Artigos | Projetos | Docs. Partidários
Versão para impressão
| Indicar para amigo 
No governo Geisel, como em qualquer outro durante o regime militar, ocorreram mortes, torturas, prisões, censura, caçassões e o fechamento do Congresso. Neste aspecto o governo Geisel não pode ser julgado fora do contexto do regime de exceção que se instaurou em 1964, mediante o golpe militar e a quebra da institucionalidade democrática. É preciso referir também que todo aquele período esteve envolvido no ambiente da polarização ideológica da Guerra Fria.
Mas seria inadequado do ponto de vista do juízo histórico se víssemos todo o período do regime militar com os mesmos olhos e não percebêssemos as diferenças políticas e pessoais que caracterizavam aqueles momentos e seus atores. Acredito que a característica principal de Ernesto Geisel e de seu governo consiste na auto-reforma que promoveu no regime militar, com vistas ao processo de normalização política. Com efeito, Geisel assumiu a presidência depois do período Médici, o mais repressivo dos governos militares, e após o avanço eleitoral da oposição nas eleições de 1974. Com inclinações ideológicas mais liberais e herdeiro do antigo grupo do general Castelo Branco, ele percebeu que era preciso buscar alguma forma de relegitimização do regime junto à sociedade para evitar o risco de um isolamento cada vez maior. Com esse objetivo, definiu a estratégia da "abertura lenta, gradual e segura" que sofreu resistêcias no interior do próprio regime. Pode-se dizer que o grupo castelista, incluindo Geisel e Golberi, adotava a concepção do autoritarismo instrumental. Ou seja, defendia o autoritarismo como meio para realizar determinadas mudanças e encaminhar um projeto nacional, mas sem perder de vista um modelo institucional não arbitrário.
Os principais pontos da reforma do regime adotados por Geisel foram, a substituição do AI-5 pelas salvaguardas institucionais, o fim da censura à imprensa e o controle do aparelho de repressão e dos órgãos de informação. Nesse sentido enfrentou a linha dura do regime militar com os episódios da demissão do comandante do II Exército em São Paulo, tendo como pano de fundo as mortes de Manuel Fiel Filho e Vlademir Herzog, e da demissão do ministro do Exército, Sílvio Frota, antecipando-se à disputa da sua sucessão. A maior abertura, promovida durante o governo Figueiredo, com a anistia, a reforma partidária e as eleições diretas para governadores foi o desdobramento lógico da estratégia da auto-reforma do regime inaugurada por Geisel. Claro que os avanços da oposição e a luta do movimento social contra o regime contam de forma decisiva nessas conquistas. Mas a luta da oposição teria outros condicionamentos se não estivesse em curso a abertura política. A abertura, de qualquer forma foi um processo contraditório: ao mesmo tempo em que o governo Geisel a promovia, lançava mão de instrumentos arbitrários como o fechamento do Congresso e o pacote de abril visando garantir uma maioria arenista no Congresso. A forma informal e arbitrária com que o regime tentou se institucionalizar produzia como efeito uma abertura de espaços cada vez maior para a oposição.
Pode-se afirmar, portando, que a principal marca do governo Geisel foi o controle do Estado paralelo, organizado no governo Médici, e a reforma do regime. Com isso, assegurou a sua sucessão nos marcos da auto-reforma mantendo a perspectiva da liberalização política. Geisel reformou o regime, antecipando-se à própria crise para não perder o controle do processo de redemocratização. Isto permitiu que os militares se retirassem de cena sem traumatismo e com um grau razoável de legitimidade junto à opinião pública.
Geisel exerceu um governo centralizador, fortalecendo o papel do Estado na condução do modelo de desenvolvimento econômico. Em suma, fez um governo empreendedor e estatizante. Na política externa não seguiu o figurino da bipolarização da Guerra Fria preferindo uma política de não-alinhamento, como ficou evidenciado nos casos do acordo nuclear e do apoio à independência de Angola.