Trajetória

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Atuação Parlamentar

Violência e direitos humanos

SR. JOSÉ GENOINO (PT-SP) – Sr. presidente, sras. e srs. deputados, a violência nas grandes cidades está colocando em risco a capacidade do Estado, do aparelho de segurança pública, da autoria democrática, de dar garantias aos cidadãos, à sociedade.

 

Nós, que defendemos os direitos sociais e uma sociedade democrática, compreendemos que a luta contra a violência – para que a segurança pública seja eficiente, preventiva, ostensiva – exige a defesa dos direitos humanos, que não são antagônicos à segurança dos indivíduos nas grandes cidades.

 

Essa contraposição faz parte de uma visão conservadora, autoritária e que de certa maneira provoca histeria política para que a sociedade adote a idéia de que, para acabar com a violência, precisa aceitar a lógica da violência, a lógica da truculência.

 

É necessária uma profunda reforma no aparelho de segurança pública para que surja uma nova Polícia: uma Polícia profissional, bem paga e bem equipada. É preciso também que haja uma nova legislação – com penas mais rigorosas –, um sistema penitenciário em que se possa separar os que praticam crimes hediondos, bárbaros, da massa de criminosos que encontra nas casas de detenção uma espécie de preparação para o crime organizado e para o narcotráfico.

 

A sociedade brasileira não pode aceitar o raciocínio de que para garantir a segurança é necessário que se combatam os direitos humanos. A luta pelos direitos humanos é parte integrante da luta pela defesa do cidadão e pela segurança pública, e, para se combater eficazmente o crime organizado e o narcotráfico, terá de adotar uma postura, acima de tudo, de defesa aos direitos dos indivíduos, dos direitos da pessoa humana, seja contra a violência praticada pelo Estado, seja contra aquela praticada por grupos privados, numa espécie de guerra do “salve-se quem puder”.

 

Portanto, sr. presidente, essa reação da sociedade ao descontrole do aparelho de segurança pública das grandes cidades não pode produzir, culturalmente, uma alternativa de segurança para os cidadãos que considere inevitável o discurso autoritário, de negação dos direitos humanos.

 

A defesa dos direitos humanos compreende – repito – a defesa e a valorização pública eficiente, preventiva, profissional, democrática. O aparelho de segurança pública tem de agir de maneira preventiva e ostensiva, e não apenas quando o crime já tiver ocorrido e a barbárie já tiver se instalado.

 

O debate sobre esse tema tem de acontecer no Congresso Nacional. A meu ver, devemos iniciar a discussão na Comissão de Defesa Nacional ou numa Comissão Especial, a fim de dar maior agilidade às mudanças legais no Código Penal e no Código de Processo Penal. Havendo a adequação da legislação brasileira, poderemos definir, respeitando o pacto federativo, o que é de competência dos Estados, dos governadores, numa profunda reformulação do aparelho policial.

 

Não adianta mais essa falsa posição. Sabemos que muitas vezes – e a imprensa está cheia de noticiário a esse respeito – o crime organizado e o narcotráfico estabelecem ponte com o aparelho de segurança pública, aparelho por vezes corrupto, ineficaz e muitas vezes criminoso, no sentido bárbaro da palavra.

 

Sr. Presidente, para deixar bem claro meu pensamento sobre o combate à violência nos grandes centros urbanos e a defesa dos direitos humanos, solicito a transcrição de artigo de minha autoria publicado hoje no jornal O Globo a respeito desse tema.

 

Violência e direitos humanos

 

O aumento do nível de violência vem gerando na sociedade uma legítima aspiração por maior segurança. No entanto, quando se debate as medidas a serem tomadas, observa-se que a questão está mal posta: os defensores dos direitos humanos temem que o combate à violência possa agredir direitos das pessoas, e os que defendem uma maior rigidez contra o crime acham que os defensores dos direitos humanos defendem os criminosos. Esta confusão é produto de posições equivocadas, mas reais, e de alguns fatores históricos. Não há dúvidas de que o aparato policial muitas vezes combateu o crime cometendo ilegalidades.

