1982-2002

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A chantagem e a ABIN

A forma inicial como o governo tratou o caso da dupla chantagem envolvendo a gravação de fitas no BNDES e os documentos da suposta empresa com sede nas Bahamas suscitou dúvidas e preocupações. O governo cometeu um erro técnico ao entregar o caso ao GABINete Militar da Presidência da República, chefiado pelo general Alberto Cardoso. É a partir desse erro que se recoloca a discussão sobre a Agência Brasileira de Inteligência, a ABIN. Gravações de conversas telefônicas não autorizadas pelo judiciário constituem crime. Não é função nem dos órgãos de inteligência e informação nem do GABINete Militar investigar atos criminosos. Por envolver órgãos federais e funcionários graduados do governo, até mesmo da confiança do presidente, o caso deveria ser entregue ao Ministério Público e investigado pela Polícia Federal. O governo errou, primeiro, ao não tornar público o ato criminoso e a tentativa de chantagem. E errou novamente ao entregar o caso ao GABINete Militar. Nenhuma investigação envolvendo a mais alta cúpula do governo pode ficar a cargo de um órgão de inteligência subordinado à Presidência da República. O mesmo ocorre com os documentos da suposta empresa nas Bahamas, envolvendo lideranças do PSDB. O caso também deveria ser denunciado publicamente pelo governo e encaminhado à polícia. Os dois casos só se tornaram públicos quando a imprensa descobriu a sua existência. O mais grave de tudo é o próprio general Cardoso Ter declarado, a priori, que achava difícil encontrar os responsáveis pela dupla chantagem. Somente na Quarta-feira, depois de pressão da imprensa e de críticas da oposição, o governo decidiu encaminhar as investigações ao Ministério Público e à Polícia Federal. A atitude que o governo adotou até agora poderá transformar-se num transtorno político, pelos seguintes motivos: governo e as lideranças do PSDB deveriam ser os primeiros a exigir uma completa investigação policial dos dois casos; caso seja confirmada a falsificação dos documentos sobre a empresa dos tucanos nas Bahamas, os acusados devem exigir a punição dos falsificadores e daqueles que tentaram manipular política e eleitoralmente o dossiê. Caso contrário, a chantagem se tornará uma praxe eleitoral e todo o sistema político ficará vulnerável a práticas ilícitas. Uma atitude complacente do governo indicará que houve acordo político para encobrir a chantagem. É preciso levar em conta também que, se o caso não ficar esclarecido, pairará uma ponta de dúvida na opinião pública. Essa dúvida atingirá a credibilidade do governo e dos demais envolvidos. Ou seja, a própria governabilidade, de algum modo, será atingida. É exatamente no bojo do erro técnico que começam a surgir indagações sobre o caráter funcional que o governo pretende conferir à ABIN. Como se sabe, o governo encaminhou ao Congresso projeto de lei propondo a criação da agência de inteligência. Por considerar o projeto limitado, apresentei substitutivo, que já tive a oportunidade de detalhar neste mesmo espaço (21/3/98, A2). O primeiro ponto que deve ficar claro nessa discussão é que a ABIN não pode ser criada para ser um instrumento do presidente a serviço dos interesses políticos de um governo qualquer. A ABIN deve ser concebida como um órgão do Estado, como uma instituição pública permanente destinada a produzir atividades de aquisição, processamento, análise, produção e disseminação de informações estratégicas relativas a realidades e atores. Ela deve auxiliar o processo decisório do Estado, tendo em vista a sua eficácia. Não pode ser concebida como um órgão de investigação policial, de espionagem política ou qualquer coisa do gênero. No substitutivo que apresentei, a ABIN é concebida sobre dois eixos: a competência do serviço, fundada no profissionalismo de seus servidores, recrutados por concurso público constituído de provas e títulos, e o controle público da própria atividade de inteligência. O controle será feito por comissão mista do Congresso Nacional, nos moldes da comissão existente no Congresso norte-americano. Os parlamentares membros dessa comissão seriam portadores de credencial de acesso a assuntos sigilosos e secretos e seriam responsáveis criminalmente pela quebra de segredos. No caso das gravações do BNDES, por exemplo, caberia à comissão do Congresso examiná-las e dar-lhes destino. O Brasil precisa também de uma nova lei para definir o que sejam assuntos sigilosos, reservados, secretos e ultra-secretos. A legislação em vigor sobre esse tema é ainda da época do regime militar. O fato é que não cabe ao Executivo nem a órgãos subordinados seus definir o rol de assuntos sigilosos e secretos. Eles dizem respeito ao interesse de Estado, e não aos critérios deste ou daquele governo singular. Somente uma legislação definida pelo Congresso terá legitimidade para assegurar o que realmente deve ser entendido como segredo de Estado

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