1982-2002

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A crise e o custo da coragem

A propaganda eleitoral de Fernando Henrique Cardoso tenta vendê-lo à opinião pública como um homem de coragem, capaz de adotar medidas duras para defender o Real mesmo que representem supostos riscos para a sua reeleição. Mas entre o que a propaganda diz e o significado efetivo das medidas do governo há uma diferença abissal e uma falta de ética assombrosa. Para entender o que se passa, talvez seja conveniente lembrar que o próprio Fernando Henrique já pregou que o governante deve "não dizer a verdade". Mais conveniente ainda é lembrar que, Max Weber, um pensador admirado pelo presidente, sugere que a ética própria dos políticos é a ética da responsabilidade. É dizer: o político deve assumir a responsabilidade por suas decisões e pelas consequências que elas acarretam. Parece que não é isto o que está acontecendo com esse governo.

Torna-se fácil vender a imagem de corajoso quando os seus custos recaem sobre os outros. As medidas que o governo adotou, não há dúvidas quanto a isso, provocam a quebradeira de empresas, o aumento da inadimplência, mais desemprego, jogam trabalhadores debaixo da ponte, deixam crianças famintas diante de geladeiras e despensas vazias, pessoas desassistidas nas filas dos hospitais públicos e semeiam a fome e a miséria. É preciso falar dessa crueza da vida real para dizer que a frieza dos números do governo atinge dolorosamente as pessoas. É preciso denunciar que a coragem das imagens televisivas obscurece a covardia da omissão e a criminosa arrogância dos burocratas do governo que venderam um falso otimismo durante quatro anos.

Contra todas as recomendações de economistas de várias tendências — de Delfim Neto a Maria da Conceição Tavares — o governo não ajustou o câmbio antes que a crise chegasse. Contra muitas advertências, o governo insistiu em manter um vínculo de dependência excessiva da nossa economia ao capital especulativo. Contra todos os perigos que isso representava, o governo endividou o país a níveis desastrosos mesmo vendendo dezenas de estatais para, supostamente, diminuir o déficit público. Mesmo contra a pressão do PT, da CUT e dos empresários, o governo não deu prioridade à reforma fiscal e tributária. Estas omissões são a principal causa da crise que atinge o Real e a economia brasileira. O governo, de forma escandalosa, afirma que a crise que nos atinge é global ou que é uma consequência da crise russa. Todos sabem que a crise tem uma dimensão global. Mas se o governo brasileiro tivesse cumprido com sua parte, hoje o Real estaria protegido contra as ameaças e milhões de empregos não seriam ceifados com tanta facilidade. Coragem o presidente teria se viesse a público dizer: "erramos, pedimos perdão, queremos um voto de confiança". Esta seria uma atitude consoante com a ética da responsabilidade, recomendada por Weber.

Ante a gravidade da crise, exige-se a responsabilidade de todos, inclusive da oposição. A oposição deve ser dura na crítica, mas ao mesmo tempo, como vem fazendo, deve apontar as saídas menos traumáticas. Se a crise não se agravar nos próximos dias, tudo indica que após as eleições o governo adotará medidas de ajuste fiscal. No curto prazo, essas medidas significarão mais sofrimento para a sociedade. Se o governo optar por cortes no Orçamento, as políticas sociais serão as mais prejudicadas. E se a opção for o aumento de impostos, a sociedade como um todo, mas especialmente a produção e o trabalho, serão os mais afetados. A carga tributária que recai hoje sobre a sociedade já é de mais de 30% do PIB. Mais de 7% do PIB financiam o déficit fiscal. Nenhum país que consume no setor público mais de 40% do que produz terá um futuro risonho. Acrescente-se que os serviços devolvidos pelo Estado à sociedade são ineficientes: a população não tem saúde pública, as empresas precisam arcar com planos de saúde privados para seus trabalhadores, a classe média também paga escola, planos de saúde e planos de previdência privados e a maioria esmagadora dos aposentados recebe vencimentos miseráveis. Isto significa que a sociedade está pagando duas vezes o seu sistema de seguridade social, um público e outro privado.

Com todas essas dificuldades sociais, é inaceitável que o marketing eleitoral construa uma biografia do Fernando Henrique político às custas de feitos e de sacrifícios dos outros. É preciso dar a Itamar o que é de Itamar, pois foi ele quem implantou o Real. E se o Real ainda tem salvação, esta será devida aos trabalhadores que sacrificam a satisfação de suas necessidades, aos milhões de desempregados e aos produtores industriais e agrícolas submetidos a condições de produção adversas e a juros escorchantes. Não é justo que o sacrifício de muitos seja contabilizado como eficiência dos especuladores e como coragem dos omissos.

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