1982-2002

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Sonho e realidade

Vale a Pena Sonhar (Editora Rocco) é um livro autobiográfico do velho militante socialista, Apolônio de Carvalho. Como um dos principais dirigentes do PCB, Apolônio participou da Guerra Civil Espanhola nas Brigadas Internacionais que lutavam contra Franco, integrou a Resistência Francesa contra os nazistas, rompeu em 1967 com o partidão fundando o PCBR, foi preso e torturado e, com a redemocratização, veio a integrar o PT, onde tive o privilégio de seu convívio. O livro é importante não só por narrar esta história de militância plena, mas porque traduz importantes ensinamentos políticos para a esquerda e para o PT, neste momento de crise.

Apolônio vê o PT como herdeiro das virtudes e debilidades históricas da esquerda brasileira. A principal debilidade está na incapacidade de apresentar um programa alternativo nos momentos decisivos da disputa política. Isto ocorreu na década de 30, no golpe militar de 64 e nas eleições presidenciais de 89 e 94. Também não apresentamos alternativas para as distorções Plano Real e para a reforma do Estado. O programa, de fato, é decisivo para sinalizar à sociedade o projeto de país que um partido quer. Além de revelar diagnósticos e soluções expressando capacidades, o programa é a essência dos vínculos que se estabelecem entre a sociedade e o partido. Ou seja, o povo não pode confiar em generalidades e na ausência de compromissos concretos.

As condições eficazes de implementação de um programa estão diretamente associadas à força política. Um partido minoritário dificilmente terá êxito na execução de um projeto de mudanças. A tendência ao isolamento, a ausência de alianças mais amplas, é outro erro que a esquerda brasileira vem cometendo, na avaliação de Apolônio. Hoje, o PT, deveria ser capaz de construir um arco de alianças em torno de um programa, que abarcasse a esquerda e setores de centro-esquerda.

A tendência ao isolamento que a esquerda vem se impondo fez com que em vários momentos do passado se optasse pelo recurso às armas. Apolônio estabelece uma diferença entre protesto armado e luta armada. O primeiro, parece ser produto de uma escolha meramente subjetiva. A segunda decorre de condições objetivas e de necessidades impostas pela realidade. No Brasil, a rigor, o que a esquerda fez foi protesto armado. No passado o protesto armado tinha um sentido heróico, até mesmo romântico. Hoje em dia, o esquerdismo que resiste em assumir um programa alternativo, de transformação democrática do país, é capaz apenas do protesto retórico.

A não valorização da democracia é outro erro apontado pelo nosso autor. A opção pela luta democrática significa uma aposta na organização social, na participação da sociedade nas tarefas de transformação. A "verdade" dos grupos iluminados deve ser substituída pela prática das lutas sociais e políticas. Se há um caminho possível para o socialismo este consiste no aprofundamento da democracia. Por isto, Apolônio tem toda a razão quando diz que a democracia deve ser tomada como fio condutor pela esquerda.

Apolônio de Carvalho é um dos poucos remanescentes da velha esquerda que traz reflexões lúcidas e reformadoras para a esquerda contemporânea. Permanece fiel aos ideais de justiça, de igualdade e de liberdade. Com uma história de vida cheia de experiências intensas e emocionantes, feita de poucas vitórias e muitas derrotas, chega aos dias tranqüilos da velhice convencido de que vale a pena sonhar. Vale a pena sonhar pelos ideais do humanismo e da civilização, mesmo que seja apenas para tornar os homens e o mundo um pouco melhores. Somente assim conferimos um sentido às nossas vidas e contribuiremos para conferir um sentido à sociedade.

Este sonho, contudo, deve respeitar as escolhas alheias assumindo o princípio de que a liberdade é o valor mais alto da política. O sonho político não pode ser uma mera abstração onírica. Ele deve se referir à realidade. É esta referência, ensina Apolônio, que nos obriga a mudar sem mudar de lado. Na história da esquerda, muitos mudaram abraçando apenas o realismo. Mas mudaram também de lado. Outros, permanecem presos à impotência do sonho. Somente a combinação de sonho e realismo é capaz de tornar "possível o impossível" a que se referia Weber.

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