1982-2002

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Eleitor não deu cheque em branco para ninguém

A opinião é do deputado José Genoino, campeão de votos, que quer apresentar uma alternativa ao modelo econômico que considera "socialmente perverso".

A trajetória do deputado José Genoino é densa, tanto política, como historicamente. Cearense de Quixeramobim, presidente do DCE do Ceará, logo após a decretação do AI-5 ele migrou para São Paulo onde passou a viver clandestinamente, como dirigente da UNE. Na década de 70, integrou-se ao PC do B, envolvendo-se diretamente na Guerrilha do Araguaia, Foi preso dois anos depois, logo no início da violenta reação das Forças Armadas que matou e prendeu os guerrilheiros, pondo fim à aventura guerrilheira.

José Genoino passou cinco anos preso. Ao ser condenado, escreveu da prisão uma famosa carta denunciando os excessos cometidos pela ditadura, carta essa que se transformou em referência histórica daquela época. Em 1979, já em liberdade, ele recuperou os direitos políticos com a decretação da anistia política. Em 1982, Genoino foi, pela primeira vez, candidato à deputado federal pelo PT paulista, onde integrava a corrente do PRC - Partido Revolucionário Comunista.

Com o fim do PRC, em 1990, José Genoino funda, juntamente com Tarso Genro e Eduardo Jorge, uma nova corrente dentro do PT chamada Nova Esquerda, que posteriormente daria origem à Democracia Radical, ala à qual pertence atualmente. Às vésperas de iniciar seu quinto mandato consecutivo como deputado federal, ele retorna à Câmara na condição de candidato mais votado em termos absolutos, tendo obtido a expressivíssima votação de 306.988 votos.

Hoje, o deputado José Genoino, atualmente com 52 anos, é parlamentar respeitadíssimo não apenas por seus correligionários, como também pelos seus adversários, que admiram sua capacidade de trabalho e a sua competência no exercício do mandato. Em entrevista exclusiva à revista Foco, ele analisa os resultados do último pleito e arrisca algumas opiniões sobre o futuro cenário da política brasileira.

Deputado, como o Sr. Interpreta a voz saída das urnas?

Em primeiro lugar, eu acho que o PT entrou nestas eleições para sobreviver. E saímos com uma vitória política. O Partido se legitimou como o principal pólo de oposição ao Governo Fernando Henrique Cardoso. Cresceu no Congresso Nacional, cresceu nos estados com governadores eleitos no primeiro e no segundo turnos. Provamos que a aliança feita foi correta e que a candidatura Lula foi importante para produzir este resultado. Sem Lula, nós teríamos tido dificuldade em dar essa arrancada. O fato é que o partido virou hoje um partido nacional.

Mas em termos gerais, como o Sr. Analisa os resultados do pleito?

As urnas também falaram que o povo quer uma oposição dura, competente, mas uma oposição que saia dos marcos das corporações. O eleitorado deixou claro que quer uma oposição que dialogue alternativas com a sociedade e com a cidadania. Os mais votados foram os que fizeram este discurso. Os governadores de oposição eleitos também fizeram um discurso amplo. Aliás, tenho para mim que se nós, desde o início, tivéssemos centrado nosso discurso na agenda social, teríamos chegado ao segundo turno.

Mas o fato é que o pleito foi decidido já no primeiro turno... O Sr. admite que o Presidente FHC saiu fortalecido das eleições?

Em relação à eleição de 1994, ele não saiu fortalecido. Isso se considerarmos o crescimento da votação do Lula e o número de votos nulos, brancos e as abstenções. A verdade é que o eleitor votou com um pé atrás, não deu cheque em branco para ninguém. A oposição recebeu credenciais para fazer oposição forte mas com competência. E o Governo ganhou, mas não ganhou de forma avassaladora. As urnas falaram mais do que as elites políticas do País. Elas revelaram que o cidadão está mais avançado do que muitas das nossas elites.

E o Sr., como deputado de vários mandatos e morador de Brasília, como encarou a derrota do governador Cristovam Buarque?

