Trajetória

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Atuação Parlamentar

Contribuição sindical e corporativismo

No debate sobre o sindicalismo brasileiro há um consenso acerca do fato de que a manutenção do imposto sindical obrigatório e da unidade sindical representam a manutenção de dois mecanismos introduzidos no Estado Novo, sob a inspiração da Carta del Lavoro de Mussolini. A função que o Estado fascista italiano emprestava aos sindicatos baseava-se na doutrina do corporativismo. Ou seja, idealizava a organização da coletividade com base na associação representativa dos interesses e das atividades profissionais, definidas como corporações. Não raro, atribui-se a essas associações o papel de representação dos interesses políticos dos associados, em contraposição ao modelo da democracia representativa.

Um dos objetivos principais do modelo corporativo consiste na superação ou na neutralização dos conflitos sociais, tais como concorrência econômica, a luta entre o capital e o trabalho e o conflito ideológico. Há uma diferença substancial entre o modelo corporativo de representação de interesses e o modelo do sindicalismo que nasceu com a Revolução Industrial. Este último não se baseia na conciliação de interesses, mas na explicitação do conflito social em suas diversas formas. A dinâmica histórica do sindicalismo consiste na luta pela ampliação do horizonte de direitos dos setores subalternos, particularmente, dos direitos sociais. Ela se alimenta de lutas e negociações em torno de bandeiras reivindicativas relacionadas ao melhoramento do nível de vida e das condições de trabalho dos que vendem a força-trabalho.

O corporativismo de derivação fascista tem uma ambição unitarista, subordinando à unidade nacional-estatal aquelas unidades complexas e plurais que se esparramam pelo corpo social. Desta forma, no corporativismo, as corporações se subordinam ao Estado, são organismos semi-estatais ou paraestatais. Tanto a unidade sindical como a obrigatoriedade do imposto sindical que persistem no Brasil têm um parentesco muito próximo a essa doutrina. O sindicalismo moderno, além de explicitar o conflito social, condição essencial da sociedade democrática, se contrapõe também ao Estado. Esta contraposição está fundada na reivindicação de mudanças na ordem jurídica, visando remover os obstáculos que impedem a afirmação de direitos e que cristalizam uma determinada ordem material que precisa ser mudada. Os sindicatos, nesta concepção, expressam organizações autônomas da sociedade civil, onde a articulação livre dos interesses e a liberdade de associação dos membros vai conferir-lhe o princípio da responsabilidade individual e coletiva pelos atos que são praticados por esses organismos.

É preciso perceber que a manutenção da ingerência do Estado na organização sindical fere um dos princípios constitucionais mais importantes dos Direitos e Garantias Fundamentais. Isto é, a liberdade de associação. A liberdade de associação é arrestada pela obrigatoriedade de contribuição e pela imposição de um modelo unitário na base organizativa do movimento sindical. Esta imposição do Estado fere, também, o princípio da organização autônoma da sociedade civil ao pretender moldá-la segundo suas conveniências. Já existe uma consciência acumulada nos meios sindicais e políticos sobre a perniciosidade que a unicidade e a compulsoriedade da contribuição sindical implicam. O imposto sindical obrigatório tornou-se o sustentáculo de burocracias sindicais ineficientes, que degradam e enfraquecem a representação dos interesses das categorias. Estes vícios se manifestam tanto em entidades de trabalhadores como em entidades patronais. Estas últimas, talvez, sejam as que mais resistem às mudanças na legislação sindical.

O fim do imposto sindical compulsório e a garantia de liberdade de organização sindical são imperativos da afirmação da sociedade democrática e da modernização das relações capital-trabalho. A manutenção do modelo tradicional aprisiona a agenda do movimento sindical a uma pauta velha, incapaz de dar conta dos novos desafios. As dificuldades com que a maior parte dos sindicatos se move para enfrentar problemas, com as conseqüências da revolução tecnológica nas relações de trabalho, a dinâmica do desemprego que a ela se associa, as mudanças na natureza e nas formas das atividades ocupacionais e profissionais, a necessidade de mudar a estrutura organizativa e de negociação, todas essas dificuldades aparecem a olhos vistos. É em torno destas questões que os sindicatos precisam reformular suas agendas.

O desatrelamento dos sindicatos do Estado, a superação do seu enrijecimento burocrático, o surgimento de uma estrutura organizativa baseada na capacidade de auto-organização e na liberdade de opção dos indivíduos parecem condições essenciais para que o sindicalismo sofra um impacto renovador. Os temas da nova agenda não podem mais ser tratados apenas a partir do ângulo dos interesses de cada categoria. Eles implicam uma interlocução com a sociedade. As próprias lutas específicas das categorias, nas sociedades complexas como as de hoje, precisam de um título de legitimação mais amplo, que só será conferido na medida em que os sindicatos forem capazes de sair da redoma corporativa em que estão metidos.

 

Correio Braziliense

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