1982-2002

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A crise e a política

Com o aguçamento da crise econômica e política, o pensamento autoritário e parte do senso comum exigem que todos os agentes políticos e sociais se comportem uniformemente. O comportamento uniforme correto seria definido pelas medidas propostas pelo governo. Geralmente se esquece que o principal responsável pela crise é o próprio governo. Por que, então, as suas propostas seriam as mais corretas?

O governo, além de ser vítima de seus próprios erros, é também vítima de sua arrogância. O presidente passou quatro anos desqualificando tudo o que lhe era divergente. Depois culpou as diferentes crises internacionais pelas dificuldades internas. Na campanha eleitoral, sustentou não só que o real não seria desvalorizado, mas que seu governo acabaria com o desemprego. A frase mais destacada de seu discurso de posse consistiu na afirmação: "Não fui eleito para ser gerente da crise". A verdade nua e crua deste início do segundo mandato é que o governo está sendo gerido pela crise. A situação fugiu do controle: após alargar a banda cambial em 8%, o governo, pela pressão do mercado, viu-se obrigado a deixar o câmbio flutuar. As margens de manobra se estreitam, o poder de ação diminui - tudo isso caracterizando o início de uma crise de governabilidade.

Por mais grave que seja a crise, é preciso perceber que os diversos agentes políticos e sociais cumprem funções diferentes. O presidente da República está certo, por exemplo, quando exige o apoio da base governista no Congresso às medidas anticrise que ele propõe. Mas essa exigência não pode ser estendida à oposição. A oposição apresentou um programa político à sociedade, que obteve apoio minoritário. É com base nesse programa que ela definirá sua linha de atuação em relação às propostas do governo. Poderá apoiar algumas, negociar outras e fazer, com toda a legitimidade, contestação a boa parte delas.

A oposição tem, ainda, a responsabilidade de apresentar alternativas para a solução da crise.

É um fato curioso que no Brasil, nos momentos de crise, surjam apelos para a "união" ou "pactos nacionais" supostamente salvacionistas. Esse discurso é uma cortina de fumaça para encobrir responsabilidades e intenções. A sociedade democrática é composta de agentes sociais, econômicos e políticos com visões e interesses contraditórios. Não se pode exigir que o PT concorde com o PFL, que os empresários concordem com os especuladores do capital financeiro, que os trabalhadores e os desempregados concordem com uma equipe econômica que gerou recessão e desemprego. Os interesses e propostas divergentes precisam ser explicitados. Saídas precisam ser buscadas em fóruns envolvendo empresários e trabalhadores, os governadores e o Congresso. A crise será solucionada a partir dos pactos possíveis entre grupos diferentes capazes de agregar forças em torno de programas e propostas. Da mesma forma que a quase unanimidade em torno do governo Fernando Henrique foi nefasta para o Brasil, qualquer tentativa de impor uma camisa-de-força à oposição, aos trabalhadores e aos empresários resultará no escamoteamento das soluções diferentes que existem para a crise e dos caminhos diversos para o futuro.

Neste momento faltam duas coisas ao governo: comando e iniciativa e um programa alternativo. Na defensiva, o segundo governo de Fernando Henrique assumiu com a perspectiva de entrar em férias. Não percebeu que tanto a vulnerabilidade da situação econômica quanto ascensão de novos governadores dispostos a não aceitar um quadro de Estados quebrados exigiam fortes iniciativas de governo para reverter as expectativas negativas que se acumulavam. Por outro lado, um dos fundamentos da política econômica, a âncora cambial, foi destroçado. Ou o governo refaz seu projeto ou o Brasil terá um arremedo de programa econômico.

Nesta "noite dos desesperados" que recai sobre o Plano Real não se pode aceitar que todas as cores sejam reduzidas ao pardo enganador da cor única. Feitas as contas, os custos da arrogância e da teimosia são assustadores; mais de R$ 200 bilhões em dívidas públicas, mais de US$ 30 bilhões das reservas torrados para satisfazer a sanha dos especuladores, enormes dívidas privadas, um dos maiores desempregos da história, inadimplência e milhares de empresas quebradas. Estados e municípios falidos, políticas públicas à deriva e uma grande frustação nacional. Seguindo as receitas desmoralizadas do FMI, o governo está jogando um pesado ajuste fiscal nos ombros de toda a sociedade. Os recursos conseguidos junto ao FMI, a rigor, serão usados para pagar os investidores internacionais.

A gravidade da crise impõe duas tarefas: a primeira é o restabelecimento da credibilidade do País. Somente o governo pode enfrentá-la.

A segunda consiste na retomada do caminho do desenvolvimento. Ela é de todos nós.

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