Essa derrota do Cristovam, para mim, foi o fato mais triste destas eleições. Essa derrota é simbolicamente pesada. A explicação devemos buscar ao longo de todo o governo, que falhou ao não ter tido uma política mais ofensiva para dialogar politicamente com os excluídos, quebrando a visão paternalista tradicional. O governo Cristovam fez obras, desenvolveu projetos sociais muito interessantes, mas faltou a disputa política pela população excluída. No meu modo de entender, a política ampla de coligação do Cristovam foi correta. O que acabou prejudicando foi o corporativismo. No segundo turno, a promessa demagógica dos 28% de reajuste para o funcionalismo local feita por Roriz, provocou determinada abstenção contra o Cristovam. Mas quem votou sob este ângulo, agora vai pagar o preço. Isso é educativo. A democracia também educa as pessoas.

E, em São Paulo, como o Sr. viu a vitória do Mário Covas? O Sr. concorda com aqueles que acham que o novo governador paulista será o interlocutor do governo com as esquerdas?

Isso não é automático. O interlocutor das esquerdas é a própria esquerda. A esquerda deve fazer oposição com base em projetos e por meio da interlocução. E essa interlocução se dá nos fóruns que a democracia cria. Não é no palácio do planalto. É no Congresso, nos governos estaduais, nas prefeituras e no movimento social organizado. É aí que a sociedade negocia. A eleição do Mário Covas foi importante porque derrotamos o Malufismo, que é a concentração do que há de pior na política brasileira. Sendo que a vitória dele se deu independentemente da política dúbia do Palácio do Planalto.

Mas o Sr. é a favor da participação do PT no governo de Covas?

Eu acho que o PT, que mostrou ser um partido grande em São Paulo, com as expressivas votações da Marta Suplicy, do Eduardo para o Senado, e com a bancada que elegeu. Devemos estabelecer um diálogo positivo com Covas, mas sem entrarmos no governo. Nós somos oposição. A população elegeu Covas. Nós temos que reconhecer, temos que respeitar isso. Devemos negociar com ele projetos e também fazer-lhe críticas, mas sem participar do governo. Temos que fazer uma oposição de diálogo ao governo Covas.

E a eleição de Itamar em Minas?

Para o país, o chamado Triângulo das Bermudas, foi remexido. A eleição do Itamar, a eleição do Garotinho no Rio e a eleição do Mário Covas, foram uma sinalização de que o centro do poder pendeu para a centro-esquerda, diferentemente da composição de centro-direita do Palácio do Planalto. Eu acho que o Itamar tem um papel importante e que o PT deve estabelecer também um diálogo com ele, positivamente.

Participando do secretariado, inclusive?

Pode-se até chegar nisso. Mas não começar o diálogo já pensando nisso. Devemos manter nossa independência, mas com uma postura construtiva em relação ao Itamar. A eleição dele foi positiva. Ele já expôs sua posição crítica em relação ao pacote fiscal, por exemplo. A eleição, como já disse, mudou o eixo político do País que tendeu para a centro-esquerda. E isso vai exigir da esquerda, amplitude, competência e habilidade, para que no Congresso, nos governos estaduais e na sociedade em geral, sejamos capazes de apresentar um projeto - que não seja só da esquerda - reformulando esse modelo econômico, que é perverso, recessivo e injusto.

Passadas as eleições, já com o ajuste fiscal na pauta do Congresso, surgem movimentações curiosas à direita, com Maluf propondo a união do PPB, PFL e PTB, e também à esquerda, com alguns setores, fora do PT, procurando também se reaglutinar em novas bases. Como o Sr. vislumbra o próximo cenário político que deverá se formar para a disputa presidencial de 2002?

Eu acho que no Brasil existe espaço para uma alternativa de direita, tem espaço para uma alternativa de centro e também tem espaço para uma alternativa de esquerda, que atrairia os setores de centro-esquerda para construir um projeto de poder. A particularidade do Brasil é que não existe autonomia, nem força, para uma alternativa de centro esquerda sozinha. Por uma simples razão: o centro se deslocou para a direita, com a aliança do PSDB com o PFL feita por Fernando Henrique Cardoso. Isso é um fenômeno político de deslocamento de forças. Portanto, vejo no Brasil uma tendência à polarização entre a centro-direita e uma alternativa de centro-esquerda, capitaneada pela esquerda. E o PT tem nisso uma grande responsabilidade, como principal partido das esquerdas. A eleição credenciou o PT para isso. Devemos contribuir nesse rumo. Sem fusão, sem pressa, guardando as respectivas identidades. Mesmo porque o próprio PT precisa passar por uma reformulação programática, organizativa, tática, em relação ao seu próprio projeto.

