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A crise, o culpado e a ética

A crise nas bolsas de valores deixou evidentes as fraquezas do Plano Real e a possibilidade de que seja alvo de um ataque especulativo. O ataque chegou a ocorrer sob a forma de uma aposta de que a moeda brasileira se desvalorizaria frente ao dólar. Para evitar o pior o governo foi obrigado a agir, num primeiro momento, elevando as taxas de juros, medida que afetará a produção, o consumo, aumentará o desemprego e elevará o nível de inadimplência de pequenas e médias empresas. Num segundo momento, adotou um pacote de medidas de ajuste fiscal aumentando impostos e cortando gastos. Algumas dessas medidas eram necessárias e deveriam ter sido adotadas a mais tempo. Outras, contudo, foram adotadas porque o governo se meteu num beco sem saída por conta de seus erros e das suas omissões. A oposição deve analisar as consequências das medidas apoiando o que é correto e apresentando alternativas aos pontos que prejudicam a sociedade e o país.

A fragilidade do Real não se deve apenas à sobrevalorização cambial, mas também aos elevados déficits nas contas externas e nas contas públicas. Tão logo o governo percebeu a gravidade da crise o presidente Fernando Henrique Cardoso se apressou em culpar o Congresso e a oposição como responsáveis pelo não andamento das reformas constitucionais. As reformas, segundo o governo, implicariam um melhor desempenho nas contas públicas. As medidas adotadas nesta semana desmentem o discurso do governo de que tudo dependeria das reformas. Na verdade, o governo se portou mais como um jogador, e fez apostas erradas, do que como governo capaz de prever, prevenir e agir para evitar a crise.

A acusação do presidente contra a oposição é politicamente falsa e revela uma falta de ética. Falsa, porque a aprovação das reformas não depende da oposição, mas do governo e da sua base de sustentação. O governo já mostrou que quanto quer aprovar algo no Congresso tem força para isso e a oposição não consegue barrá-lo. A aprovação da emenda da reeleição é exemplar, neste sentido. Portanto, das duas uma: ou o governo não tem interesse suficiente em aprovar as reformas ou enfrenta problemas na sua própria base.

O sociólogo Max Weber ensina que se existe uma completa falta de ética na política esta diz respeito à prática de colocar a culpa nos outros e no passado. Este modo de proceder é típico daqueles que pretendem ter sempre razão. Fogem das suas próprias responsabilidades impedindo que se perceba quais os interesses materiais e morais que estão em jogo. Weber diz que se existem crimes políticos, "um deles é essa maneira de proceder", pois mostra uma falta de dignidade daqueles que assim agem e impede qualquer ética. O governo tem se esmerado em culpar o passado e os outros: "os problemas na Saúde são consequência de uma pesada herança", "nas telecomunicações são 30 anos sem investimentos", "o Congresso e as oposições, representantes do atraso, paralisam as reformas" clamam os sábios e os justos próceres planaltinos. Seguisse o presidente os ensinamentos de Weber teria dito à nação que, de fato, o Real corre ricos, que o governo assume as responsabilidades por esses riscos e pela morosidade das reformas e que fará de tudo para evitar os riscos e acelerar as reformas.

Outro elemento que ilustra as vias tortas da elevada ação discursiva e da baixa prática governativa diz respeito à avaliação sobre as consequências das reformas. O governo tem apresentando as reformas Administrativa e da Previdência como a tábua de salvação do Real. Estudos de especialistas são praticamente unânimes em indicar que o impacto sobre as contas públicas da reforma Administrativa, no curto prazo, é quase nulo. Já a reforma da Previdência só terá efeito a longo prazo. Ambas as reformas são necessárias, mas se orientadas para capacitar o poder público para atender os cidadãos com eficiência, para eliminar distorções e cortar privilégios.

O que poderia produzir um impacto efetivo no curto e no longo prazos sem uma ampla reforma fiscal e tributária. O governo até hoje mostrou-se desinteressado em apresentar um projeto sobre o tema. Por conta desse desinteresse, outros projetos de reforma tributária, inclusive um do PT, estão mofando na Comissão Especial da Câmara. Uma reforma fiscal e tributária, voltada para garantir a estabilidade, deveria sanear o déficit público definindo com um sentido distributivo quem financia o Estado e as políticas sociais, deveria aliviar a carga sobre o setor produtivo que gera emprego, diminuir a incidência de impostos sobre os setores de baixa renda, eliminar as renúncias fiscais, aperfeiçoar os mecanismos de combate à sonegação e redefinir as fontes de custeio e as responsabilidades dos entes federados.

Uma análise preliminar do pacote de medidas sinaliza que ele pode provocar uma estagnação maior no crescimento da economia e aumentar o desemprego. Não há outro resultado previsível para a soma de juros altos, aumento de impostos e cortes públicos. O mais grave de tudo é que os erros cometidos na implantação do Real e as omissões do governo na reforma fiscal e na política de comércio exterior (importação/exportação) podem não ser suficientes para salvar a estabilidade econômica. O Real continuará sob os riscos da instabilidade e dos ataques especulativos.

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