Trajetória

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1968, 40 anos depois

A pior noite (2)

Revista Isto É
CARTA MARCADA O fechamento do Congresso era planejado havia meses

O marechal Costa e Silva sabia muito bem o que tinha de fazer para continuar na Presidência. Desde a marcha dos 100 Mil contra a ditadura, no fim de junho, os militares da linha dura cobravam uma ação enérgica. Gaminha não escondia que seu sonho era o fechamento do Congresso. Finalmente, era chegada a hora. Numa reunião preliminar, às 13 horas, o presidente comunicou suas decisões aos chefes militares, "em caráter sigiloso". Às 16 horas, foi examinado por seu médico e uma hora depois deu início à reunião do CSN. Com o presidente na cabeceira, sentaram-se à mesa 24 autoridades. Costa e Silva fez um pequeno discurso introdutório e retirou-se da sala por 15 minutos para que os conselheiros lessem a íntegra do AI-5. Quando voltou, deu a palavra ao vice-presidente da República, Pedro Aleixo, político liberal da UDN mineira. Aleixo defendeu um remédio constitucional - o estado de sítio - e atacou o conteúdo autoritário do AI-5. "Estaremos instituindo um processo equivalente a uma própria ditadura", advertiu. Mas ficou por aí. "Em nenhum momento ele disse diretamente que condenava a promulgação do Ato", afirma o jornalista Elio Gaspari, no livro A ditadura envergonhada, primeiro dos quatro volumes que escreveu sobre o regime militar. Todos os outros presentes deram apoio ostensivo à medida de força. O jovem e ambicioso ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto, achou pouco e pediu mais poderes para legislar sobre matéria econômica e tributária: "Estou plenamente de acordo com a proposição que está sendo analisada no Conselho. E se Vossa Excelência me permitisse, direi mesmo que creio que ela não é suficiente." Porém, a frase que entrou para os anais como exemplo de oportunismo e vassalagem foi da lavra do ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, coronel da reserva que surgira na política do Pará em 1964: "Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência."

Sem escrúpulos em relação à ditadura, o AI-5 foi aprovado por unanimidade, à exceção de Pedro Aleixo. "Quando as portas da sala se abriram, era noite. Duraria dez anos e dezoito dias", resumiu Gaspari, ao narrar a malfadada reunião. Tanto ele quanto Zuenir Ventura, autor de 1968, o ano que não terminou, com base nos depoimentos que colheram, concluíram que o episódio que envolveu Márcio Moreira Alves foi mero pretexto para a linha dura. "O discurso do Marcito não teve importância nenhuma. O que se preparava era uma ditadura mesmo. Tudo era feito para levar àquilo", afirmou Delfim Netto a Gaspari, em meados dos anos 80. Marcito pediu a palavra no pinga-fogo da Câmara, no dia 2 de setembro, para criticar a invasão da Universidade de Brasília por PMs e agentes do Dops em 29 de agosto. Ele acabara de assistir em São Paulo à peça Lisístrata, do grego Aristófanes, na qual a personagem principal incita as mulheres de Atenas a não se deitarem com seus maridos enquanto eles não pusessem fim à guerra contra Esparta. Inspirado no texto clássico, o deputado sugeriu uma greve feminina contra os militares durante as comemorações da Semana da Pátria. E perguntou: "Até quando o Exército vai ser valhacouto de torturadores?" No dia seguinte, só a Folha de S.Paulo publicou um pequeno registro num pé de página. A linha dura, entretanto, não perdeu tempo. Em poucas horas, foram distribuídas nos quartéis dezenas de cópias do texto. Nas palavras de Heráclito Sales, assessor de imprensa de Costa e Silva: "Foi como uma chuva sobre o Palácio. Uma chuva torrencial de telegramas de todas as guarnições militares, exigindo punição para o autor do discurso. Uma coisa organizada."

...Parte 3...

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