E quanto a 2002?

Em relação à disputa de 2002, a tendência do processo é um movimento de aglutinação de forças políticas para a disputa, seja das prefeituras em 2000, seja a disputa estratégica pela Presidência da República, quando não valerá mais a reeleição para o presidente Fernando Henrique Cardoso. Estou convencido de que este segundo mandato do Presidente vai de dar em outra conjuntura política. Não só no meio de uma grave crise social. Vamos também assistir à perda do charme do Presidente, com esse desastre da equipe econômica, como por causa da plantação política das alternativas para 2002. Eu acho que é dentro desse novo quadro que nós teremos que trabalhar, fazendo uma oposição de olho na sociedade, criando alternativas sempre, para cada questão, para cada problema.

Então o Sr. não acredita na possibilidade de o presidente FHC preferir acompanhar a inclinação das urnas e aproximar-se mais das esquerdas, afastando-se da direita, durante o cumprimento desse segundo mandato?

Eu não vejo essa possibilidade, até porque acho que essa foi uma escolha pessoal do presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi ele quem escolheu esse caminho de resgatar o que há de mais perverso na elite brasileira. A postura dele no segundo turno em muitos estados, a maneira como ele fez campanha, a ambiguidade com que ele se comportou em São Paulo, o apoio que ele deu ao Roriz aqui em Brasília, a campanha que ele fez no Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul, foi no sentido de legitimar aquelas alternativas. Foi ele quem criou esse sistema de amarração política. Ele não foi obrigado a criar nada. Temos que acabar com essa história de que o presidente é vítima das pressões do seu arco de alianças. Ele fez a escolha. Ele tem a caneta e a chave do cofre na mão. Quando quer, ele pode fazer movimentos. Só que ele escolheu o caminho da centro-direita. E assim mantém uma modelo econômico perverso, socialmente. Ele vai mudar a base desse modelo econômico? Com esse recente pacote fiscal, não há nenhum sinal disso. A grande chance que ele teve se esgotou nos dois primeiros anos do primeiro mandato, quando ele tinha cacife político para direcionar o governo no sentido da priorização da agenda social. Aliás, ele parece também haver se esquecido do primeiro discurso que fez aqui no Congresso Nacional, logo após a posse, em 1º de janeiro de 1995, quando anunciou como prioridade o combate à pobreza, reconhecendo que o país não era pobre, porém injusto. No entanto, fez um governo elitista, desrespeitoso com as esquerdas (embora reconhecendo que as esquerdas andaram cometendo erros também). Um governo que legitimou, em muitos estados, uma elite patrimonialista, que nunca cedeu nada. O Governo Fernando Henrique Cardoso não está nem construindo um novo contrato social para o País, o que modernizaria, socialmente, o capitalismo. Temos que modernizar as relações sociais.

E qual é a sua visão pessoal da crise que nos afeta profundamente?

