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Existe um herói nacional?

Há, certamente, ao longo da história do Brasil muitas personalidades que merecem respeito e admiração. Entre outros podemos lembrar Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Getúlio Vargas etc. Mas se perguntássemos se há um herói nacional reconhecido pelas sucessivas gerações, acredito que a resposta deva ser negativa. Na definição clássica, herói é aquele que produz grandes feitos históricos capazes de transformá-lo num mito do povo. Geralmente, os grandes heróis nacionais estão ligados a eventos específicos como a fundação de um Estado, ou sua defesa ante uma agressão externa, ou, ainda, aqueles grandes líderes que são capazes de indicar num caminho que se torna uma espécie de destino da nação. Outra característica que acompanha o herói é a liderança, seu poder carismático. Quando uma determinada nação atravessa momentos de crise apela-se para esses heróis, para essa espécie de genitores da pátria, porque servem como ponto de referência para retificações ou como esteios para a retomada de caminhos e destinos.

Em outros povos podemos identificar personalidades descritas aqui nas figuras de Pedro Grande e Catarina, na Rússia; Garibaldi, o herói da unificação da Itália; Napoleão, entre outros, na França; Thomas Jefferson, George Washington etc., nos Estados Unidos; Simon Bolivar. Em alguns países, pode ser muito extensa. É curioso notar que no Brasil não existe nenhum vulto capaz de adquirir uma significação semelhante aos casos aqui citados e a muitos outros não mencionados.

No processo de constituição histórica do Estado brasileiro existem dois momentos fundantes: a Independência e a Proclamação da República. Os dois protagonistas principais de cada um, Dom Pedro I e Marechal Deodoro, no entanto, estão muito distante de serem considerados heróis nacionais dignos de veneração por todos os tempos. Boa parte do povo brasileiro sequer sabe quem foram. Eles são lembrados apenas nas datas comemorativas e nos livros de história. Nos momentos em que o Brasil passou por suas sucessivas crises, jamais se apelou para o legado ou para o exemplo de Dom Pedro I, ou para qualquer outra figura que pudesse servir de amparo para sair das dificuldades. Em suma, as nossas principais figuras históricas não são exemplo e Nào deixaram um legado significativo, capaz de tornar-se um preconceito histórico indicador de caminho ou destino.

Mas qual a razão de sermos tão carentes de heróis? Por que os principais atos de fundação do Estado brasileiro - a Independência e a República - são tão vazios de significação? É preciso notar que esses dois eventos foram quase prosaicos. Nenhum deles assumiu as feições de uma luta nacional popular. A Independência foi quase um acaso. A República foi uma espécie de um golpe militar. Aliás, em 16 de novembro de 1889, um dia após a proclamação da República, a maioria esmagadora do povo brasileiro estava indiferente ao fato. A característica comum da Independência e da República consiste em que foram transições "pelo alto", feitas por aqueles que estavam no poder. Não foram revoluções ou transformações que emergiram de baixo para cima; não foram transformações que implicassem uma união popular para mudar a realidade. Nem a Independência e nem a República carregavam no seu bojo um projeto de nação, Nenhuma pretendeu conferir um destino ao Brasil. É natural que esse esvaziamento de conteúdo e de significado histórico esvaziasse também os seus principais protagonistas da auréola heróica que acompanha os grandes líderes. Foram atos desprovidos da presença da tragédia, necessária aos grandes acontecimentos.

Escritores políticos brasileiros do início do século XX. Como Alberto Torres, Manoel Bonfim, Oliveira Viana, Azevedo Amaral, entre outros, perceberam a inexistência de um projeto nacional. Mais recentemente, Raimundo Faoro enfatizou o caráter inconcluso das transformações institucionais de nosso país. Foram revoluções que não se realizaram, reformas que fracassaram , mudanças que falharam. Foram transformações conservadoras que se realizaram sob o famoso princípio do "façamos a revolução antes que os outros a façam". Ou seja, mudou-se para que tudo permanecesse como estava. Esse caráter conservador e conciliador das nossas mudanças transladou-se para o século XX e podemos percebê-lo em outros momentos, como a transição democrática e o Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves. O próprio governo Fernando Henrique é um exemplo de conciliação conservadora.

Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, constata que o Brasil nunca aspirou à grandeza. A imagem que projetamos ao longo da história é a de um país gigante e cheio de bonomia, avesso à violência e à conquista. Um país, portanto, acanhado ante as necessidades de afirmação internacional e de inserção soberana no mundo. Somos um país sem destino, sem vocação e sem ideais a defender. É compreensível que, com esta cultura política e histórica, não aspiremos à grandeza, não podem florescer líderes heróicos. Mas a história não é uma repetição eterna. Muitas nações, que dormiram por muitos anos no sono da insignificância, despertaram de sua letargia fomentadas por necessidades, por ideais ou por grandes líderes, e ascenderam aos cimos da grandeza histórica. Neste final de século e de milênio, e no momento em que estamos prestes a comemorar os quinhentos anos de nosso descobrimento, torna-se imprescindível que façamos um balanço crítico de nossa história para que possamos, quem sabe, descobrirmo-nos como uma nação vocacionada a um destino grandioso.

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