Trajetória

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Atuação Parlamentar

Crescimento econômico e distribuição de renda

O SR. JOSÉ GENOINO (PT-SP) – Sr. presidente, solicito a V. Exª. a transcrição de um artigo de minha autoria nos Anais desta Casa. Trata-se de um relatório muito forte da Organização Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Humano, com os indicadores do desenvolvimento humano e a relação do Brasil com o resto do mundo. Pela importância desse relatório e da temática que ele aborda, que é o crescimento e a distribuição de renda, tendo como referencial os valores do desenvolvimento humano, solicito mais uma vez a V. Exª. a transcrição desse artigo nos Anais desta Casa.

 

Crescimento econômico e distribuição de renda

 

“Crescimento econômico é o melhor remédio para os problemas sociais.” Esta máxima dos economistas conservadores, que em parte foi assumida pelo atual governo, está sendo desmentida não só pelo processo de industrialização dos últimos 40 anos nos países do Terceiro Mundo, mas também pelo relatório anual do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), divulgado na última semana. O relatório, que avalia 174 países tendo como referência o ano de 1993, revela que não só a diferença entre as populações ricas e pobres está ficando maior, mas que a diferença entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento também está crescendo. Os abismos estão se agravando de tal forma que o relatório chega a antever não só uma situação de injustiça e iniqüidade, mas uma situação de desumanidade.

A reportagem principal de O Globo do último dia 16 é para deixar o País inteiro envergonhado. Não que ela revele algo de que já não soubéssemos. O que fica claro é que estamos demonstrando uma incapacidade histórica e uma falta de vontade política de superar o apartheid social. Com base no relatório da ONU, confirma-se que o Brasil tem a pior distribuição de renda da América Latina e uma das piores do mundo. Os dados positivos na distribuição de renda proporcionados pelo Plano Real e não captados pelo relatório não mudam, no fundamental, esta situação. O relatório traz ainda outro dado, amplamente divulgado pela imprensa, que chega a causar espanto e incredulidade: 358 bilionários têm mais riquezas do que os rendimentos de 45% da população de todo o mundo.

Mas voltando à máxima dos economistas, de fato, sem crescimento econômico se precarizam as condições de enfrentamento dos problemas sociais. Em períodos de estagnação e recessão, decresce o nível de emprego, minguam os investimentos públicos e privados e o Estado perde receitas para financiar políticas públicas. Mas o relatório da ONU deixa claro que o crescimento econômico não é suficiente para garantir a melhoria das condições de vida e de renda das sociedades modernas. Pelo contrário, deixado à própria inércia e espontaneidade, pode agravar as diferenças sociais.

Vivemos numa época em que se celebra o triunfo da democracia. A maior parte dos Estados totalitários e autoritários ruiu por conta das lutas pela liberdade e pela incapacidade e ineficiência em garantir bem-estar a seus povos. O período recente da História humana foi marcado pela contraposição entre dois modelos políticos, ideológicos e econômicos. Na esfera da economia tivemos a polarização entre o estatismo e a economia de mercado. Se o estatismo mostrou-se ineficiente e incompatível com as sociedades modernas de tecnologia avançada, a economia de mercado revela-se incapaz de solucionar o problema da eqüidade. Eqüidade, aqui, não significa igualdade de renda, aspiração que também não parece estar no horizonte da humanidade contemporânea. A eqüidade está relacionada com a justiça e com a garantia de condições mínimas de bem-estar e de provimento de capacidades básicas aos indivíduos, como educação e saúde.

Importa constatar que, com o desmoronamento da polarização ideológica, na esfera econômica ingressamos na “era do julgamento prático”, como define o economista John K. Galbraith em seu recente livro A Sociedade Justa. Nesta era, a ideologia e a doutrina cedem lugar ao critério da eficácia na produção de bens, na prestação de serviços, na funcionalidade dos mecanismos instituídos e na distribuição socialmente aceitável e justa da riqueza produzida. O resultado disto implica a distribuição de renda.

Galbraith está longe de supor que este resultado possa ser alcançado pela espontaneidade social ou só pelos mecanismos de mercado. Ele vincula de forma inapelável o problema da distribuição mais eqüitativa de renda à política pública. Este deve ser um pressuposto fundamental das sociedades modernas que pretendam ao mesmo tempo ser sociedades justas. “A distribuição da renda na economia moderna deriva, em última análise, da distribuição de poder. Esta, por sua vez, é tanto uma causa como uma conseqüência do modo como a renda é compartilhada. O poder serve à aquisição de renda; a renda confere poder sobre a recompensa pecuniária dos outros. A sociedade justa reconhece esse círculo tradicionalmente fechado e procura agir em resposta a ele”, diz o famoso economista.

Este parece ser o problema fundamental das democracias modernas e o ponto onde se separam os caminhos dos conservadores e neoliberais de um lado, e de todos aqueles que têm na idéia da justiça social um valor irrenunciável, de outro. As democracias atuais não serão capazes de enfrentar o problema do agravamento da miséria sem solucionar o problema da distribuição do poder e da renda. E, sem isto, o mundo poderá ser arrastado para a beligerância, degradação e desumanidade.

 

Diário da Câmara dos Deputados – ANO LI - Nº. 134 – (O Globo).

 

 

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