Os três planos econômicos não deram certo porque tinham consistências falsas, porque eram poucos sustentáveis. O Plano Cruzado era sustentado no controle de preços e não deu certo. O plano Collor foi baseado no confisco das poupanças e dos ativos financeiros. E o Plano Real, que de fato foi o mais engenhoso e criativo, e que produziu um bem que foi o controle da inflação, no momento em que se sustentou apenas na captação de dinheiro lá fora a juros altíssimos, criou uma armadilha fatal. Eu comparo lembrando a pasta e o tubo: a pasta não volta para dentro do tubo depois que sai. Pois na medida em que se criou essa espiral de juros, o Brasil passou a pagar para cobrir esse "buraco" com um preço muito alto. Como consequência, não temos um modelo autônomo, não temos uma política defensiva em relação à voracidade da tirania financeira internacional, não temos política de proteção como qualquer país tem. Estamos longe de uma política de retomada do crescimento e de modernização das relações sociais. Não se fala em pacto contra a recessão. Bem ou mal, o Brasil passou da ditadura para a democracia. Bem ou mal o Brasil cresceu economicamente. Mas nunca conseguimos resolver a exclusão social, que vem da colônia e que está se agravando com o Governo Fernando Henrique Cardoso. Para mim, a lógica desse Governo que aí está é transformar as pessoas em coisas. Para eles, os pobres são inúteis e só tem alguma utilidade em tempo de eleição. Depois, podem morrer de Aids, de tráfico de drogas etc. Hoje 1/4 da humanidade afronta 3/4 de pobres. E aqui no Brasil nós temos o maior índice de exclusão social pelo desemprego. Portanto, o desemprego é a negação da cidadania das pessoas. Por isso eu acho que esse plano, que não muda a base de sustentação da estabilidade, é perverso porque ele vai aprofundar o desemprego e a crise social. E esse aprofundamento da exclusão e do desemprego, inclusive a penalização dos servidores públicos, está sendo praticado em nome de um "buraco" que não é causado pela lógica interna da nossa economia. Esse "buraco" é causado pela crise internacional. Mas porque o País está vulnerável? Porque não fez o ajuste fiscal em 1995, em 1996 ou em 1997. Agora estamos pagando o preço. Mas o que me assusta na equipe econômica e no próprio presidente Fernando Henrique é eles acharem que a política é determinada pela economia. No passado, a esquerda achava que a política era determinada pelas forças produtivas. Agora, eles estão achando que a política é determinada pelos mercados financeiros. Não existe uma única verdade. Que a crise é real, é. E também sabemos que não se faz omelete sem quebrar ovos. Mas o grande problema é definir quem é que paga a conta? Esse pacote é injusto porque quem tem mais não está pagando. Aliás, quem está pagando é quem tem menos. Por isso, repito, o pacote é socialmente perverso.

Mas, tirando pela facilidade com que o Governo aprovou as últimas medidas da Reforma da Previdência, o ajuste deverá ser aprovado sem maiores sobressaltos, não acha?

É provável. Digo isso calcado em duas constatações: eles formam a maioria aritmética, regada num ambiente de "toma lá, dá cá". Isso cria para nós um problema sério. Devemos visualizar para a sociedade um programa alternativo. Mesmo perdendo com esse "toma lá, dá cá" nós temos que dialogar com a sociedade. Por exemplo, eu acho que a oposição deveria abrir um amplo diálogo com o setor empresarial, incluindo os grandes, médios e pequenos, e também com outros segmentos da sociedade, para criarmos uma alternativa ao ajuste, à reforma fiscal e à política econômica. Temos que elaborar uma proposta que não seja só das esquerdas e sim uma proposta ampla. Temos que fazer uma ofensiva política, independente deles terem a maioria numérica.

Na condição de deputado federal mais votado em termos absolutos, o Sr. também considera como prioridades da agenda política brasileira a reforma tributária e a reforma política?

Para mim, eu acho que deve ser a reforma política, a reforma fiscal e tributária e a reforma social. Em relação à reforma política, no entanto, nós não podemos fazer remendos. Aprovar a fidelidade partidária, por exemplo, como o Governo está querendo, é querer botar um cabresto nos deputados. Temos que criar um sistema de representação, de funcionamento e de legitimação. Teremos então que mexer no sistema eleitoral, na fidelidade partidária, na representação dos estados na Câmara, no funcionamento da Câmara e do Senado. Teremos ainda que regulamentar drasticamente o uso das Medidas Provisórias, para limitá-las. Como deveremos fazer toda uma discussão política sobre o pacto federativo, para definirmos a reforma fiscal e tributária. E a reforma social, pois não queremos a penalização dos mais fracos, via precarização das relações do trabalho, como está agora propondo o Governo com essa idéia de implantar os contratos temporários. Mas a CLT está ultrapassada. Por isso temos que fazer um novo modelo de Código do Trabalho, com maior poder para a negociação direta, e, principalmente, separando o que é penduricalho do que é direito. Porque os direitos são imutáveis, mas os penduricalhos podem cair.

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