1982-2002

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A credibilidade do Congresso

Já tive a oportunidade de analisar em várias ocasiões a crise de credibilidade do Congresso. No entanto, esta crise se assemelha a um poço sem fundo. O Parlamento brasileiro não consegue estabelecer uma imagem positiva junto à opinião pública. Pelo contrário, aumenta o seu desgaste. A sociedade esperava que após o processo de impeachment de Collor e da CPI do Orçamento, o comportamento dos políticos mudasse. Mas os escândalos dos bingos, dos precatórios, da compra e venda de votos etc., e a falta de punição aos envolvidos, desfizeram aquelas expectativas de mudança. Some-se a isso, a crônica falta de eficiência da Câmara e do Senado.

O Parlamento brasileiro vive uma flagrante contradição com um dos principais princípios do republicanismo. Este principio reza que o legislativo deve ser o mais forte dos poderes da República por supor que o povo está sempre a seu favor. Isto indica que o mandato parlamentar deveria ser a essência da representação política do eleitorado e que as Casas Legislativas deveriam ser o baluarte da defesa dos interesses do povo. No Brasil ocorre o contrário. O Parlamento é visto como um antro corporativo, defensor de privilégios dos políticos e das elites. Cai por terra, assim, outro princípio republicano baseado na suposta igualdade de todos perante a lei. Os parlamentares, os políticos em geral e os juizes são vistos como mais iguais que os outros iguais. Aposentadorias especiais e o Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC), que só agora está sendo derrubado, são símbolos dessa desigualdade.

A falha geral do sistema público, no Executivo, no Judiciário, na Administração, na prestação de serviços, na segurança pública, nas políticas sociais etc., reforçam a suspeita geral de que o Congresso é incapaz de dotar o pais de boas instituições e boas leis. A certeza da opinião pública vai ainda mais longe. O legislativo é um retumbante fracasso naquilo que é uma de suas funções precípuas: a fiscalização dos outros poderes. Desgraças acontecem na área da saúde, Planos de Saúde e bancos lesam os consumidores, falcatruas se multiplicam na área habitacional, o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama são elefantes brancos na esfera da preservação ambiental, o simples cidadão é vitima diária da morosidade e da ineficiência da burocracia estatal etc., e nós parlamentares, nos mostramos incapazes de exercer uma atividade fiscalizadora mais efetiva. A sociedade, além de maltratada, sente-se desprotegida e não representada politicamente. O Brasil precisa de uma revolução de eficiência no setor público. Nada de significativo ocorrerá, contudo, se esta revolução não começar no próprio Legislativo.

A crise do Congresso tem três grandes faces: 1) crise de prerrogativas, 2) crise de moralidade e de representação, e 3) crise de eficiência. A expressão máxima da crise de prerrogativas se encontra no instituto das Medidas Provisórias (MPs), que confere ao Presidente da República a iniciativa legislativa. Muitos ainda acreditam que as MPs se constituem num instrumento excepcional para enfrentar situações imprevisíveis conferindo agilidade e rapidez às complexas tarefas de governar. Na verdade, as MPs são um instrumento corriqueiro nas mãos do Executivo. Inviabilizam a agenda autônoma do Legislativo e transformam a ordem legal permanente numa legalidade provisória e mutante. As MPs tornaram-se o elixir dos espertos. Somente aqueles setores minoritários da sociedade, que podem acompanhar e interpretar com agilidade o movimento provisório das normas, podem delas tirar proveito. O cidadão em geral é vitima dessa provisoriedade.

Na medida que as MPs foram criadas pelos parlamentares, que os parlamentares não as limitam e que não as votam em tempo hábil permitindo a indústria da reedição, é evidente que se trata de uma delegação de poderes e prerrogativas do Legislativo ao Executivo. Mas uma delegação que representa uma abdicação. A vocação suicida do Congresso se faz sentir também em outras áreas. Com a criação das Agências públicas de normas e controle de serviços, como a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e outras, o Congresso, ao invés de estabelecer as normas gerais de funcionamento dessas áreas de prestação de serviços, delegou/abdicou o poder a essas Agências.

Quero dizer com isso que o Congresso, ao abdicar de suas prerrogativas, deixa de ser um poder relevante. A estatura política dos parlamentares e suas responsabilidades são também dimensionadas pela relevância de seus poderes. Por mais qualidades que um político tenha de nada lhe servem se suas funções não são importantes. O Congresso será bem ou mal visto pela sociedade na justa medida de sua importância. Um Congresso poderoso será tanto mais cobrado pela sociedade e mais tenderá à eficiência. Um Congresso sem poder passa a ser visto como algo inútil, como um estorvo. Em suas viagens ao exterior, o presidente Fernando Henrique Cardoso não se cansa de reforçar a imagem de estorvo do Congresso.

A segunda face da crise, de moralidade e de representação, em parte está associada ao corporativismo dos parlamentares e em parte é consequência da perda de prerrogativas. Não corresponde à verdade a suposição do senso comum de que todos os políticos são corruptos. A maioria esmagadora dos Congressistas é honesta. Mas quando os poucos desonestos não são punidos por conta do protecionismo corporativo, fica legitimada a suspeição geral sobre todo o Congresso. Por outro lado, a crise de representação se fortalece na medida em que os parlamentares sustentam privilégios e na medida em que seu poder está enfraquecido como agentes de afirmação de interesses sociais e de ressonância da opinião pública. No âmbito da moralidade, duas medidas saneadoras poderiam ser tomadas: o fim do sigilo bancário e fiscal para todos os detentores de cargos eletivos e o fim da imunidade parlamentar para crimes comuns.

Já a crise de eficiência requer uma ampla reforma interna no funcionamento da Câmara e do Senado com vistas a aperfeiçoar o processo legislativo. Propostas com este fim já foram apresentadas. Basta a vontade política do corpo parlamentar e dos presidentes das duas Casas para que a reforma seja implementada. Tudo isto deve ser complementado por uma reforma política. A recuperação das prerrogativas do Congresso, a sua moralização e modernização precisam da instituição da fidelidade partidária e da revisão da representação dos Estados na Câmara. Em suma, trata-se de melhorar a qualidade da representação e de aperfeiçoar os mecanismos decisórios. Nas eleições de 1998 o eleitor deve fazer sua parte ao escolher o seu representante. Tem-se por estabelecido que a democracia requer poderes fortes para que haja bom governo. Nem o Executivo será forte, nem o Judiciário terá excelência se o Legislativo for fraco e subserviente. Um Congresso forte e afinado com os interesses gerais da opinião pública é a primeira condição para a existência de um governo forte e, por consequência, de um bom governo.

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