1982-2002

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As greves da polícia

A crise na área da segurança pública e a greve das polícias eram acontecimentos previsíveis. Várias advertências foram feitas sobre a decomposição da política de segurança. Projetos de lei e emendas constitucionais foram apresentados numa tentativa de antecipação aos fatos que marcam a desordem e o caos em vários estados. Os governos estaduais e federal, contudo, enfocaram a crise a partir de óticas equivocadas.

No âmbito do governo federal, a reforma do Estado tem o sentido limitado de reduzir despesas e de flexibilizar a estabilidade do funcionalismo. Nenhuma atenção foi dada às estruturas públicas, à sua eficácia e às suas finalidades. O discurso reformista dos governantes mostrou-se tão falaz como o são as estruturas dos serviços públicos, particularmente a da segurança. As iniciativas dos governos estaduais não passaram da exibição de viaturas novas e do aumento do número de contingentes das polícias. Tudo isto traduziu-se na ineficiência no combate ao crime, na deterioração do aparato de segurança, na degradação salarial dos policiais, nos privilégios das cúpulas e no aumento da violência da polícia contra cidadãos.

A crise da segurança pública é uma crise de estruturas e de finalidade. Ou seja, de modelo. Em primeiro lugar está o caráter militar das PMs estabelecido pelo artigo 144 da Constituição, que as definem como "força auxiliar do Exército". É preciso entender que as Forças Armadas, o Exército, têm como função a defesa da soberania nacional, dos territórios e dos poderes constitucionais. A função de polícia e a segurança pública nada têm a ver com isto. Deveria consistir em defender os cidadãos e combater a criminalidade. Mas na medida em que as PMs são treinadas e organizadas nos moldes militares é fácil compreender que não estão aptas a exercer a sua função junto à população civil. O seu caráter militar inibe uma preparação técnica e científica adequada para o exercício do policiamento ostensivo, preventivo e investigativo.

O caráter militar da polícia a transforma também em serventuária do Estado e não do cidadão. Este desvio de função se agrava ainda mais quando, em vários estados, a PM se transforma em serventuária do patrimônio e das elites. O massacre dos sem terra em Eldorado dos Carajás e a violência da PM em Diadema são os símbolos de uma polícia destinada a agir contra os cidadãos. Este modelo autoritário de polícia militarizada deve ser substituído por um modelo democrático de polícia única, uniformizada e não-uniformizada, voltada para o serviço à sociedade.

O novo modelo de polícia implica profunda mudanças estruturais. Uma delas diz respeito à sua desburocratização. A PM está estruturada em torno de 15 níveis hierárquicos. O alto comando pouco sabe sobre o que acontece na outra ponta e sobre as necessidades de segurança da população. O novo modelo deve incorporar apenas alguns postos hierárquicos aproximando as atividades de comando e planejamento das atividades fins, como policiamento ostensivo, combate à criminalidade, investigação etc. Nos grandes centros urbanos os comandos devem ser mais descentralizados por bairros, pois as necessidades de segurança são diferentes nas diversas zonas metropolitanas.

O novo modelo requer também um comando único, uma estrutura material única, operações únicas e planejamento único. Com isto aumentará a eficácia, e os recursos escassos do poder público serão otimizados frente a uma demanda crescente por segurança. A nova polícia deve continuar sendo controlada pelos governos estaduais já que são os estados os entes federativos responsáveis pela segurança. A União deverá apenas manter uma supervisão geral das polícias nos aspectos do treinamento e do armamento. No entanto, deve ser estabelecido um cronograma de transição para que a supervisão passe da Inspetoria Geral das Polícias, órgão ligado ao Exército, para um novo órgão ligado ao Ministério da Justiça.

É preciso ainda equacionar o problema da estrutura material e de política de pessoal da segurança pública. O poder público não será eficaz com um aparato de segurança sucateado. Todo o aparato, desde laboratórios até armamento, deve ser modernizado e informatizado. A segurança pública não será garantida sem que os servidores sejam bem remunerados e bem preparados. Muitos policiais, hoje, recebem um salário fome que os joga na condição de favelados. A polícia deve ter garantido o direito à sindicalização, mecanismo pelo qual as suas reivindicações legítimas serão apresentadas. Mas por se tratar de uma força pública armada, não poderá ter direito de greve. Greve com possibilidade de recurso às armas não é greve. É motim. A grave crise em curso, que vem deixando a população desprotegida, deve servir de lição definitiva sobre a necessidade de reestruturação do modelo de segurança pública.

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