dos Deputados com um programa que se sustentava na valorização e na defesa da dignidade da atividade parlamentar, na reorganização da Câmara, no aprimoramento das suas funções e na total e absoluta transparência no exercício do mandato parlamentar.
Como membro permanente das Comissões de Justiça e de Defesa Nacional, o peticionário defendeu no Congresso o fim do sigilo bancário para políticos e ocupantes de cargos públicos, o fim da autorização da Câmara e do Senado para que fossem abertos processos contra os parlamentares por crime comum, a ética na política!
Em 1998 foi reeleito ao seu quinto mandato de deputado federal, com 307 mil votos, a maior votação para deputado federal do país naquele ano. Em 2002, JOSÉ GENOÍNO NETO, como já dito ao longo desta resposta, estava afastado do comando da campanha nacional do partido: foi o candidato do Partido dos Trabalhadores ao Governo do Estado de São Paulo, obtendo mais de 8 milhões de votos no dia 27 de outubro e foi o primeiro candidato na história do partido a disputar o segundo turno no Estado.
Assumiu a missão política de presidir o Partido dos Trabalhadores em dezembro de 2002, jamais se imiscuindo em questões administrativas e financeiras do partido, que estavam a cargo de outros dirigentes eleitos para tanto. Dado mesmo a seu perfil histórico, esmerou-se em cuidar das relações do partido com suas bases, com os movimentos sociais e com suas bancadas no Congresso Nacional, sempre no firme propósito de fazer a defesa intransigente de seu partido e do governo Lula. Despediu-se da nobre função, para melhor poder se defender da sanha irresponsável de seu detrator, em 9 de julho de 2005, quando desabafou: “A política tem o lado da poesia, mas também um lado não poético, que é duro, grave e dramático. Nesses 30 meses honrei o PT, fiz tudo achando que era o que estava correto”.
Ao longo de sua vida, portanto, exceção feita ao último período ditatorial amargado pelo país, jamais foi acusado da prática de qualquer irregularidade ou da prática de qualquer delito.
Todas as provas reunidas ao longo de meses de investigação, ou mesmo e mais enfaticamente, o vazio absoluto da ausência delas, apontam, já neste momento processual, para a inocência do peticionário.
Desde que viu seu nome irresponsavelmente enveredado na mais fantasiosa e torpe estória, vem adotando um só comportamento, escudando-se da maneira mais singela, dando luz à verdade nos foros apropriados.
Assim é que se contrapondo com a densidade, espessura, verossimilhança e coerência da verdade real, compareceu à chamada CPI do Mensalão, à Comissão de Ética da Câmara Federal (na qualidade de testemunha) e ao Departamento de Polícia Federal (onde não foi indiciado), apontando, sempre, a inconsistência total do implausível disse-que-disse promovido por uma única pessoa que absolutamente nada de concreto aponta em relação ao defendente.
Nestas oportunidades, com desassombro, respondeu francamente a todas as indagações formuladas, jogando pá de cal a qualquer questionamento revestido de mínima seriedade, sendo de todo desnecessária a dirimir qualquer dúvida, já que dúvida alguma há, a dilação probatória a ser realizada ao longo de um processo penal.
É inaceitável que o Parquet tenha se deixado seduzir por uma sanha persecutória rasa e míope, compactuando e rendendo-se às pressões do jogo político.
A ilegalidade e o arbítrio são mais gritantes e intoleráveis porque perpetrados perante a CORTE SUPREMA que, seguindo sua remansosa tradição, há de proclamar: basta de oco denuncismo incompatível com o Estado Democrático de Direito!
O caráter vexatório da persecução criminal fadada ao insucesso, mas capaz de macular o conceito de absoluta respeitabilidade de que o defendente goza na sociedade brasileira, não pode ser ignorado.
Por todo o exposto, o peticionário comparece às portas do Augusto SUPREMO TRIBUNAL, confiante na rejeição da denúncia, ofertada em seu desfavor, quer pela sua inépcia, quer pela falta de justa causa para a Ação Penal, por ser medida da mais lidima JUSTIÇA!
1 INQ 1.690/PE, trecho do voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 04.12.03, grifamos.
2 STJ, RHC 2882/MS, 6ª Turma, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em 17.08.93.