 

Trata-se hoje de restaurar uma justa compreensão entre a necessidade de se combater o crime com extremo rigor e, ao mesmo tempo, preservar os direitos humanos. A onda de crimes violentos e de chacinas que vêm ocorrendo em São Paulo, superando até mesmo o grau de violência que ocorria no Rio de Janeiro, não deixam margem para dúvidas sobre a necessidade de se agir com extremo rigor contra o crime organizado e a bandidagem em geral. Muitos juristas esposam hoje uma concepção não-histórica sobre o caráter das penas. De fato, se observarmos a evolução das penas nas sociedades mais civilizadas, nas sociedades européias, conclui-se que as mesmas foram se abrandando na medida em que as sociedades foram se desenvolvendo. Esse desenvolvimento, contudo, foi acompanhado da diminuição da criminalidade. Hoje, tanto no Brasil como em outros países, por motivos que não há espaço aqui para discutir, o grau de violência e o barbarismo dos crimes vêm aumentando. A sociedade e o poder público devem dar uma resposta a este desafio aumentando o rigor no combate ao crime e na aplicação das penas.

 

No Brasil, no mínimo, são necessários três grandes conjuntos de medidas para enfrentar o aumento da criminalidade. Em primeiro lugar, é preciso fazer uma profunda reforma na legislação penal estabelecendo penas mais pesadas para crimes violentos, seqüestros, estupros, crimes do colarinho branco e narcotráfico. Não é concebível que crimes dessa natureza se limitem a um máximo de 30 anos de cadeia. A agilização dos processos contra esses criminosos é outra medida imperiosa que deve ser adotada. Em contrapartida, não tem cabimento que crimes menores como pequenos furtos e similares impliquem hoje a superlotação das prisões e das delegacias. Crimes dessa natureza devem ser punidos com a prestação de serviços à comunidade e estabelecendo-se programas de recuperação dos criminosos.

 

Em segundo lugar, deve ser feita uma ampla reforma do sistema penitenciário com a construção de presídios adequados e que ofereçam segurança contra as freqüentes fugas, rebeliões etc. A manutenção na cadeia de autores de pequenos delitos e de presos com penas já cumpridas só faz aumentar a crise do sistema penitenciário. Em terceiro lugar, é preciso modernizar as polícias, capacitando-as técnica e materialmente para o combate ao crime. Tanto o nível de eficiência preventiva como a capacidade de investigação e elucidação de crimes devem ser potencializados para fazer frente a criminosos cada vez mais sofisticados e violentos. A desorganização na área policial é tanta que as delegacias se transformaram em depósitos de presos, e os delegados e investigadores, em vigias.

 

Mas em que medida deve ser guardada uma relação entre combate ao crime e garantia dos direitos humanos? O combate ao crime não deve ser feito ao arrepio da lei. A polícia não tem o direito de matar, a não ser em caso de confronto, e não pode torturar, como ainda vem ocorrendo. Em suma, o preso deve ter seus direitos legais garantidos. Tudo isto não significa que o Estado e o aparato policial não devam agir com rigor contra os criminosos. E não significa também que leis mais fortes não possam ser instituídas. Trata-se de combater a criminalidade dentro da lei, mas ao mesmo tempo evidencia-se a necessidade de reformar a lei e o aparato de segurança para fazê-los aptos a enfrentar a violência cada vez mais cruel.

 

O direito à segurança é um direito humano fundamental dos cidadãos. Hoje, quando o Estado não exerce essa função mínima de garantir a segurança, não está garantindo os direitos humanos dos cidadãos que se vêem expostos a todo tipo de violência. A falência do Estado na área de segurança está provocando a privatização da segurança por parte daqueles que dispõem de recursos para contratarem guarda-costas e protegerem suas casas. Para o cidadão comum, só resta o medo e o desespero. Num ambiente como esse prosperam os instintos primitivos de defesa, a idéia de se fazer justiça pelas próprias mãos e o incentivo aos sentimentos de vingança. De qualquer forma, não restam dúvidas de que tanto o Estado como a sociedade precisam se mobilizar contra a violência, adotando medidas eficientes para enfrentá-la, ou seja, combatendo as suas causas, como o desemprego, a miséria etc.

 

Diário da Câmara dos Deputados – ANO LI – Nº. 154 – (O Globo).

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