1982-2002

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Câmbio ao sabor da tormenta

A queda de Gustavo Franco, a ascensão e a queda de Francisco Lopes e a indicação de Armínio Fraga para a presidência do Banco Central foram acontecimentos marcados por golpes e contragolpes nos bastidores do poder, que desmoralizaram o presidente Fernando Henrique e expuseram o Senado ao ridículo de validar um ato que era nulo. Quando Lopes foi sabatinado, a decisão de demiti-lo já estava tomada. As mudanças da política cambial estão sob suspeita de vazamento de informações privilegiadas, e a nomeação do novo presidente do BC, oriundo do mercado financeiro, reforça a velha promiscuidade entre o público e o privado.

Armínio Fraga não terá condições de estabilizar a política cambial. A presente instabilidade é determinada por algumas condicionantes conjunturais e outras estruturais. Por mais que as qualidades de operador de Fraga sejam espalhadas aos quatro ventos, ele conseguirá apenas neutralizar o jogo especulativo do dia-a-dia, desfazendo um ou outro blefe mais atrevido.

Dentre as condicionantes conjunturais, a primeira diz respeito ao fato de que a crise adquiriu uma contaminação política. Há uma sensação generalizada de que Fernando Henrique não governa o País. Nos bastidores, fala-se na instituição do parlamentarismo.

É preciso notar que as crises financeiras têm fortes variáveis políticas. No México, o assalto especulativo foi reforçado no momento em que o governo Salinas mergulhou no lodo dos escândalos. No Japão, havia a percepção de que o gabinete seria incapaz de encaminhar as reformas necessárias. Aqui, além da falta de comando, crescem as brigas na base governista.

Outro fator que aguça a voracidade dos especuladores é a avaliação de que o déficit fiscal não tem solução à vista. Há um grau de especulação contra a moeda relacionado ao déficit; para tentar cobri-lo, o governo demandará recursos enormes, que geram a suspeita de que não poderão ser honrados. Ou seja, reforça-se a tendência a uma moratória da dívida pública. Os especuladores preferem o porto seguro do dólar aos títulos públicos e aos ganhos em juros impagáveis. Tudo indica que, sob a determinação do FMI, o BC usará os juros altos para tentar conter o câmbio. Pode-se imaginar uma gangorra entre juros e câmbio: quando um deles sobe, o outro desce. Mas, dada a falta de credibilidade do país, pode surgir uma espiral incontrolável: quando os juros sobem, o câmbio segue-lhes os passos.

O problema mais grave, contudo, é estrutural. Na medida em que o governo não controla a saída de dinheiro, fica sequestrado um dos instrumentos de controle da política cambial. No passado, havia uma lei de tributação dos lucros que inibia a remessa. Mas, como o governo decidiu dar as costas ao Brasil e morrer abraçado ao capital estrangeiro, hoje, o controle é zero.

As grandes somas de capital estrangeiro investidas no país, além dos aportes especulativos de curto prazo, ocorreram sob a forma de compra de empresas privadas e de empresas públicas oriundas da privatização. A grande parte dos recursos conseguidos pela venda de empresas privadas saiu do país e foi investida nos garantidos papéis do governo americano, nos bancos suíços etc. Já os recursos da venda de estatais saíram sob a forma de pagamento de juros aos credores da União.

Por outro lado, para cada US$ 100 investidos no país, no mínimo US$ 10 saem todos os anos na forma de realização de lucros. Nos últimos quatro anos, a remessa de lucros excedeu esse mínimo, chegando, em muitos casos, a 20%. Essa remessa descontrolada provoca uma pressão permanente e comprometedora sobre as divisas. É como alguns analistas dizem: as comemorações da entrada de dólares transformaram-se no vale de lágrimas das saídas de divisas. Existe, portanto, uma fuga compulsória de recursos, que escapa ao controle do Banco Central.

O controle da política cambial só poderá ser retomado sob outro cenário e com outra orientação econômica. Por enquanto, o câmbio estará ao sabor da tempestade a que foi conduzido o Brasil. Há poucas chances de que os condutores desse barco à deriva consigam aprumá-lo. Mesmo que consigam, os rombos na sua estrutura demandarão o sacrifício de mais de uma geração.

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