1982-2002

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Privatizações e descaso

Um importante aspecto da reforma do Estado encaminhada pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso consiste na privatização de empresas e monopólios estatais. O governo costuma vender a idéia de que seu modelo de reforma, que tangência a concepção conservadora do Estado mínimo, é o único possível. A reforma do Estado, de fato, é uma imposição dos anos 90. Mas existem vários modelos possíveis, inclusive, na área das privatizações ou das parcerias entre o setor público e privado.

Um dos nortes teóricos da reforma do governo indicava a necessidade de tratar o cidadão como um consumidor de serviços. Nesse particular, os serviços deveriam ser fornecidos com eficiência e qualidade. Dada a crise fiscal do Estado, o governo supôs, com certa razão, que somente elevados investimentos privados poderiam suprir as deficiências dos serviços como energia, telecomunicações etc. Por outro lado, considerou-se também uma excessiva, onerosa e desnecessária presença do Estado em vários setores da produção. Se o diagnóstico do governo em parte é correto, contudo, o modelo de reforma e de privatizações vem se revelando falho, para dizer o mínimo. A essência do modelo consiste na transferência patrimonial de empresas públicas e na desregulamentação pura e simples, com a retirada do papel fiscalizador do Estado e com o remetimento da prestação de vários serviços básicos a partir de critérios puramente de mercado.

No final de 1997 e inicio do novo ano, em vários estados brasileiros que têm as fornecedoras de energia elétrica privatizadas, ocorreram cortes e blecautes no fornecimento de energia. As empresas privatizadas desse setor estão obtendo altos lucros e não fazem nenhum investimento. As reclamações dos consumidores não estão encontrando nenhum eco, seja junto às fornecedoras ou seja junto aos órgãos governamentais. Em algumas rodovias privatizadas a situação não é diferente. A precariedade das estradas continua e os investimentos prometidos não vieram. Assim, as privatizações, que foram feitas em nome da garantia de padrões de qualidade no fornecimento de bens e serviços, estão se transformando e descaso para com o cidadão-consumidor, que além de pagar impostos, agora paga tarifas para empresas privadas em troca de serviços de péssima qualidade. O mais grave de tudo é que agora o governo fala em privatizar a Previdência e a Saúde, que já são precárias. O Brasil, aliás, já tem um modelo de Saúde privatizada que é o PAS (Plano de Assistência à Saúde), da Prefeitura de São Paulo. O que se vê são hospitais e postos fechados e população desassistida. Se essas privatizações vierem forçarão às pessoas que têm algum recurso a buscar saúde e previdência privadas, enquanto que aqueles que não têm recursos ficarão na dependência da caridade alheia.

No debate em torno da quebra dos monopólios e das privatizações o governo, a rigor, adotou uma postura diversionista. Contrapôs ao ineficiente modelo estatal- autárquico, o modelo privatista. O verdadeiro cerne do debate deveria concentrar-se em torno de qual relação deve existir entre o poder público e o setor privado e de qual relação ambos devem ter com o cidadão-consumidor de serviços. Acredito que essas relações deveriam ser definidas por três parâmetros: 1) garantia da qualidade dos serviços e de investimentos das concessionárias; 2) garantia de acesso universal aos bens e serviços; e 3) prerrogativa de interferência do poder público na definição das políticas tarifárias. Esses parâmetros pressupõem o controle público sobre o fornecimento de serviços por parte das empresas privadas. O controle público, para ser eficaz deveria ter uma vertente estatal, com funções fiscalizadoras e reguladoras. E uma vertente do público consumidor, através de conselhos de consumidores visando garantir a qualidade e a universalização dos serviços.

Neste momento, o governo está constituindo várias agências reguladoras nas áreas dos antigos monopólios estatais. Nas telecomunicações está sendo constituída a Anatel; na área elétrica, a Aneel; e no petróleo, a ANP. Resta saber se estas agências exercerão uma função de poder público, que é a de garantir o bem do público, ou se serão nichos de manipulação dos interesses privados. Os interesses econômicos e politico-eleitorais em jogo tendem a transformá-las em balcões de negócios privados. A situação pode ficar sem controle e o cidadão pode ficar no escuro, cair no buraco da estrada ou continuar a ouvir ruídos no telefone, na medida em que o Congresso abriu mão de interferir nas agências. Desta forma, a emenda pode ficar pior que o soneto. Ou seja, o modelo privatista selvagem tende a fornecer serviços ainda mais precários daqueles fornecidos pelo Estado autárquico.

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