1982-2002

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A criminalização do movimento social

O pedido de prisão de vários líderes do MST, formulado pela Polícia Federal a pedido do governo, representa uma clara tentativa de criminalizar o movimento social. O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso retoma, assim, a tradição mais reacionária das elites brasileiras: a mesma que na década de 20 tratava o emergente movimento operário como caso de polícia e a do regime militar, que tratava todos os movimentos subversivos. É inadmissível que num país que se diz democrático, e com demandas sociais tão reprimidas, o governo não adote como estratégia permanente de sua ação política o diálogo com os mais diversos movimentos sociais, com o objetivo de buscar soluções para as carências, os dramas e tragédias.

Até mesmo do ponto de vista dos interesses do governo, o pedido de prisão dos líderes do MST, que teriam insuflado os saques nas regiões atingidas pela seca, é um desvario político. Se o pedido de prisão for negado pela Justiça, como no caso de Stédile, o governo sai derrotado antecipadamente e arca com o desgaste de Ter tentado uma atitude autoritária e ilegal. No caso da prisão, surgem vários desdobramentos, todos prejudiciais ao governo: perspectiva de radicalização dos movimentos sociais, solidariedade da sociedade civil aos presos, solidariedade internacional e forte reação política da oposição. O pedido de prisão é, dessa forma, o típico tiro pela culatra.

A posição do governo fica ainda mais desconfortável pelo fato de a opinião pública, amplamente informada pela mídia, saber que o governo tinha conhecimento do advento da seca desde setembro de 1997 e não adotou medidas preventivas. Mais: o governo usou verbas da Sudene e do Dnocs para pagar juros da dívida externa. Os saques nas regiões da seca do Nordeste constituem uma prática histórica de massas humanas famintas e desesperadas. Não é a opinião dos bispos da CNBB ou dos líderes do MST que determina a existência de saques ou não. Por outro lado, a fome e a miséria nunca constituíram, em parte alguma, base para nenhuma ação política significativa destinada a promover mudanças ou revoluções. Ao contrário, a fome e a miséria, de modo geral, constituem base para a manutenção do status quo dominante.

Parece que este governo de teses acadêmicas e de encantados pelo exercício do poder perdeu a noção do que é estratégico para o País. O fim da guerra fria e o processo de globalização determinam novos parâmetros estratégicos para os países em desenvolvimento, dentre os quais se destacam três: estabilidade política, governabilidade efetiva e equilíbrio social. O bom desempenho da economia em grande medida, está relacionado à existência dessas três condições. Tudo indica que foram os desequilíbrios sociais e a instabilidade política que levaram, há poucos anos, o México à falência econômica. O mesmo está ocorrendo agora com a Indonésia. Se, após o impeachment de Collor, o Brasil conseguiu estabilidade política, o fato é que vive um desequilíbrio social brutal e a governabilidade não é efetiva. Não corrigidos, estes dois últimos fatores poderão, antes do que se imagina, conduzir à instabilidade política. São eles também fatores de credibilidade externa e de segurança para investimentos internacionais. A ausência de um governo ativo e o desinvestimento nas áreas sociais podem ser determinantes para colocar o Brasil na condição de perdedor na economia global.

Discorde-se ou não de atitudes e pontos de vista ideológicos de líderes do MST, como eu discordo, o fato é que eles representam o movimento social mais significativo do País, que tem uma causa justa e uma base enorme. Tudo indicava que com o processo de redemocratização o País marchava para superar duas atitudes equivocadas em relação aos movimentos sociais: reprimi-los sistematicamente ou tentar cooptá-los politicamente. Os movimentos sociais pareciam destinados a cumprir suas funções históricas na afirmação de robustas sociedades democráticas. Isto é, afirmar sua autonomia representando os interesses de grupos subalternos com o objetivo de promover a cidadania, a sociedade democrática de direitos e o equilíbrio social.

Já no início de seu governo, o presidente Fernando Henrique, ao enfrentar a greve dos petroleiros com rispidez, deu sinal de que seria refratário a uma sociedade participativa e reivindicadora . As atitudes de repulsa ao diálogo tanto com a oposição política quanto com os movimentos sociais foram recorrentes. Trata-se de um governo que pensou em definir toda a lógica constitutiva da sociedade brasileira a partir do Estado. É uma velha tradição autoritária, herdada de Portugal, que fez escola em toda a história do Brasil. Cabe aos luminares do governo definir o que é bom e o que é desordem, mesmo que a desordem seja obra e graça do governo.

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