1982-2002

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O Declínio da diplomacia presidencial

A partir de 1995 houve praticamente um consenso entre analistas sobre a noção de que o principal traço da política externa brasileira se definia por aquilo que se convencionou chamar de "diplomacia presidencial". De fato, até meados de 1997 a política externa brasileira tinha como principal protagonista o presidente Fernando Henrique Cardoso. Essa foi uma conseqüência de uma determinada opção: decidiu-se que a política externa seria timoneada pela idéia-força da reinserção do Brasil no sistema internacional com base no programa de estabilidade econômica, da abertura do mercado, das reformas constitucionais e das privatizações. Um dos objetivos principais dessa política consistia em refundar a credibilidade externa sobre a estabilidade interna. Principalmente, a estabilidade economica. Com isso, pretendia-se atrair um grande aporte de capitais financeiros para atender metas da política econômica. De forma consciente, o governo estabeleceu uma ligação direta entre a política externa e a consolidação do PIano Real. Decorria dessa opção, uma espécie de relação de causa e efeito: o êxito ou o fracasso da primeira dependia do destino do programa de estabilização.

Enquanto a estabilidade interna foi uma mercadoria vendável no exterior, todas as luzes do reconhecimento se refletiam com resplendor sobre o nosso presidente. Recebido como grande chefe de Estado, foi laureado e condecorado em algumas Universidades do mundo. Com o advento da crise asiática em 1997 e da crise russa em 1998, alguns economistas estrangeiros começaram a projetar o foco da suspeita sobre os fundamentos da estabilidade brasileira. Um ou dois intelectuais, também estrangeiros, chamaram a atenção sobre as chagas sociais não curadas pelo sucesso do Plano Real.

Em 1998, as percepções sobre as vulnerabilidades do Brasil se multiplicaram. O presidente, a rigor, abandonou o papel de vendedor de uma imagem positiva do pais para dedicar-se à emenda da reeleição, ao próprio processo eleitoral e a dar explicações sobre as dificuldades da economia. Foi justamente a partir da vitória eleitoral, ainda no primeiro turno, que se decretou o início do declínio da força pessoal de Fernando Henrique Cardoso como principal agente à condução política e ao estilo de governar do presidente. A situação descrita acima, associada a outros elementos que não cabe aqui analisar, mostra que a política externa brasileira é usada como um instrumento da política interna carecendo de autonomia e de objetivos específicos. Reitero mais uma vez que, do ponto de vista do cenário externo, a política brasileira se pauta por fatos e circunstâncias e não por interesses estratégicos definidos. A atuação episódica ficou evidente na reivindicação do pais a um assento no Conselho de Segurança da ONU. O pleito, correto do meu ponto de vista, foi mal articulado. Bastaram algumas dificuldades, um esboço de interdição argentina etc., para que os ânimos arrefecessem. A nota assinada pelo Brasil com outros países latino-americanos em solidariedade ao caso Pinochet e a ausência de uma condenação veemente dos bombardeios britânico-americanos sem autorização da ONU ao Iraque, também são exemplos da falta de definições na política externa. Em suma, a política externa brasileira não é ativa e propositiva. Ela é reativa e defensiva. No mais das vezes, reage por oposição a situações e expectativas de outros sujeitos.

Para exemplificar, parece-me correta a definição de dar prioridade à consolidação do Mercosul. Mas o Brasil usa esse objetivo para reagir e se opor ao processo de implementação da Alca. Penso que o Brasil poderia obter vantagens relativas se apostasse positivamente no advento da Alca preparando os instrumentais de Estado e mobilizando energias da sociedade tendo em vista os conteúdos das negociações em pauta e os calendários e cronogramas que estão definidos ou sendo propostos.

Mas o exemplo mais marcante do defensivismo do Brasil na política externa está na área ambiental. O nosso país dispõe de muitos trunfos neste terreno, que, ou por temor ou por falta de ousadia, não estão sendo usados. A maior parte dos países geram enormes passivos ambientais todos os anos. Na medida em que o Brasil possui na Amazônia um dos maiores ativos ambientais do mundo deveria usá-lo para exigir contrapartidas.

O Brasil, na prática, se subordina à agenda definida pelo status quo internacional. Hoje parece que existe uma expectativa transnacional sobre a necessidade de reorganização e democratização dos organismos mundiais, sejam aqueles de natureza política como a ONU ou de natureza financeira como o FMI. Os organismos mundiais existentes estão alicerçados nos pressupostos da Guerra Fria. Com o fim daquele cenário e com o advento do desconcertante fenômeno da globalização, tais organismos sofreram uma inadequação de representação e eficiêncla. A iniciativa bilateral britânico-americana em relação ao Iraque é testemunha do anacronismo das instituições mediadoras de conflitos e garantidoras da paz. A própria regulamentação dos capitais financeiros de que tanto se fala para atenuar os efeitos destrutivos que provocam em determinadas economias, também, só pode ocorrer num processo de repactuação do contrato internacional entre as nações. Às potências hegemônicas, pouco interessa essa agenda. Ela deveria interessar mais aos países emergentes, como o Brasil.

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