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Aborto legal e moralidade

Nenhuma pessoa de bom senso é favorável ao aborto como método anticoncepcional. Até mesmo porque não se trata disto: o aborto é a interrupção de uma concepção que, por um motivo ou por outro, não é desejada. É improvável que a gravidez indesejada deixe de existir algum dia em alguma sociedade. Reconheço o caráter polêmico que envolve o tema, pois nele estão implicados valores morais. Mas é inquestionável também que a reivindicação da descriminação do aborto se dá sob a égide da afirmação de um direito das mulheres. Além disso, a descriminação envolve hoje um problema de saúde pública. São estas duas razões que motivam meu posicionamento favorável à descriminação do aborto.

A legislação brasileira permite, restritivamente, a interrupção da gravidez em dois casos: quando não há outro meio de salvar a vida da mulher e quando a gravidez é decorrente de um estupro. Os impedimentos legais devem ser levantados para que a mulher possa interromper a gravidez indesejada até 90 dias após a concepção. A ciência atesta que nesse período o feto não adquiriu animação. Por outro lado, são conhecidas as estatísticas trágicas, que levam à morte e à graves lesões físicas milhões de mulheres, por conta da prática clandestina do aborto. É preciso por em sintonia a ordem jurídica e a realidade: a prática social das mulheres reivindica direito de interromper a gravidez indesejada.

Os grupos que manifestam contra o aborto legal confundem Direito e Moral. Querem que toda a sociedade assuma a moral particular deles próprios, que deve ser respeitada, mas que não pode ser imposta aos outros como uma verdade absoluta. A conduta humana é regulada por normas que pertencem à esferas diferentes da vida e da sociedade. Do ponto de vista democrático, as normas jurídicas, que pertencem à esfera do Direito, têm um caráter universal e se constituem num dever para todos. A esfera da vida social abriga também muitas normas de conduta humana, geralmente denominadas de normas morais. A Moral orienta a conduta humana em face a outro ser humano e em face a si mesmo. Tanto as normas do Direito como as normas da Moral são criadas pelo costume ou pela racionalização da consciência. Mas, inequivocadamente, Direito e Moral constituem espécies diferentes de normas.

O Direito, por exemplo, prevê organismos especializados na aplicação das normas. As normas do Direito têm um caráter coercitivo. Já a Moral humana não estabelece sanções para a suas prescrições ou proibições. A vasta experiência humana permite estabelecer a convicção de que não há uma moral absoluta. Todo valor moral é relativo. O que é justo ou injusto, bom ou mau varia de acordo com as épocas históricas e as circunstâncias sociais. O valor absoluto só pode existir nas crenças religiosas que fundam seus valores referenciais numa divindade transcendente. Nenhuma religião, no entanto, tem o direito de impor suas prescrições e seus valores aos outros. Isto só seria possível num Estado teocrático que seria, necessariamente, um Estado ditatorial próximo ao totalitarismo ideológico do nazismo ou do comunismo. O Estado laico se funda numa moral pluralista e as normas jurídicas não precisam expressar uma moral mínima de nenhum sistema moral em particular. As normas jurídicas, por serem determinações devidas, são, por si mesmas, normas morais. Do ponto de vista da ordem jurídica, não há nenhuma imoralidade na prática do aborto legal.

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