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Nas três esferas do Estado — federal, estadual e municipal — observa-se uma evidente crise nas políticas públicas. Esta crise tem por base duas causas. A primeira refere-se à ausência de projetos, tanto nos partidos como nos governantes, que visem levar a efeito políticas públicas de enfrentamento dos problemas sociais e dos problemas da estrutura de prestação de serviços públicos aos cidadãos. A segunda causa está ligada à inexistência de financiamentos adequados das políticas públicas. Somadas e articuladas estas causas, antes de traduzirem uma mera ineficiência do sistema político, revelam valores e interesses que se agregam nos partidos e nos governos, que terminam por expressar a hegemonia de uma elite particularista, suficientemente astuta em arrancar lucros das decisões governamentais.
A crise das políticas públicas salta aos olhos quando vemos os ministros da Saúde, da Educação, dos Transportes etc., todos os dias clamando por impostos específicos e emergenciais para financiar suas áreas. A face mais crua da crise, no entanto, aparece nos hospitais, nas escolas, nas estradas, no abandono de menores nas ruas, na miséria, no desemprego e assim por diante. O discurso da crise social parece impotente em transformar a tragédia em soluções. O sistema político o assimilou como ingrediente de combustão eleitoral e de descarga de consciência. Aos tecnocratas de Brasília o que interessa são os números e as estatísticas da macroeconomia. O discurso de posse do presidente FHC parece não passar de uma peça sociológica para ser estudada pelos acadêmicos do futuro. A promessa de colocar a "justiça social como prioridade número um" não tem nenhuma efetividade em seu governo.
O atual governo parece ter um programa de um ponto só: a estabilidade econômica. Todas as suas diretrizes dirigem-se para esse objetivo como se ele fosse suficiente e, por si só, capaz de dar conta de todos os outros problemas. O governo corre o grave risco de promover uma "racionalização" da economia sem levar em conta a sociedade, o que poderá traduzir-se num desastre. Hoje, o governo, que tanto presa a retórica da livre iniciativa, põe a faca no pescoço de determinados agentes econômicos e sociais, decretando falências e desemprego de muitos e o crescimento e perspectivas de futuro para uns poucos. A guilhotina das Medidas Provisórias e das resoluções do Conselho Monetário Nacional age livremente em nome da economia de mercado.
Na verdade, num país com as deficiências sociais como o nosso, o que precisa ser feito pelo sistema político consiste em reestruturar as esferas do poder público visando transformá-lo no principal agente coordenador da extensão da cidadania e da melhoria da qualidade de vida da população. Isto implica numa radical democratização do Estado, na participação crítica dos cidadãos nas decisões, na construção de uma cultura de solidariedade, de eficiência e de transparência nos negócios públicos. O Estado deve deixar de ser o agente da promoção de determinados interesses de setores privados para ser o agente da promoção dos interesses da sociedade. O poder público e os setores organizados da sociedade precisam celebrar um pacto que inverta a lógica das relações entre Estado e sociedade.
No lugar de um Estado privatizado e elitista devemos construir um Estado do público. E no lugar de uma sociedade civil particularista e corporativa devemos construir uma sociedade civil participativa, democrática e solidária. Sem esta inversão de valores e interesses seremos incapazes de construir um projeto de cidadania e de direitos. A exclusão social é hoje um drama político de toda a humanidade, mas aqui ela é muito mais grave. Relatórios do Banco Mundial revelam que o Brasil ocupa as últimas posições na distribuição de renda e na mortalidade infantil. O problema é tão grave que os organismos internacionais pressionam cada vez mais o governo para que alguma medida seja tomada. O Brasil parece encontrar-se numa encruzilhada: ou o crescimento e a modernização ocorrerão regulados pela justiça ou ocorrerão pela via do aumento da exclusão. O Estado joga um papel decisivo nessa escolha. Infelizmente o atual governo parece ter optado pelo segundo caminho.