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O caso Naya e a imunidade parlamentar

A queda do edifício Palace 2, no Rio, os inúmeros processos e a série de denúncias que envolvem o deputado Sérgio Naya repuseram na ordem do dia a discussão sobre o instituto da imunidade parlamentar. A origem moderna da imunidade parlamentar remonta à revolução inglesa de 1688, à Constituição americana de 1787 e à Constituição francesa de 1791. Ela foi uma conquista dos Parlamentos e se afirmou como uma prerrogativa dos representantes do povo no exercício livre do mandato ante as pressões do Executivo ou de particulares. A imunidade parlamentar, que tem variabilidade de formas nos diferentes países, deve ser entendida como inviolabilidade do mandato ou do exercício da função parlamentar, como uma garantia para emitir opiniões, fazer críticas, formular denúncias, fiscalizar, propor e votar. O parlamentar deve poder contrariar interesses, sejam privados ou públicos, sem correr o risco de sofrer nenhuma retaliação ou punição por suas opiniões e seus atos políticos.

Deve ficar claro, portanto, que a imunidade parlamentar tem como finalidade proteger a instituição do mandato e a própria instituição do Parlamento. O parlamentar deve estar protegido na sua atividade política, e não na sua atividade como pessoa física, como cidadão comum. Quanto a este último aspecto, ele deve estar submetido ao mesmo conjunto de deveres e direitos a que estão sujeitos os demais cidadãos. Não há razões, portanto, para que delitos de natureza criminal ou civil sejam albergados na imunidade parlamentar.

Ocorre que a Constituição brasileira, no seu artigo 53, amplifica de tal forma o instituto da imunidade parlamentar que permite que ele seja manipulado para dar abrigo a atos criminosos e a ações que em nada se relacionam com o exercício político do mandato. O caput do artigo diz, corretamente, que os deputados e senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos. Mas o parágrafo 1º. estabelece que os membros do Congresso Nacional não poderão ser "presos, salvo em flagrante crime inafiançável, nem processado criminalmente, sem prévia licença de sua Casa". A autorização é necessária tanto para atos cometidos durante o mandato como para atos cometidos antes da posse.

Os parágrafos 2º. e 3º. do mesmo artigo abrem as portas para que adentre o interna corporis, o espírito de corpo, o corporativismo dos congressistas. Um determina que o indeferimento do pedido de licença ou a ausência de deliberação suspende a ação da Justiça contra o parlamentar enquanto durar o mandato. É o que acontece hoje na Câmara: existem dezenas de pedidos de licença para processo, só que não estão sendo julgados. Cabe salientar que alguns desses pedidos são insustentáveis, pois atribuem a deputados crimes de opinião ou de imprensa. Outros, no entanto, envolvem crimes variáveis e não há justificativa para que não se autorize o processo. O outro parágrafo determina que, mesmo no caso de prisão em flagrante de crime inafiançável, a Câmara ou o Senado precisam deliberar para estabelecer se pode ser processado.

Não resta dúvida de que o exercício político do mandato precisa ser protegido pela imunidade. Mas, da forma como os parágrafos do artigo 53 assentam o assunto, a Constituição garante também uma imunidade processual que só é quebrada com a autorização da Câmara ou do Senado ou com o término do mandato. É precisamente essa imunidade processual que precisa acabar. Existem no Congresso várias propostas com esse objetivo. Basta vontade política para que o tema seja posto em votação .Parece-me que a solução mais adequada é a que permite processar o parlamentar pelos seus delitos, sem autorização prévia da Casa, mantendo-se a exigência da comunicabilidade do processo ou da prisão em flagrante por crime inafiançável ao Congresso. E, tendo em vista que, muitas vezes, situações são forjadas e muitos processos têm motivações políticas ocultas, ficaria facultado à Câmara ou ao Senado suspender o processo ante a clara evidência de fraude e perseguição política. Acabaria, assim, a improcessabilidade do congressista por crime comum. E o Congresso deixaria de ser o refúgio de espertalhões e delinquentes, que vão em busca da imunidade para acobertar os seus crimes.

A cassação de Sérgio Naya é uma exigência da sociedade e um imperativo da Câmara dos Deputados, instituição que já tem uma imagem negativa perante a opinião pública. Mas restringir-se à cassação representaria mero ato reativo diante de um acontecimento com enorme repercussão pública. A resposta que o eleitorado e a sociedade como um todo querem dos deputados é o fim da imunidade processual para crimes comuns e a votação urgente de todos os pedidos de autorização de processos. Sem essa resposta os candidatos que vão garimpar votos nas eleições deverão enfrentar a justa ira popular.

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