Trajetória

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Atuação Parlamentar

As tragédias e a cultura predatória

Muitas pessoas acreditam que as tragédias que vitimaram centenas de pessoas este ano no Brasil se devem à fatalidade ou ao destino. O fato de uma pessoa estar “naquele lugar” e “naquele momento”, com efeito, pode parecer uma obra do destino. Ocorre que as tragédias têm causas materiais e estas geralmente estão associadas a responsabilidades. Os referentes das responsabilidades ou são pessoas privadas ou autoridades públicas, mas quase sempre as duas partes. As tragédias do Bateau Mouche, das enchentes que ocorrem todos os anos nas grandes cidades, dos Mamonas Assassinas, dos sem-terra no sul do Pará, da hemodiálise em Caruaru, dos idosos da Clínica Santa Genoveva, do Osasco Plaza Shopping, da favela de Heliópolis etc. estão associadas à irresponsabilidade criminosa de empresas e pessoas privadas e à omissão e/ou conivência não menos criminosas de autoridades públicas.

Esta situação expressa a ganância privada e a falta de fiscalização por parte do Poder Público que ou se omite ou se deixa corromper fazendo vista grossa a irregularidades. Além da omissão, deve-se ter consciência de que o Poder Público não cumpre suas funções de fiscalização por estar quebrado materialmente e por não ter uma legislação adequada, capaz de coibir os abusos e as irregularidades. A ação lenta da Justiça e a falta de efetiva punição dos responsáveis também estimulam a irresponsabilidade. A falta de prevenção, de fiscalização e de punição vêm aumentando o risco de morte e banalizando a própria vida das pessoas. Afinal de contas, as vítimas do trânsito, da violência, dos acidentes de trabalho, das explosões de botijões de gás, das enchentes etc. contam-se às centenas diariamente.

Mas a impunidade, a demora da Justiça em julgar casos como esses e a falta de fiscalização ou de aplicação da lei estão reforçando na sociedade brasileira a cultura do cinismo predatório. A disseminação desta cultura produz vários efeitos: de um lado, as pessoas desacreditam da capacidade do Poder Público de assegurar segurança e direitos. De outro lado, os espertalhões querem tirar o máximo proveito, mesmo que isso custe vidas, pois agem com a certeza da impunidade. Apostam no famoso “jeitinho brasileiro” e no esquecimento. O informalismo da vida social cresce e cada um procura resolver as questões e as disputas à sua maneira. A erosão das normas de convivência e do estatuto normativo jurídico alastra a “guerra de todos contra todos”, onde cada um procura prevenir-se contra o outro e ao mesmo tempo procura tirar vantagens pela esperteza e pela fraude, explorando a fraqueza ou a ingenuidade de seus semelhantes.

Neste ambiente, os códigos de honra de grupos ou pessoais prosperam, viceja a cultura de “máfia” e o crime organizado se impõe. Ganhar a vida sem suor, mas às custas do sangue e da desgraça alheia, vai assumindo cada vez mais um sentido de normalidade neste ambiente de selvageria social. A cultura predatória, que é incentivada pelo Poder Público, estimula a sonegação de impostos, as infrações de trânsito, a corrupção, fumar em lugares proibidos, degradar o meio ambiente, enganar o consumidor, a falta de compromissos, o desleixo com a segurança da população e toda a sorte de informalidades e ilegalidades que se possa imaginar.

O cidadão comum está desprotegido e abandonado e cabe ao Poder Público garantir-lhe proteção e segurança. As tragédias provocadas pela irresponsabilidade atingem em maior grau os excluídos, mas começam a atingir também os incluídos. O alastramento da cultura predatória e o dilaceramento do tecido social estão atingindo níveis tão alarmantes que exigem uma reconstrução urgente das funções fiscalizadoras, normativas e punitivas do Poder Público e o desencadeamento de uma campanha cívica que reponha valores mínimos de convivência social e de respeito à vida. O estado da lei e da ordem deve ser resgatado para que a sociedade civilizada seja capaz de opor-se à barbarização das relações sociais. A situação do Brasil é tão grave que, além de termos mais de 40 milhões de brasileiros sem acesso à cidadania mínima, mergulhamos numa situação onde toda a sociedade já não conta com a segurança necessária e com a garantia de vida.

 

Jornal da Tarde

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