Trajetória

Versão para impressão  | Indicar para amigo

1968, 40 anos depois

Um olhar sobre o passado (2)

Revista Isto É
LIDERANÇA Vladimir Palmeira agita as massas

No Brasil, 1968 foi um ponto de inflexão: o ano em que a ditadura militar instalada quatro anos antes começou a perder o apoio da classe média, paradoxalmente, seria o mesmo em que começaria a ganhar fôlego o chamado “milagre econômico brasileiro”. Vivíamos a efervescência no fio da navalha: o pau comia solto entre estudantes e a polícia nas ruas do Rio de Janeiro, num processo de radicalização crescente. “É preciso estar atento e forte; não temos tempo de temer a morte”, dizia a canção. A rebelião se espraiava pelo front cultural, com o Cinema Novo e a Tropicália, passando pelo Grupo Opinião. Perto disso, a irreverência da Jovem Guarda não passava de uma doença infantil. E, enquanto nos Festivais da Canção se travavam batalhas entre os “engajados” e os “alienados”, os “desbundados” esperavam a Era de Aquarius. Toda essa agitação político-cultural terminaria em 13 de dezembro com o AI-5, que jogaria o País nas trevas e empurraria muitos jovens para a luta armada.

A violência, aliás, foi a parteira de 1968. E no Brasil ela seria anunciada simbolicamente, como uma premonição, no plano estético. Logo em janeiro, o diretor José Celso Martinez Correa estreou uma revolucionária montagem da peça Roda viva, de Chico Buarque de Hollanda. Era uma história quase banal, de um artista popular que se vê enredado pela sociedade de consumo e entrega sua carreira a um empresário inescrupuloso, que o transforma em ícone pop, mas também o leva à destruição e ao suicídio. Como vendera a alma ao diabo, seu fígado era destroçado em público. Nas mãos de Zé Celso, a peça inaugurou o “teatro da porrada”, com cenas picantes envolvendo assédio à Virgem por um anjo e até por Jesus, com direito a distribuição de fígado de boi à platéia. Nas palavras de Zuenir Ventura, “talvez nunca – nem antes nem depois – os palcos nacionais tenham assistido a uma explosão visual, sonora e gestual tão virulenta como esta que inaugurou no Brasil o ‘Teatro da agressão’ ou ‘Teatro da grossura’. A peça não só agredia o público – intelectualmente, formalmente, sexualmente, politicamente, conforme queria o próprio diretor – como contestava todas as formas e propostas artísticas anteriores”. Messiânico, Zé Celso dizia que “é preciso provocar o espectador, chamá-lo de burro, recalcado, reacionário”. Ele queria uma guerra contra “a cultura oficial, de consumo fácil”. E, como que antevendo o que viria depois na arena política, arrematava: “É a emergência de uma arte brasileira violenta, o sinal que antecede as grandes revoluções nos campos social e político. E todo mundo tem medo da arte que se fará agora no País. Pois ela será esmagadora, perigosa.”

...Parte 3...

Busca no site:
Receba nossos informativos.
Preencha os dados abaixo:
Nome:
E-mail: