1982-2002

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Fernando Henrique e Maluf

Poucos brasileiros se deram conta, mas na noite do dia 16 de junho foi oficiado um réquiem no Palácio da Alvorada, em Brasília. O morto era estranho. Não era corpóreo, tratava-se de uma ilusão: a de que houve um governo social-democrata, modernizante e reformador, no Brasil, nos últimos três anos. Presentes, estavam o pai do morto, o presidente Fernando Henrique, que injetou doses letais no filho, e o maior inimigo, o senhor Paulo Maluf. Os irmãos e demais parentes, os tucanos, sequer foram avisados do passamento.

Na cerimônia fúnebre, nada de especial. Como acontece na morte de pessoas comuns por este Brasil a fora, até bebeu-se. Misturado com o vinho, Maluf sentiu o gosto amargo de abrir mão de um sonho: o de chegar à presidência da República. Fernando Henrique, nostálgico, sentiu uma ponta de saudades de ideais em que acreditava quando era professor. Acreditava, por exemplo, na necessidade de um sólido sistema partidário para a consolidação da democracia. Como presidente, não vê partidos. Vê Malufs, Amazoninos, Camelis etc. Imaginem os ilustres tucanos o que aconteceria no Partido Socialista francês se o primeiro-ministro, Lionel Jospin, decidisse, sem avisar ninguém, receber em um jantar íntimo o líder da extrema-direita, Jean-Marie Le Pen.

Aliás, o destino foi cruel com a "social-democracia" brasileira. Após chegar ao poder com a eleição de Fernando Henrique deixou-se embalar pelo canto neoliberal a tal ponto que, aos poucos, foi entregando o comando político do governo aos liberais do PFL. A política conservadora, o descaso com o social, o enfrentamento aos movimentos sociais, a crítica sectária à esquerda vieram na maré montante do abandono das promessas progressistas do discurso de posse do presidente. Na Europa foi acontecendo o contrário. A social-democracia foi se diferenciando cada vez mais dos liberais e conseguiu recolocar na agenda política a pauta social. Os trabalhadores europeus não podiam pagar sozinhos os efeitos da globalização, da modernização tecnológica e os custos do tratado de Maastricht. Com um discurso que pauta as diferenças e que chama a atenção para as clivagens sociais, a social-democracia européia foi colhendo vitórias eleitorais.

O encontro entre Fernando Henrique e Maluf reveste-se de simbologia. Ele representa a restauração definitiva no poder do bloco político que deu sustentação à ditadura militar. Analistas políticos e colunistas de jornais vêm enfatizando que o PFL comanda o governo. O PSDB e o PMDB, antigos integrantes da frente democrática do MDB, são hoje coadjuvantes de um governo conservador que tem apenas um antigo militante da esquerda como mestre de cerimônias. Para chegar a este ponto, Fernando Henrique, adotou a velha tática de dividir para levar vantagem. A reeleição estava em jogo. Primeiro, dividiu o PMDB. Depois, avançou sobre o PPB. Arrancou de lá o apoio de Cameli, de Amazonino Mendes, de Pauderney Avelino, que chegaram a abandonar o partido. Com Maluf derrotado e isolado, envolto no escândalo dos precatórios, com o seu apadrinhado, o prefeito Celso Pitta pilotando uma administração desastrosa, Fernando Henrique, magnânimo, estende-lhe a mão e acena-lhe com a neutralidade na disputa da sucessão paulista em 98.

O senador Pedro Simon tem razão. Foi um enorme vão-esforço dos democratas para chegar ao poder e entregar tudo de volta, e de graça, aos antigos adversários. Na noite do dia 16, Fernando Henrique colocou a última pedra no condomínio amorfo e conservador onde não é mais possível vislumbrar nenhum programa. Todos os gatos se tornaram pardos. A única luz que bruxuleia está nos olhos do presidente: é a reeleição. Sob o teto deste grande condomínio cabem muitos e de tudo, menos a sociedade e as políticas sociais.

Fernando Henrique quer ver-se sozinho em 98 contra a esquerda. Será a ressurreição do estigma de Caim. Durante todo o seu governo o presidente agiu para desmoralizar a esquerda. Nós cometemos erros e defendemos algumas propostas anacrônicas, com certeza. Mas o rumo que o governo tomou nos passa um atestado de que estamos certos no nosso principal ponto de vista. Um Brasil moderno e justo requer o desenvolvimento econômico combinado com o bem-estar social, com a garantia de direitos e cidadania e com a integração dos excluídos.

A esquerda tem a responsabilidade de explicitar um programa democrático e reformador viável para se opor ao condomínio amorfo. Este programa deve ser suficientemente radical para dar conta do drama social do país. E deve ser suficientemente amplo para garantir a confiança dos agentes econômicos, para garantir a estabilidade com justiça e o crescimento com distribuição. Deve ser também a base da união dos partidos de esquerda em torno de uma candidatura única e da agregação de setores de centro e centro-esquerda que não se sentem bem na frente conservadora.

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