1982-2002

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A crise social

O fim dos efeitos distributivos do Plano Real e os poucos resultados práticos das reformas constitucionais somados ao elevado desemprego nas regiões metropolitanas, ao desaquecimento do crescimento econômico e aos efeitos drásticos da seca no Nordeste, são os principais ingredientes que vão deslocando o eixo da agenda política do país. O movimento da agenda transita do Palácio do Planalto, do Congresso e dos escritórios empresariais e financeiros para as ruas e praças, para as rodas de conversas e para o interior de cada família. É como se um manto de dúvidas, temores e perplexidade começasse a tomar conta das pessoas. Num ano eleitoral, a campanha não poderia ficar imune ao movimento das preocupações das pessoas e tudo indica que a árida discussão de temas técnicos cederá lugar aos temas que se relacionam diretamente com as decisões de vida da sociedade.

A crise em curso, não é segredo para ninguém, está fortemente entrelaçada com as escolhas políticas e econômicas que o governo fez. Um processo de estabilização financiado pelo capital externo - boa parte do qual, volátil - e com juros proibitivos para aqueles que pretendem fazer investimentos internos tinha consequências mais ou menos óbvias: crescimento sofrível e feitos fortes sobre o nível de emprego, que já enfrentava outros problemas como o das mudanças tecnológicas etc. O governo errou o cálculo também ao subestimar a importância de uma agenda social e ao promover cortes incontestáveis no financiamento de políticas públicas, principalmente na saúde. As privatizações e as reformas parciais do Estado, por sua vez, não surtiram efeitos positivos. As empresas privatizadas não melhoraram a prestação dos serviços, o Estado não se tornou mais eficaz, o funcionalismo está há quatro anos sem receber aumento e até mesmo em áreas militares surgem sinais de descontentamento salarial. A crise social se reflete ainda na falta de segurança pública, na precariedade do atendimento à saúde, na falta de uma política nacional de habitação, no colapso físico e estrutural do ensino público e no eterno problema da reforma agrária.

O fato é que a crise social explode nos saques e mobilizações dos flagelados da seca no Nordeste e num crescente movimento de greves e manifestações nas metrópoles, principalmente na Grande São Paulo. O governo reage a crise social de forma negativa: sugere que as manifestações são manipuladas por objetivos eleitorais e procura criminalizar os movimentos sociais, especialmente o MST. Na verdade, estas não são saídas razoáveis para um país que procura afirmar a democracia. O razoável é discutir com os parceiros do governo, com a oposição e com os movimentos sociais uma agenda social para enfrentar os desequilíbrios e as desigualdades; e o razoável é negociar com os movimentos sociais pautas específicas. A intransigência do governo e a agressividade que o desespero social pode provocar, juntos, num ano eleitoral, tendem a elevar a temperatura política e a radicalizar os processos de disputa. Parece que o governo montou um plantão de pronta resposta às manifestações com base em sondagens sobre os efeitos que elas provocam na opinião pública. Ocorre que qualquer atitude do governo também provoca reações na opinião pública que não coincidem necessariamente com aquelas esperadas pelo governo. Além de não Ter agido preventivamente tanto em relação ao desemprego e a crise social quanto em relação à seca, parece que as reações do governo também são motivadas pelo cálculo eleitoral.

Diante da crise social, a atitude da oposição e dos movimentos sociais - setores que estão no mesmo lado mas que tem suas diferenças - também precisa ser posta em discussão. Greves, protestos e manifestações são direitos legais que não podem degenerar em tumultos e violência. Os saques famélicos são justificáveis, mas não podem ser estimulados politicamente. Denunciar os erros e as omissões do governo é um dever de todos. Mas parece que a própria sociedade espera algo mais e está cobrando um novo tipo de postura das oposições e dos movimentos sociais.

Essa nova postura centra-se em alguns pontos: 1) quais são as questões relevantes e urgentes da agenda social?; 2) quais são as soluções mais plausíveis?; 3) como reivindicar e como negociar? Por considerar que a atividade governamental tem sido falha e omissa recorrentemente na história brasileira, a sociedade parece querer encontrar mais soluções em si mesma que no Estado. Em face de problemas como a seca e o desemprego, a primeira atitude é a solidariedade ativa de pessoas e entidades da sociedade civil; a Segunda, organizar novos movimentos sociais específicos que tenham força tanto para reivindicar como para buscar soluções próprias. O Brasil está precisando inaugurar uma nova fase: abandonar a velha tradição estatista, paternalista e manipulatória, e entrar na fase de uma sociedade vigorosamente organizada, solidária, capaz de encontrar em si mesma boa parte das soluções para os dramas sociais.

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