Trajetória

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1968, 40 anos depois

Um olhar sobre o passado (5)

Revista Isto É
PIVÔ Por causa de “Caminhando”, de Vandré, Tom Jobim foi vaiado

A radicalização também chegou às platéias dos festivais. “Na última semana de setembro, o III Festival Internacional da Canção transformou a intolerância em espetáculo e a exibiu para todo o País – ao vivo e ao som de vaias”, conta Zuenir Ventura. Na noite de 28 de setembro, no Teatro da Universidade Católica (Tuca), em São Paulo, dúzias de ovos, tomates e bolas de papel impediram que Caetano Veloso cantasse É proibido proibir. Fiel à estrofe que dizia “eu digo não ao não”, Caetano reagiu com um discurso irado, mas perfunctório: “Vocês não estão entendendo nada, nada, absolutamente nada (...) Mas que juventude é essa, que juventude é essa? Vocês são iguais sabe a quem? Àqueles que foram ao Roda viva e espancaram os atores. Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada! (...) Se vocês, se vocês em política forem como são em estética, estamos feitos!”

Mas não adiantou nada, absolutamente nada. Dias depois, quando o júri anunciou a vitória de Sabiá, um de seus autores, ninguém menos que Tom Jobim, apareceu no palco e foi sonoramente vaiado durante 23 minutos. A platéia do Maracanãzinho não se conformava com o fato de que sua preferida, Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, ficasse em segundo lugar. Era uma guarânia, mas que tinha versos fortes que mexiam com o Zeitgeist (espírito da época) do público, falando em “soldados armados, amados ou não/quase todos perdidos de armas na mão/Nos quartéis lhes ensinam antigas lições/De morrer pela pátria e viver sem razões”. E arrematando com o refrão: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.” O secretário de Segurança Pública do Rio, general Luís França, proibiu a música sob a alegação de que ela serviria de slogan para a agitação das ruas. Vandré, que não compactuava com a intolerância do público, pagaria caro por “Caminhando”: depois do AI-5, foi preso, exilado e, quando voltou, em 1973, fez um mea-culpa que até hoje ninguém entendeu. Anos depois, Millôr Fernandes definiria Caminhando: “É o hino nacional perfeito; nasceu no meio da luta, foi crescendo de baixo para cima, cantado, cada vez mais espontânea e emocionalmente, pelo maior número de pessoas. É a nossa Marselhesa.”

A longa noite dos generais só terminaria em 1985, depois de um sinuoso processo de transição negociada – e não de ruptura, como queriam muitos dos protagonistas de 1968. Alguns deles, sobreviventes daqueles tempos sombrios, chegaram ao poder décadas depois, como o ex-deputado José Dirceu e o ministro Franklin Martins. Quarenta anos depois, pode-se dizer que o legado daquele ano que quis mudar tudo foi, principalmente, o singelo apreço por valores como a democracia e a defesa dos direitos humanos – valores esses que não estavam necessariamente inscritos no DNA das rebeliões daquele ano. Foi preciso que fizéssemos a dura travessia do deserto dos “anos de chumbo” para aprender a lição. Como lembra o jornalista Cid Benjamin, que era estudante de engenharia da UFRJ e um dos vice-presidentes da União Metropolitana de Estudantes (UME): “A maioria dos jovens daquela época não tinha na cabeça a defesa da democracia. A marca daquele tempo foi mesmo a rebeldia.” Para Benjamin, que participou da luta armada pelo MR-8, foi preso e banido em 1970, o consenso em torno da democracia se fortalece em sociedade onde houve ditadura. “É o tipo de coisa a que só damos importância quando perdemos.” Mesmo com suas imperfeições, como a corrupção e o tráfico de influência. “A democracia não é solução para tudo, tem os seus problemas. Mas a falta dela é pior que tudo isso”, conclui o jornalista. “Acho que existe uma ligação profunda entre 68 e o apreço que o brasileiro demonstra ter pela democracia, contra as tiranias”, diz Arthur José Poerner, autor de O poder jovem. “O espírito de 68 está presente em toda a nossa opção pela democracia hoje”, conclui.

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