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Eleições e crise de representação parlamentar

A constatação de que o Congresso vive uma crise de legitimidade, que é também uma crise de representação, já não é novidade para ninguém. Esta crise está imbricada com fatores circunstanciais, específicos do Parlamento brasileiro, e também com um fator mais de fundo, universal, que diz respeito à perda de prerrogativas dos Parlamentos em relação ao poder Executivo.

Os fatores circunstanciais que impingem descrédito ao Congresso estão relacionados à tradição corporativa dos parlamentares, aos privilégios que vicejaram até há pouco tempo, à impunidade de parlamentares que cometem delitos, à proteção que o instituto da imunidade parlamentar confere a crimes comuns e à ineficácia e falta de agilidade do processo legislativo. No caso do Brasil, a desordem partidária, a falta de representação dos partidos e o sistema eleitoral proporcional podem ser inscritos como causas específicas que também enfraquecem a representação política e provocam deficiências de funcionalidade das instituições legislativas.

Quanto ao fator universal, hoje são cada vez mais numerosos os estudos acadêmicos que chamam a atenção sobre a perda de prerrogativas dos Parlamentos em muitos países, inclusive em democracias avançadas. As decisões políticas relevantes e a própria iniciativa legislativa se concentram cada vez mais nas mãos do Executivo. Não bastasse isso, os Executivos são aparelhados por instrumentos diversos que lhe conferem o poder de instituir normas sem a anuência dos parlamentos. O instituto das medidas provisórias é exemplar no caso brasileiro.

Se as tendências centralistas não forem revertidas, a tradição republicana da separação, divisão e equilíbrio dos poderes sofrerá um duro golpe com graves consequências para a democracia. No caso do presidencialismo, pretende-se justificar a concentração de poder com o argumento de que a investidura popular do mandato monocrático do chefe de Estado lhe confere mais legitimidade do que ao mandato parlamentar distribuído e exercido por várias mãos. Mas é preciso não perder de vista que o presidente expressa apenas uma parte do povo, a que votou nele, enquanto que o Parlamento expressa a totalidade do povo. No Parlamento se expressa o pluralismo da vida nacional. Ao lado da maioria estão representadas também as minorias. No Parlamento, o debate, a negociação e a deliberação permitem chegar a um termo médio que reflete um maior equilíbrio entre os conflitos de interesses. Já o poder concentrado no Executivo favorece mais a parcialidade e a vontade discricionária. Não resta dúvida de que na melhor tradição republicana, o Legislativo é concebido como o legítimo depositário da soberania popular. Se é verdade que a origem popular do mandato do Executivo — seja no presidencialismo ou no parlamentarismo — também lhe confere parcela de soberania, a perda de prerrogativas do Parlamento estão transformando os presidentes e os primeiros-ministros em figuras neobonapartistas.

Os Parlamentos estão se tornando apêndices dos Executivos: ou são seus fiéis servidores ou se tornam objeto dos ataques dos chefes de governo e de Estado ao manifestam algum grau de autonomia. Nessa última legislatura, o Congresso brasileiro foi uma e a outra coisa ao mesmo tempo. Prostrou-se ante os desejos do presidente e Fernando Henrique responsabilizou-o pelos fracassos de suas próprias iniciativas.

O desprestígio do Parlamento é visível no contexto da atual campanha eleitoral. A maioria esmagadora do eleitorado não manifesta interesse pelos temas do legislativo e pelos candidatos. A mídia, de modo geral, também alimenta o mesmo desinteresse ao concentrar sua atenção nas eleições majoritárias. A desqualificação da composição do Congresso é, em parte, devida a esse processo eleitoral marcado pela ausência de debates, ausência de propostas para o Legislativo e desconhecimento dos candidatos. O ceticismo que setores informados da opinião pública mostram em relação às eleições parlamentares, manifestando a intenção de anular o voto, reforça ainda mais a desqualificação do Congresso aumentando o peso relativo dos votos de cabresto, dos currais eleitorais e da representação corporativa.

Mas a responsabilidade última pela perda de prestígio do Congresso é dele mesmo. Afinal de contas, são os próprios congressistas que se submetem à lógica do processo político centralista que ocorre hoje em todos os quadrantes. São os próprios congressistas que abrem mão de suas prerrogativas conferindo poderes a organismos subalternos do Executivo que sequer são dirigidos por delegados investidos de mandato popular. A representação democrática está sendo esvaziada de conteúdos e funções relevantes. Não é por acaso que é cada vez maior o número de pessoas que questionam a existência dos Parlamentos.

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