1982-2002

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Crise no governo

São cada dia mais evidentes e públicos os sinais de crise no governo. Crise no governo não é ainda crise de governo, mas pode chegar a ela. Uma das principais características de uma crise de governo é o estreitamento do campo de manobras que tende para um beco sem saídas. Nesse momento, as alternativas reduzem-se e o governo tem praticamente uma única opção. O pacote fiscal chegou perto desta situação limite, mas o governo tinha ainda uma certa margem de escolha.

Os centros de erupção da crise no governo são muitos. Uns merecem apenas citação, outros merecem mais atenção. Entre os primeiros estão, por exemplo, as relações tensas entre governo federal e governos estaduais por conta dos efeitos negativos sobre as contas dos estados impostos pela chamada Lei Kandir. Outro centro de irradiação de crise são as relações entre o presidente da República e o Congresso, especialmente depois da aprovação da emenda da reeleição. O presidente vem pressionando os parlamentares da base governista a votarem nas propostas que lhe interessa mediante a chantagem da gravidade da crise. Em contrapartida, o toma-lá-dá-cá está em pleno vapor com a liberação de verbas e a adoção de emendas orçamentárias de deputados.

Mas o epicentro da crise no governo está nos vínculos entre a crise econômica e o processo sucessório. Aqui ela tem duas faces: uma política e outra econômica. E não raro, uma face se sobrepõe à outra. Na face política há sinais de perigo nos torpedos que o presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, vem lançando nas cercanias do Planalto. O maior dos torpedos foi o ataque do senador ao aumento do Imposto de Renda embutido no pacote fiscal. Antes de uma indignação contra as arrochadas condições de vida da classe média a posição de ACM significou uma advertência política de que se a crise se aprofundar ele pode pular do barco e apresentar-se como opção. Aliás, foi pelas mãos de Antônio Carlos que o ex-prefeito Paulo Maluf adentrou as portas do Alvorada e consertou com Fernando Henrique. O concerto Maluf-Fernando Henrique é outro importante elemento da crise política. O presidente não só enterrou parte da história do PSDB de São Paulo, como humilhou o partido e o governador Mário Covas. Na verdade, Fernando Henrique acendeu um fogo em brasa que, longe de se extinguir sob as cinzas, poderá provocar ainda grandes labaredas.

Mas é na área econômica o lugar onde a crise no governo vem ganhando contornos mais definidos. Há, hoje, praticamente uma unanimidade nacional sobre a impressa o de que a equipe econômica foi omissa ao não agir em antecipação à crise, cujos sinais eram visíveis. Pior do que isso: além de ser acusada de preguiçosa, a equipe teria feito avaliações profundamente equivocadas. Gustavo Franco, ainda quando diretor da área externa do Banco Central (BC), apresentou-se como apóstolo dos déficits: sustentou que déficits nas contas públicas e nas contas externas não constituíam maiores problemas. Seriam até mesmo salutares. Foram esses dois déficits que suscitaram desconfianças sobre o Real e provocaram a edição do pacote fiscal.

Membros da equipe econômica chegaram a brindar a crise no Sudeste Asiático. Sustentaram que a crise nos tigres asiáticos faria com que os investimentos internacionais se deslocassem para o Brasil. Nada mais equivocado. Com o agravamento da crise, Gustavo Franco, agora presidente do BC, declarou-se perplexo. Registre-se, de passagem, que ele foi ungido à presidência do Banco Central após ter defendido as excelências dos déficits num claro sinal de que o presidente Fernando Henrique concorda ou concordava com suas avaliações.

O fato é que com a crise, a equipe econômica está significativamente desmoralizada. Sintomaticamente, o senador José Serra, um dos cardeais do PSDB e uma das vozes econômicas mais ouvidas do pais, pouco tem se manifestado sobre o quadro econômico. Teria recusado participar de uma reunião convocada por Fernando Henrique da qual participaram, entre outros, Covas e Tasso Jereissati. As divergências de Serra com a atual equipe vêm desde o início do governo. O sempre presente ministro Sérgio Motta também tomou um chá de sumiço na edição do pacote.

A crise no governo atinge diretamente a figura do presidente. Ele vem sendo acusado por colunas políticas e outros observadores de ter se deslumbrado pelo poder. O deslumbramento seria uma das causas da pouca ação do governo. Fernando Henrique estaria se portando como um imprevidente capitão de navio, que ante a aproximação da turbulência das ondas e da tempestade, permanece em sua cabine imaginando um céu estrelado e um mar límpido. Enquanto isso, os seus comandados, incansáveis de festejar os últimos sucessos, estavam ébrios no salão de festas. Somente a força da turbulência parece tê-los devolvido à realidade, mesmo que perplexos.

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