1982-2002

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A política e os dogmas

Da catedral mor da ideologia monetarista — o Banco Central dos EUA — seu mais consagrado papa, o economista Alan Greenspan, contestando a ortodoxia e os seus exegetas, proclama em alto e bom tom novas verdades. A mais revolucionária afirma que, na atualidade, a concepção e implementação de adequada política monetária pressupõe abandonar a primazia dos aspectos monetaristas substituindo-os pelo reconhecimento da sobredeterminação das variáveis reais da economia. As baixas nas bolsas de valores de todo o mundo verificadas nos últimos dias, em parte, podem estar corroborando a análise de Greenspan. De forma oracular, enfatiza, na atualidade, a predominância da evolução da produtividade como determinante nos destinos da economia.

O referido aumento de produtividade, decorre tanto das novas tecnologias como do enfraquecimento do poder de barganha dos trabalhadores. Na verdade, dada a maior abertura da economia possibilitando o aumento de importações ou a migração dos investimentos, o aumento do desemprego daí decorrente torna-se o principal "argumento" dos capitalistas para controlar o aumento dos salários. A mudança de diagnóstico dos condutores das políticas hegemônicas no mundo parece-nos constituir o mais contudente alerta quanto a necessidade urgente e radical de abandonar exauridos preceitos e dogmas para entender algo sobre a realidade mutante de nossos dias. Aliás, para os que pensam em transformá-la, tal postura seria particularmente mais recomendável.

Exemplos indesmentíveis quanto à turbulência e à imprevisibilidade da atual dinâmica sócio-econômica, assim como evidências quanto à insuficiência das referências teórico-interpretativas disponíveis são cada vez mais freqüentes. Nesse contexto, mais do que nunca, as experiências políticas vividas pelas sociedades devem se tornar referências para que delas possam ser extraídas lições e aprendizados. Na verdade, como podemos constatar pelo mundo afora, as forças e instituições de coesão social que se caracterizaram como as protagonistas da modernidade — burguesia, Estado-Nação e proletariado — têm-se revelado crescentemente incapazes de evitar rupturas do tecido social ou de fazer emergir novas alternativas consistentes. Uma realidade cada vez mais difusa e anêmica, que vem gerando incertezas e perplexidades, tem se apresentado como a nova condição das sociedades.

Com a globalização, não somente inverteu-se a tendência, até então prevalecente, de cristalização dos protagonistas históricos da modernidade mas, fragilizaram-se também os paradigmas teórico-interpretativos. Dessa forma, sintomaticamente, no campo ideológico proliferam, com a fugaz luminosidade dos fogos fátuos, "novas teorias". Ilustre-se o caso com a exemplar teoria do "Fim da História", de Francis Fukuyama. Somando-se às incertezas, o final de milênio favorece a proliferação dos "apocalipses" e das "redenções".

É preferível, no entanto, não só reconhecer a gravidade da situação atual, mas, igualmente, ter a firmeza e a coragem de explorar suas novas configurações. O surgimento de novas bandeiras de luta, de novos interesses e de novos agentes relativisou as certezas teóricas e o papel dos antigos protagonistas. Hoje, as reivindicações corporativas precisam conviver com outras bandeiras como a ecologia, os direitos das minorias, os direitos dos consumidores etc. Os partidos e os sindicatos deparam-se com as ONGs e com uma série de movimentos sociais plurais. O movimento da opinião pública é um poderoso condicionante dos agentes políticos, sociais e econômicos. O convívio democrático e a composição de interesses díspares parecem impor-se às pretensões do monopólio da representação e da verdade e aos programas fechados e unitários.

No Brasil, país marcado por escandalosa concentração de riqueza socialmente produzida, a emergência de novos interesses e atores é, para dizer o mínimo, alvissareira. As novas configurações plurais têm, mediante acordos e alianças, mais capacidade e mais força para romper as portas dos privilégios estabelecidos exigindo regras mais democráticas, tanto do jogo político como da competição econômica. Mas, para tanto, é indispensável a remoção do arrogante pressuposto da infalibilidade de alguns atores e teorias. Levando-se em conta as instabilidades e incertezas do presente momento histórico, e partindo de métodos abertos e democráticos para construir consensos em torno de objetivos exequíveis, torna-se possível agir com eficácia para impedir uma ruptura ainda mais desagregadora do tecido social e para realizar alguns projetos orientados por valores humanistas e civilizatórios.

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