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A promessa é algo inerente à ação política. Já que não há certeza sobre as ações humanas, ainda mais quando elas devem ocorrer no futuro, a promessa serve para reduzir essa margem de incerteza e para estabelecer uma espécie de vínculo contratual ético entre os candidatos e os eleitores. Por isso, a promessa deve revestir-se de caráter de absoluta seriedade pelo lado do político, já que a ele será imputada a responsabilidade seja pelo êxito ou pelo fracasso na realização futura das promessas. A promessa tem que fundar-se no real, no exequível e deve exprimir as melhores potencialidades levando-se em conta os objetivos comuns e gerais da sociedade.
Se tomarmos como ponto de partida esta raiz responsável da promessa podemos concluir que muito do que se vê hoje nos programas e comerciais de TV sobre as eleições não passa de farsa. A realidade dos ônibus superlotados, da falta de transporte e das horas de espera nos pontos é substituída pela ilusão de um fura-fila voador. A meséria, a desgraça e a fome que mantêm milhões de favelados em condições subumanas de existência é apagada pela miragem de pequenos, mas limpos e desejados apartamentos. O esgoto a descoberto e as ruas sem calçadas são engulidas por túneis futuristas onde deslizam suavemente carros importados, que mais parecem obra de ficção. O favelado, o trabalhador as pessoas de classe média que sofrem todo fim do mês para pagar as contas, estão sendo puxados todas as noites para dentro da TV no horário eleitoral onde impera uma cidade de sonhos e sem problemas. As luzes da cidade fantástica, das soluções mágicas, rapta as consciências e apaga os problemas reais do transito, da habitação, da saúde, da escola e da favela.
Nunca como nessas eleições a solução para a miséria e os problemas urbanos ficou tão fácil, como mostram os desenhos gráficos das campanhas eleitorais feitos em computador. O povo fica três anos comendo o pão que o diabo amassou e agora vê todos os seus problemas resolvidos por uma inflação de ilusões e falsas promessas. Determinadas campanhas dão a impressão de que o poder público tem dinheiro para realizar qualquer fantasia ou extravagância. As campanhas viraram uma guerra de marketing eletrônico, onde a paixão das pessoas e a agitação dos comícios foi substituída pela passividade aconchegante do sofá da sala. O fato é que estas eleições estão sendo marcadas por uma situação de fuga da realidade que contamina pessoas, políticos, intelectuais e até mesmo a sempre críticas imprensa.
O uso da máquina pública, a inauguração eleitoreira de obras concluídas a preços absurdos, todas essas práticas que foram condenadas pelo processo de moralização da política estão de volta como se o Brasil não tivesse caçado o mandato de um presidente e feito uma cirurgia no Congresso. O absurdo chaga a tal ponto que os governantes chegam a inaugurar o início de obras, o meio e o fim. O proselitismo com o dinheiro do contribuinte chega ao ponto do descaramento. Os governantes substituem o senso de responsabilidade e as obrigações que deveriam ter para com a coisa pública por uma autoprojeção de imagens como se fossem heróis.
Os meios de comunicação, ao menos em São Paulo, parece que aceitaram a tarefe de dar suporte à guerra do marketing eletrônico. Observa-se nas últimas semanas na mídia um esforço tenaz para produzir uma polarização entre Celso Pitta e José Serra, deixando à margem Luiza Erundina que, ao menos nas pesquisas, ocupa um sólido segundo lugar. Esta tentativa de criar uma polarização artificial e o tratamento privilegiado que as candidaturas de Serra e Pitta recebem na mídia não parece ser um bom caminho para se construir uma democracia com meios de comunicação capazes de garantir espaços equivalentes a todas as forças políticas relevantes da sociedade.
As consequências políticas dessa fábrica de ilusões eletrônicas podem custar muito caro amanhã, quando a população perceber que foi vítima de uma farsa. O descrédito das instituições democráticas e dos políticos poderá se aprofundar a tal ponto que já não reste credibilidade. O PT e a esquerda estão disputando estas eleições com uma certa perplexidade diante da guerra de marketing. O que nós temos para prometer são coisas que foram testadas onde o PT governou cidades. São projetos que funcionam, sem grandes custos, sem as luzes enganosas da televisão, mas que a ONU os escolheu como modelos de soluções não só para as cidades brasileiras, mas também para cidades de outros países. É em nome da eficácia do simples, do útil, do necessário, do sério e daquilo que efetivamente é um bem público que se deve reagir contra o fantasioso e o mentiroso nesta reta final de campanha. A imprensa que, sem dúvida foi a instituição social mais relevante no processo de moralização que o país sofreu, está novamente convocada a ocupar o lugar que é seu no sentido de criar uma opinião pública crítica e esclarecida.