Trajetória

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ESCOLHAS POLÍTICAS

Um exemplar da geração de 1968

José Genoino – Escolhas Políticas, de Maria Francisca Pinheiro Coelho. Centauro Editora, 2007, 512 páginas.
por Vitor Leal Santana

Maria Francisca Pinheiro Coelho, com visão sociológica e política dos fatos, traça um perfil biográfico de uma das figuras mais importantes da história política brasileira recente. As escolhas e os caminhos de José Genoino foram moldados pelo sentimento coletivo de uma geração marcada pelo inconformismo e desejo de mudança política e social do país e, por que não dizer, do mundo.

Os inúmeros documentos, autos dos processos judiciais, entrevistas concedidas à mídia, artigos publicados em jornais, projetos de leis e discursos no parlamento foram fundamentais na construção da história de vida e do pensamento político de Genoino. A autora não pretendeu de maneira alguma fazer juízo moral e muito menos uma defesa histórica dos valores do biografado. Isso pode ser percebido no uso que faz das mais de trinta horas de entrevistas realizadas com ele ao longo da pesquisa.

A entrada de Genoino na política se deu mais precisamente quando se transferiu, ainda adolescente, de Quixeramobim, no Ceará, para Senador Pompeu para estudar a convite do padre João Salmito. Desde cedo se envolveu em grêmios estudantis e no movimento da Teologia da Libertação. Logo em seguida, com a mudança para Fortaleza para cursar as faculdades de Filosofia e Direito, Genoino se entregou inteiramente à ação política, tornando-se conhecido no movimento estudantil ao se eleger, em 1968, presidente do Diretório Central dos Estudantes.

O Congresso de Ibiúna, em outubro de 1968, foi um marco para o movimento. A prisão de todos os delegados deu continuidade às ações coercitivas do Estado. Com a decretação do AI-5, em dezembro de 1968, José Genoino entrou para a clandestinidade. Como militante do PCdoB, aderiu à proposta de Guerra Popular Revolucionária. Era esse o ideal da Guerrilha do Araguaia, uma luta que se iniciaria no campo e com o tempo deveria ter o apoio da população próxima e se expandiria para todo o país. Com essa perspectiva, um grupo de 69 militantes – a maioria estudantes – partiu para a região amazônica em meados de 1970 para o treinamento e a preparação para a luta armada. O ápice do livro se encontra nos relatos emocionados de Genoino sobre tal período.

Genoino, talvez por uma incrível obra do acaso, se salvou ao ser preso ainda no início da luta, em abril de 1972. Passando-se por um sertanejo, aparência que não deixava dúvidas, ele apenas foi identificado algum tempo depois na prisão em Brasília. Após isso, passou a sofrer torturas de todas as formas, sendo constantemente interrogado sobre a luta armada e os personagens da guerrilha.

Permaneceu preso ainda por cinco anos. Mas, aos poucos, a tortura sobre ele foi diminuindo, uma vez que sua condição de preso foi divulgada e ele teve direito à defesa no processo junto às cortes de Justiça. A carta que Genoino apresentou no dia de seu julgamento tem caráter simbólico e muito especial. Tal documento foi escrito com o racionalismo de um sobrevivente, mas registra também um sentimento de culpa por ter sobrevivido quando, conforme ele mesmo coloca, “os guerrilheiros estavam muito mais preparados para morrer”. Esse documento está no livro de Maria Francisca, assim como diversos relatos e revelações da guerrilha, resultado de quase dez anos de pesquisa.

Genoino fez parte de uma geração de grande efervescência política e cultural. Muitos daquela geração se tornaram símbolos de luta e esperança. Com o tempo, seus ideais foram se conformando com os valores da nova ordem constitucional, fundada na garantia dos direitos fundamentais e da cidadania. Novas estruturas de ação social e de relacionamento foram sendo moldadas em seu pensamento político na medida em que o regime democrático se consolidava.

Como um democrata radical, suas escolhas foram em direção a um novo posicionamento político, que acabou por distanciá-lo da esquerda ortodoxa. Genoino buscou se adequar aos princípios estabelecidos, mantendo a fidelidade partidária que o caracterizou desde os tempos da militância no Partido Comunista. O que hoje defende politicamente pouco se assemelha com os ideais utópicos construídos a partir dos valores daquela geração. O sectarismo dos tempos do movimento estudantil e da guerrilha deu lugar à moderação de seus discursos e de suas ações.

José Genoino e muitos outros que habitam o campo da política nos dias de hoje fizeram parte de uma geração que sonhou, que reivindicou mudanças profundas na sociedade, mas também se entregou à política e se adaptou às regras fundadas pelos constituintes de 1988. Maria Francisca retrata com extrema competência a trajetória de vida de Genoino, sem se esquecer do ambiente político atual.

A suposta contradição ideológica, sua mudança de posicionamento ao longo dos últimos vinte anos, não deve ser desvinculada da mudança social e política pela qual passou o país e também a pessoa José Genoino. Maria Francisca Pinheiro Coelho nos oferece uma excelente oportunidade para desvendar a vida e o pensamento político de Genoino e, por que não, da geração de 1968. Alguns valores talvez não mudem nunca. O que se altera é o contexto no qual somos inseridos e a interpretação que damos a determinados valores em tempos históricos específicos.

Vitor Leal Santana é cientista político pela Universidade de Brasília, Bolsista do CNPq em projeto sobre o Comportamento Político Atual da Geração de 1968

Fonte: Teoria e Debate

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