1982-2002

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O legado de Che Guevara

Muitos políticos em atividade hoje começaram sua vida política sob o impacto da morte do lendário guerrilheiro Ernesto Che Guevara. Trata-se da chamada "geração 68". Para as gerações mais recentes é difícil imaginar aquele período. Vários países da América Latina eram dominados por ditaduras militares, vivia-se o auge da Guerra Fria caracterizada pelo conflito ideológico entre capitalismo e socialismo, a revolução havia triunfado em Cuba e as mesmas misérias e injustiças que persistem hoje em nosso continente eram motivos de indignação, principalmente, da intelectualidade e da juventude.

Trinta anos após sua morte, Guevara está numa situação paradoxal tanto em relação a uma das causas que motivaram suas ações como em relação à maior parte dos lideres mundiais da esquerda, já desaparecidos. Com efeito, o grande prestigio que o "Che" desfruta em todo o mundo contrasta com o declínio da idéia do socialismo e com a desvalorização de lideres como Lenin, Mao, Stálin, Fidel Castro, Trotsky etc. Assim, o sucesso que Guevara faz hoje deve ser, em parte, dissociado da sua relação com a militância de esquerda e com o socialismo.

Julgo que duas outras explicações fornecem pistas razoáveis para compreender o "fenômeno Che" iconizado por setores sociais muito diversos, que vão de adolescentes a cinquentões, de militantes de esquerda á torcidas de futebol. A primeira explicação deve ser buscada no heroísmo e no carisma que se reveste a sua figura. A condição básica da existência do herói, desde os gregos antigos, é a de alguém que faz grandes feitos e profere importantes palavras e morre de forma trágica, geralmente ainda jovem. Aquiles e Jesus Cristo, entre outros, encarnam o protótipo do herói. A ação de Guevara está carregada destes elementos: sai da Argentina como um jovem sonhador cheio de ideais de justiça e de liberdade, viaja por vários países e chega ao poder com a Revolução Cubana. Desprendimento, coragem, bravura, são elementos que vão acompanhar esta trajetória e a trajetória posterior quando o "Che" abandona o poder e vai tentar novas revoluções na África e na América Latina até encontrar a morte trágica na Bolívia.

A outra explicação está relacionada aos valores que se associam à figura do guerrilheiro heróico e romântico: a indignação contra a injustiça, a busca da liberdade e da libertação de povos oprimidos, a disposição de sacrificar a própria vida em prol dos valores e das causas em que acreditava. Em suma, a ação e as palavras de Guevara deixaram um legado vinculado à defesa dos valores humanísticos e civilizatórios. A associação do heroísmo com os valores transformaram o "Che" num ícone, num emblema, especialmente para a juventude, que tende a se propagar pelas gerações futuras. Nesse sentido, Guevara tornou-se um símbolo universal que sobrepassa o caráter ideológico de suas ações.

A esquerda deve avaliar o legado de Guevara sob duas óticas. A primeira, diz respeito à significação positiva e universal explicitada acima. Comparticipe desta herança, a esquerda, contudo, não é sua proprietária exclusiva. Ela pertence a todos que, independentemente de ideologia, querem tomá-la como referência. A segunda ótica deve referir-se ao conteúdo especificamente de esquerda no inventário em questão. Os caminhos e os métodos usados por "Che" devem ser contextualizados e compreendidos como elementos daquelas circunstâncias marcadas por ditaduras, por conflitos ideológicos intensos e pelo ambiente da Guerra Fria. Hoje as condições e as circunstâncias históricas são outras. A própria revolução e o socialismo, tal como realmente se efetivaram, por não terem sacramentado os ideais de justiça e liberdade, estão sendo reavaliados.

O que há especificamente de esquerda a ser resgatado no legado guevarista são os valores que inspiraram as ações, as causas sociais que motivaram a indignação e a coerência e a responsabilidade que devem ser a norma de conduta de todo o homem político que acredita numa causa. Há indícios também que "Che" havia se tornado um dos primeiros críticos de esquerda aos rumos que o socialismo vinha tomando. A relação que a União Soviética mantinha com Cuba pouco tinha da solidariedade cimentadora de um novo mundo e de uma nova humanidade. A burocratização dos Estados socialistas, os privilégios pouco igualitários dos dirigentes e burocratas, a ausência de liberdade, a repressão e o autoritarismo constituíam sinais sombrios para o futuro da experiência socialista. De qualquer forma, Guevara morreu acreditando no caráter libertário do socialismo. Esta crença ainda precisa ser provada na prática pelos socialistas.

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