1982-2002

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O escândalo da convocação

A convocação extraordinária do Congresso está sendo tratada por boa parte da opinião pública e da mídia como algo escandaloso. A opinião pública critica, principalmente, os elevados custos da convocação e nisto ela tem toda razão. Afinal de contas, é o dinheiro do contribuinte que está sendo gasta com uma causa de duvidosos resultados. Já parte da imprensa especializada argumenta que no ano passado os parlamentares não teriam trabalhado o suficiente, provocando a convocação extraordinária. Esta crítica não acerta o alvo correto porque, em 97, o Congresso deu conta de uma enorme agenda de trabalhos legislativos, uma das maiores de sua história. Registre-se, aliás, que a maior parte dos projetos de interesse do governo foram aprovados, fato que derruba a suposição de que o Legislativo atrapalha o governo.

A convocação extraordinária deve ser condenada por outros motivos. Em primeiro lugar, é preciso notar que o Congresso foi convocado por decisão do presidente Fernando Henrique usando uma de suas atribuições. O presidente justificou a convocação com o argumento da urgência da aprovação das Reformas Administrativas e da Previdência. Recheou a convocação com mais trinta itens. A rigor, um mês a mais ou um mês a menos não são decisivos para as reformas e os itens da pauta da convocação. A verdade é bem outra.

O Congresso seria convocado automaticamente por conta do artigo 62 da Constituição. Este artigo determina a convocação imediata do Congresso, estando ele em recesso, no caso da edição de medidas provisórias pelo Executivo. Cerca de 57 medidas provisórias serão reeditadas ao longo do mês de janeiro, e esta é a razão principal da convocação extraordinária do Congresso escamoteada pelo governo.

O verdadeiro escândalo das convocações extraordinárias do Congresso são as medidas provisórias. Desde 1989, quando o então presidente José Sarney editou o Plano Verão através de medidas provisórias, o Congresso foi convocado extraordinariamente todos os anos para apreciar MPs. A partir da promulgação da Constituição de 88 foram editadas 1602 medidas provisórias, sendo os momentos de pico as edições dos planos ou pacotes econômicos. As medidas provisórias se constituíram no verdadeiro processo legislativo do país, tornando o Congresso um mero poder coadjuvante do Executivo.

O Congresso também tem sua responsabilidade, na medida em que cabe a ele reformar as instituições do Estado e regulamentar o uso das medidas provisórias . Por ironia, na pauta da atual convocação extraordinária está incluído o item da regulamentação das MPs. O projeto estabeleceu a redução dos temas sobre os quais as MPs podem incidir e limita a possibilidade da reedição para uma única vez.

Atualmente a reedição é ilimitada. Mas o projeto não conta com a simpatia nem do governo e nem da maioria governista no Congresso. Tudo indica que não será aprovado. Assim, o Congresso continua delegando ao presidente da República poderes legislativos excepcionais , fato que representa uma capitulação ou, como venho afirmando em vários artigos, a manifestação da vocação suicida do Congresso.

Se o Congresso quiser recuperar sua desgastada imagem junto à opinião pública e afirmar positivamente suas prerrogativas, deve tomar duas iniciativas: a primeira consiste na regulamentação definitiva das medidas provisórias conforme o projeto em curso originário das Câmara; e a Segunda consiste em acabar definitivamente com a indústria das convocações extraordinárias. Para isto é preciso mudar a Constituição, estabelecendo que os parlamentares terão apenas um mês de férias como todos os demais trabalhadores brasileiros e não os atuais três meses de recesso. Este mês de recesso das atividades do Congresso poderia ser, por exemplo, entre 15 de dezembro e 15 de janeiro.

A Constituição deveria determinar que o Congresso só poderia ser convocado extraordinariamente em caso de guerra ou de crise institucional. Com esta mudança, o Congresso certamente passaria muitos anos, até mesmo décadas, sem ser convocado extraordinariamente.

A crise do Congresso e seu desgaste junto à opinião pública têm sido recorrentes após a restauração da democracia. Isto ocorre por várias razões. Em parte porque o Congresso é o poder mais exposto aos olhos do povo. Suas ações ou omissões são imediatamente perceptíveis aos olhos do eleitorado e da mídia. Por outro lado, se compararmos a tangibilidade das ações do Legislativo com as do Executivo, não resta a menor dúvida de que as ações deste último poder são mais efetivas.

Legislar e executar são ações que provocam resultados bastante diferentes. De qualquer forma, parece que cabe única e exclusivamente aos congressistas o papel de resgatar a imagem e as prerrogativas do Congresso. Isto depende tanto do comportamento responsável de cada um, quanto do poder efetivo que se queria destinar realmente ao Parlamento.

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