1982-2002

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Ascensão e queda dos municípios

Uma das mais agudas diferenças entre os Estados Unidos o Brasil, dois países presidencialistas, diz respeito à estrutura da Federação. Os Estados Unidos apresentam uma estrutura altamente centralizada do ponto de vista político, com os poderes concentrados no presidente e no Congresso, mas extremamente descentralizada do ponto de vista administrativo. A autonomia administrativa dos estados e dos condados é um fato que se afirma desde a Independência americana. Esta estrutura institucional é apontada por muitos analistas como fator de eficácia e funcionalidade dos Estados Unidos.

No Brasil ocorre o inverso. A história da República mostra que há uma verdadeira bagunça política, que se expressa na ausência de um centro de comando político nacional, e uma excessiva centralização administrativa tornando estados e municípios dependentes do governo federal. A Constituição de 1988 tentou corrigir este último aspecto fortalecendo a tendência à descentralização administrativa. De 88 até o governo do presidente Fernando Henrique, mais precisamente até 1996, vivemos um período que pode ser caracterizado como de "ascensão dos municípios". A maior autonomia e a maior solidez fiscal dos municípios foram fatores que permitiram maiores investimentos locais e em políticas públicas. Neste período, várias iniciativas municipais, especialmente de prefeituras administradas pelo PT, receberam premios internacionais. As eleições de 96 foram tratadas por analistas como um fenômeno novo na vida política brasileira: a força política de prefeitos em eleger seus sucessores foi vista como decorrência da vitalidade das políticas municipais. É preciso, no entanto, sublinhar, que nesse período de ascensão foram cometidos alguns abusos como o endividamento excessivo de muitas prefeituras e a criação escandalosa de novos municípios.

A "queda dos municípios", a rigor, começa em 1994, mas os efeitos positivos da ascensão sobreviveram até 1996. A instituição do Plano Real representou um controle sobre os gastos dos estados e municípios tendo em vista o objetivo do combate à inflação pelo viés do controle dos gastos públicos. Este princípio, em si, não é errado. O problema é que vieram outras medidas que representaram uma verdadeira sangria nos recursos de estados e municípios destacando-se o Fundo Social de Emergência depois transformado em Fundo de Estabilização Fiscal (FEF); a Lei Kandir, que isenta o ICMs sobre produtos exportados; e a Emenda 14 sobre a Educação, que cria um Fundo federal que retém recursos dos estados e municípios. Só para se ter uma idéia, o FEF vai prejudicar os recursos dos estados, dos municípios, da Seguridade Social, do Fundo de Amparo ao Trabalhador e demais Fundos Constitucionais de Desenvolvimento. O FEF foi criado com o objetivo de controlar o déficit público. Mas além de prejudicar estados e municípios e de provocar cortes nas políticas públicas, ele vem se mostrando um instrumento ineficaz de controle do déficit público. O déficit público atingiu níveis alarmantes e, ao contrário do que pensa o governo, ele não é resultado apenas das despesas de custeio da administração. A política econômica de desaquecimento do crescimento provoca uma arrecadação menor de impostos, e os juros altos catapultam a dívida pública às alturas. Agregue-se que a situação dos estados só não é pior que a dos municípios por dois motivos: alguns estados estão sendo beneficiados pela chamada "guerra fiscal", e muitos, estão enfrentando a crise com a "farra das privatizações". Isto é, ao invés de abater dívidas, os estados gastam o dinheiros das privatizações em obras reeleitorais.

Este quadro de crise e de impasse não será enfrentado sem uma reforma do Estado que atinja o desenho da Federação, a relação entre União, estados e municípios. A reforma fiscal e tributária também está implicada neste problema. O problema a ser enfrentado é o seguinte: o aumento das despesas e encargos públicos deve ter uma correspondência no aumento da capacidade arrecadadora do poder público e uma adequada relação entre encargos e fontes financiadoras dos entes federados. A eficácia dessa equação exige uma maior autonomia de estados e municípios. Por exemplo: devem ser criados outros impostos tipicamente municipais. Subsidiariamente, deve-se limitar a criação de novos municípios. Os estados, por seu turno, devem otimizar suas políticas regionalizando (agregando municípios em regiões) projetos e investimentos.

Finalizando, o que está claro é que não é mais possível falar em reforma do Estado, em futuro do Brasil e em modernização sem enfrentar a reforma do pacto federativo e sem enfrentar a reforma política. Estes são dois "nós górdios" do funcionamento institucional. Sem um adequado pacto federativo, a governabilidade perde funcionalidade no aspecto administrativo. Em sem uma estrutura política adequada, a governabilidade não ganha eficácia nos processos políticos decisórios e as decisões não atendem as exigências democráticas. Os custos desses déficits de governabilidade são pagos pela sociedade.

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